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Um mês depois de ter entrado em vigor, a redução do choque extra considerado no cálculo da taxa de esforço para efeitos de obtenção de crédito à habitação, que simula a capacidade financeira das famílias em fazer face a uma hipotética subida da Euribor, já permitiu viabilizar processos de financiamento que anteriormente não receberiam o “carimbo verde”, apontam os intermediários de crédito auscultados pelo Dinheiro Vivo.
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Em causa está a alteração à recomendação macroprudencial n.º3/2018 do Banco de Portugal (BdP), que estabelecia que, para o apuramento do rácio DSTI (debt service-to-income), as instituições financeiras deveriam considerar a taxa de juro prevalecente ao momento da contratualização e somar 3% adicionais, de modo a avaliar a condição financeira dos consumidores num cenário adverso de subida de juros. A alteração à referida instrução, efetivada a 16 de outubro, veio diminuir para metade o nível de stress a aplicar (1,5%) neste tipo de empréstimos.
O supervisor bancário justificou a necessidade deste ajustamento com o atual contexto de juros altos – isto porque, quando aquela medida foi criada, as taxas diretoras do Banco Central Europeu (BCE) encontravam-se negativas e, desde julho do ano passado, têm vindo a escalar progressivamente, situando-se agora acima dos 4%. Ou seja, aplicar um choque de 3% implica ponderar taxas de juro superiores a 7%, um quadro que não é expectável que se concretize.
Não obstante o objetivo concreto de reduzir ao máximo o incumprimento, nos últimos tempos, o “excesso de rigor” estava a produzir um resultado “ilógico” de impossibilitar a compra de habitação. Assim, e concordando que o exercício de risco encontrava-se desatualizado, João Melo, diretor de crédito à habitação do ComparaJá, saúda “a desejada redefinição da taxa de stress”, defendendo que a mesma “assumiu um papel tão significativo quanto o esperado no panorama do contexto imobiliário e mais concretamente na banca nacional”.
Na perspetiva do responsável, a medida, além de “extremamente benéfica”, foi bem recebida em todas as frentes: das instituições financeiras aos compradores, vendedores e consultores imobiliários. Presumivelmente, aponta, “o acesso ao crédito irá gerar cada vez mais negócio e a lógica é algo natural. O banco ganhará o dinheiro dos juros, o vendedor ficará com o valor da venda da casa, o comprador conseguirá cumprir o seu objetivo e até o consultor imobiliário terá o respetivo pagamento, dado que a transação do imóvel será possível”, explica.
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Os dados recolhidos pela empresa revelam que 12% dos processos de crédito à habitação aprovados desde que o novo modelo foi implementado só receberam o carimbo de viabilidade por conta da nova taxa de stress, o que significa que, vigorando o cálculo precedente, um em cada dez portugueses não conseguiria ter adquirido casa. “Desde que há registo, nunca existiu nenhuma situação que tenha impactado o mercado desta forma. A procura não aumentou por causa desta oferta, mas houve mais crédito aprovado graças à mesma”, acrescenta.
Também o intermediário de crédito Doutor Finanças relata, pela voz de Cláudio Santos, administrador com o pelouro comercial, uma realidade semelhante, ressalvando, contudo, uma questão fundamental: os créditos que foram autorizados ao longo do último mês, por conta deste alívio, são processos em que as pessoas têm efetivamente condições financeiras para suportar os encargos.
“O que está a ser feito é avaliar a capacidade das famílias ficarem com uma taxa de esforço suportável caso as Euribor subam para valores em torno de 5,5%, em vez de 7%, o que é um cenário mais plausível.” Num modo simplista, o responsável da empresa afirma que a decisão do Banco de Portugal veio tornar o exercício mais realista, possibilitando as instituições de financiar as famílias e as pessoas com uma situação financeira estável de comprar casa.
Dando como exemplo um empréstimo de 100 mil euros, a 30 anos e com um spread de 1%, o especialista indica que assumir que as taxas de juro podem chegar aos 7%, ou seja, conforme a anterior fórmula, é estar a colocar a prestação da casa nos 734 euros; já aplicando um nível de stress de 1,5% diminui-se a taxa associada ao mesmo caso para os 5,5%, originando assim uma prestação de 633 euros – o que, fazendo as contas, representa menos 101 euros no orçamento mensal das famílias.
Uma análise feita aos clientes permitiu ainda à empresa percecionar uma alteração significativa na carteira de crédito. Ainda que os portugueses tenham continuado a comprar casa através dos serviços do intermediário, ao longo deste ano, a maioria das operações de financiamento corresponderam a transferências de empréstimo, o que leva à conclusão de que, num período marcado por subidas acentuadas das taxas de juro, uma grande fatia das famílias “procurou encontrar melhores condições de crédito”.
Atualmente, o valor médio financiado nos processos intermediados pelo Doutor Finanças rondam os 145 mil euros, precisamente devido a parte da atividade implicar empréstimos nos quais já houve amortização de capital, enquanto no caso do ComparaJá a média é de 160 mil euros.
Perante a previsão do BdP de critérios menos restritivos na concessão de crédito à habitação e a expectativa de manutenção das taxas de juro, os especialistas antecipam uma estabilização do ritmo do mercado hipotecário para o próximo ano. De salientar que, desde março de 2021, o montante de novos empréstimos para compra de casa tem-se mantido acima dos mil milhões de euros, tendo atingido em setembro 1,87 mil milhões, o valor mais alto desde 2007.
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