Entre fevereiro e outubro de 2021, numa tentativa de “influenciar” o novo contrato de concessão (prolongado por um ano, devido à pandemia) e agradar aos parceiros da geringonça, que continuavam a reclamar a nacionalização, o Governo de António Costa adquiriu (em segredo) 355.126 ações dos CTT – o correspondente a 0,24% do capital da empresa.
Durante este período, o valor das ações dos CTT quase duplicou, apurou a Renascença. A 19 de fevereiro de 2021, as ações estavam cotadas a 2,460 euros. No final de outubro do mesmo ano, no dia 29, valiam 4,760 euros.
O volume de transações diário – que é publico – teve dias fracos com cerca de 100 mil ações comercializadas enquanto noutros ultrapassou a fasquia do milhão. Só em março, o melhor mês de 2021, 17 milhões e 310 mil ações dos CTT trocaram de mãos.
É possível aferir, em todo o caso, se a compra do Estado influenciou a valorização das ações dos CTT de alguma maneira? A opinião de dois economistas ouvidos pela Renascença diverge.
Pedro Brinca, docente na Nova SBE, entende que “parece muito provável que uma compra de várias centenas de milhares de ações nos CTT possa ter influenciado a subida do preço”.
Já Artur Rodrigues, da Universidade do Minho, tem dúvidas. “Eu acredito que não, pela percentagem que é, pelo tempo que foi, penso que representará uma pequena parte do volume de transações nesse período. Estamos a falar de 300 mil ações, quando há dias com 3 milhões”, começa por dizer.
Mas depois acrescenta: “A menos que o mercado soubesse que havia uma intenção do Estado de adquirir uma posição de relevo no capital da empresa”.
Compra “em segredo”
Até ser revelada esta semana, a aquisição de ações de ações dos CTT pelo Estado era segredo. Na quinta-feira, António Costa defendeu que a aquisição de 0,24% das ações dos CTT pela Parpública não foi revelada publicamente para não aumentar a cotação.
De uma perspetiva económica e operacional, Pedro Brinca diz que “havendo uma intenção de compra de ações de uma entidade cujo volume de transação diário é relativamente baixo, o secretismo seria fundamental para manter o custo dessa operação baixo. Obviamente que isto é verdade para qualquer empresa que invista e que queira planear a aquisição de ativos financeiros no mercado”.
Novamente, Artur Rodrigues discorda. E refuta as palavras do primeiro-ministro.
“Ouvi António Costa dizer que esse anúncio levaria a que os preços subissem. Não é líquido. Teria de se perceber qual o efeito da intervenção do Estado no valor dos CTT. Pode até ser negativo. Pode ser percecionado como uma desvalorização. Aliás, pela conversa que circula, era uma intervenção no sentido de obrigar os CTT a fazer coisas que na perspetiva do acionista privado destroem valor, se não falá-las-ia.”
O risco de fuga de informação
A intenção inicial do Governo era a de adquirir uma participação até 13% nos CTT – de modo a conseguir nomear um administrador na antiga empresa pública. Todavia, com o novo contrato de concessão assinado e o chumbo do Orçamento do Estado para 2021 (com o voto contra do Bloco de Esquerda e da CDU, inclusive), a ideia acabou por cair por terra.
As datas e volumes de compra de ações dos CTT por parte da Parpública não são conhecidas. Ainda assim, é possível delimitar o período em causa.
A 18 de fevereiro de 2021, o então secretário de Estado do Tesouro, Miguel Cruz, pediu um parecer à Unidade Técnica de Acompanhamento e Monitorização do Setor Público Empresarial (UTAM), para que a Parpública pudesse avançar com a compra. Ou seja, esta data assinala o possível início da compra.
E o fim é conhecido: segundo a Parpública, as aquisições de ações dos CTT pararam a partir de outubro de 2021.
Esta informação foi do conhecimento de apenas alguns membros do Governo. E estes, por lei, não a podiam usar. O uso de informação privilegiada – o conhecido fenómeno do “insider trading” – é crime.
“[Alguém do Governo] não pode certamente aproveitar a informação que tem para benefício pessoal, não é? Isso seria ‘inside trading’ igual aos outros [no setor privado]. E por isso não podem ter comprado, ter aconselhado qualquer pessoa a comprar, com um benefício qualquer a favor do próprio”, diz Paulo Núncio, membro do CDS e especialista em direito fiscal.
O economista Pedro Brinca confessa que ficaria chocado se tal fosse permitido, e se viesse a conhecer algum caso.
“Não sou jurista, não consigo ter uma posição definitiva sobre o enquadramento que esta situação teria. Mas não tenho qualquer dúvida que, do ponto de vista político, seria completamente insustentável. Ficaria chocado se do ponto jurídico isso fosse permitido e do ponto vista político não consigo imaginar outra possibilidade que não fosse a demissão de qualquer pessoa que fosse apanhada numa situação destas. Politicamente seria completamente insustentável”, atira.
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