A negociação de convenções deu no ano passado um impulso médio de 2,8% aos salários dos trabalhadores abrangidos pela negociação coletiva. É um valor que fica abaixo do crescimento médio de 3,3% alcançado em 2018, a representar um abrandamento ligeiro nas subidas salariais durante o último ano.
O relatório anual final sobre aumentos nas tabelas contratadas entre associações sectoriais e empresas com as estruturas que representam trabalhadores ainda não foi publicado pela Direção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT), mas os dados mensais traduzem para já uma subida média que está em linha com a evolução no conjunto da economia, onde a remuneração-base média teve um incremento de 2,6% no último ano. A tendência até aqui era a de que os salários da contratação coletiva crescessem acima da média geral.
A subida média em 2,8%, calculada pelo Dinheiro Vivo/DN, poderá ainda ter variações nos dados finais, ponderados, da DGERT. Mas deverão ficar sempre à volta de 3%, nas expetativas do governo e das centrais sindicais.
O valor resulta de 339 novos instrumentos de regulamentação coletiva publicados, que alcançaram no último ano 883.747 trabalhadores, numa quebra de 11% face a 2018. Esse foi o ano em que houve perto de um milhão de trabalhadores abrangidos, o melhor desde 2011, mas sem paralelo ainda com os anos anteriores à crise. Em 2008, foram 1,7 milhões os trabalhadores abrangidos, com as remunerações a crescerem então numa média de 3,1%
Para os valores médios contam evoluções muito díspares ao longo do ano. Dezembro foi o mês mais bem sucedido para os trabalhadores, com uma subida média de 9,5% que reflete em grande medida a publicação do acordo entre ANTRAM e FECTRANS para aumentar salários dos motoristas de matérias perigosas (cresceram em média 25%). No extremo oposto, está um aumento médio de meros 0,1% na renovação do acordo coletivo entre o banco BCP e o Sindicato dos Bancários do Norte, em outubro. Nesse mês, a subida média salarial na contratação coletiva foi de apenas 1,1%.
Mas nem todas as novas convenções asseguram aumento no valor dos salários. No ano passado, só 83% dos trabalhadores abrangidos nos acordos publicados (cerca de 731 mil) tiveram tabelas salariais atualizadas.
Os dados apontam um abrandamento nas subidas salariais nas convenções numa altura em que os parceiros sociais discutem em Concertação Social um acordo para fazer avançar salários na contração coletiva. No ano passado, o governo pôs na mesa dos parceiros sociais a soma de inflação e produtividade esperadas (2,7% para 2020, até aos 3,2% em 2023). Este deveria ser o ponto de partida para um referencial comum de aumentos na contratação coletiva – à semelhança do último do género, obtido em 1996 – que afinal não vai haver.
A ideia é agora é chegar a uma metodologia para referenciais sectoriais, a definir até ao final de março, e acordar ainda medidas em dez outras matérias no mesmo prazo. Mas poucos na mesa de negociações, retomadas hoje, têm mostrado acreditar na medida e no prazo para a alcançar. A Confederação Empresarial Portuguesa, a CIP, mantém-se contra a definição de referenciais.
O secretário de Estado Adjunto do Trabalho e da Formação Profissional, Miguel Cabrita, vê a manutenção de uma subida a rondar ainda os 3% como sinal de que deve haver ambição no acordo de rendimentos em discussão na Concertação Social até ao final de março.
Os dados mensais de variação de salários nas tabelas da contração coletiva apontam para uma subida média destas remunerações. Que leitura faz desta subida?
Esses dados já estão publicados, mas ainda pode haver aí algum ajustamento. Em termos de evolução dos salários, a negociação dos salários tem sido ao longo dos últimos anos um factor importantes de crescimentos dos salários. Em anos em que havia pouco crescimento salarial foi na negociação coletiva que, em primeiro lugar, começou a haver um sinal de aceleração dos salários. Em anos em que houve muito crescimento de emprego, mas os salários ainda cresciam muito pouco, na negociação coletiva o crescimento foi mais rápido. Já andava nos 2%. E na verdade andou perto dos 3% em 2018. Vamos ver como fecham os dados de 2019. Neste momento, a negociação coletiva acaba por estar mais a par daquela que é a dinâmica do mercado, onde estamos também em volta dos 3%. Seja como for, é um sinal relevante. Enquanto a dinâmica no agregado dos salários é o produto muitas vezes de negociações individuais no próprio mercado, a negociação coletiva tem esta característica específica de ser uma negociação que é conduzida pelos representantes dos empregadores e dos trabalhadores. O que quer dizer que, além do mercado também estar a conseguir um crescimento de salários com algum significado, a negociação coletiva também está a refletir esse crescimento. Quer dizer que há uma coerência entre a dinâmica de mercado e o que está a fazer a negociação coletiva. É um sinal positivo.
Deste dado dá algum sinal também àquilo que está a ser discutido na Concertação Social, nomeadamente, para um acordo de referenciais sectoriais para a contratação coletiva?
O que mostra é que a média dos sectores em que há negociação, e em que há negociação de salários em particular, está neste momento perto dos 3%. É um dado, como digo, particularmente significativo porque é coerente com os dados globais do mercado. Quando olhamos hoje para os dados do mercado de trabalho – fruto do crescimento do emprego, da taxa de desemprego mais baixa, de estarmos a criar também empregos qualificados, de um conjunto de sectores estar com dinâmicas relevantes de crescimento – o que verificamos é que não só o mercado, mas também a própria negociação coletiva, está em torno dos 3%. Significa que há condições para haver uma negociação salarial e uma ambição salarial que de alguma forma reflita aquele que é o objetivo que o governo tem: fazer subir não apenas o salário mínimo, mas de modo transversal à economia dar também um sinal de confiança às pessoas, agentes económicos e famílias, de que os salários podem subir.
Há algum receio de que a deterioração na reta final do ano nos dados de desemprego e da criação de emprego possa conter essa ambição?
O crescimento do emprego e a diminuição do desemprego não se fazem em reta. Têm sempre as suas oscilações. Em quatro anos, passámos de uma taxa de desemprego superior a 12% para 6 ponto qualquer coisa, dependendo se são os dados mensais ou trimestrais e se são ou não ajustados de sazonalidade. Não é expetável, nem é essa a previsão do governo que esta linha pudesse tender numa reta para o zero. Houve aqui um alisamento. Há aqui um trimestre em que os dados de alguma forma refletem algum alisamento. Vamos ver como é que vai evoluir. Também sabemos que o quarto trimestre de um ano e o primeiro do ano seguinte são os trimestres mais difíceis do ponto de vista do emprego, porque são os meses do inverno. Dentro do ciclo anual do emprego são os trimestres menos favoráveis. De qualquer modo, a previsão do governo é que continua a haver um bom comportamento do mercado de emprego. O desemprego em direção ao zero não existe nas economias. Sabemos também que há muito desemprego de longa duração com pessoas mais velhas, menos qualificadas, junto das quais há que fazer um esforço grande para as reintegrar no mercado de trabalho. E é isso que estamos a preparar, desde logo com a discussão sobre a formação profissional que vamos ter de modo subsequente à discussão sobre salários e rendimento. Há um conjunto de fatores diferentes. Continuamos confiantes de que o mercado de emprego vai continuar a evoluir positivamente. À medida que o desemprego é mais baixo, temos de ter consciência que o nosso potencial de criação de emprego tem de ser alavancado na formação profissional e em programas como o Regressar ou na capacidade de atrair também imigrantes para o mercado de trabalho. Mas encaramos os dados [de desemprego] do quarto trimestre como normais tendo em conta a descida muito acentuada que houve nos últimos anos.
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