Veja também:
A venda de carros recuou quase 85% em abril deste ano − em comparação com o mesmo mês do ano passado − e o mercado ficou reduzido a quatro mil unidades, pelo que é difícil perceber o que reserva o futuro. Mas nos stands começa a desenhar-se uma nova realidade: os consumidores estão a comprar carros mais pequenos, mais baratos, querem promoções drásticas, e a política de financiamentos está já a ser mais agressiva. E se a utilização de meios online era uma realidade, saiu ainda mais reforçada do confinamento.
Há também quem esteja a procurar carros para fugir aos transportes públicos. Muitos receiam que seja uma fonte de exposição mais forte ao vírus da Covid-19.
“Sentimos que os clientes procuram viaturas de valores mais baixos, e mais acessíveis. Qualquer coisa em que possam gastar as suas poupanças, mesmo havendo as vantagens das moratórias financeiras. Aparecem muito clientes à procura de viaturas de baixo valor”, relata à Renascença o sócio da Autolotus, Pedro Almeida, empresa que tem dois stands na Grande Lisboa.
O empresário concretiza esta realidade com números. “Os clientes que procuravam carros de 15 mil ou 20 mil euros, na mesma percentagem procuram agora viaturas até cinco mil, seis mil euros. Há uma diferença na procura, as pessoas talvez tenham um mecanismo de defesa em relação à compra, e em relação ao gasto estão mais reticentes em gastar o capital”, explica.
Na Autolotus, que emprega 12 funcionários, e que antes da crise provocada pelo novo coronavírus vendia em média 20 a 30 carros por mês, o valor deu um trambolhão.
Cada vez é mais frequente entrarem nos stands clientes à procura de um desconto “do outro mundo”. “As pessoas estão sempre à espera de que haja uma rutura de preços enorme. Fazem ofertas para viaturas e tentam negociar a um valor muito inferior ao valor anunciado. Esperam que todo o setor baixe para fazer o negócio da China, como se costuma dizer”, relata Pedro Almeida.
O mesmo gestor diz que não vai baixar preços, porque senão estaria a destruir o stock de 100 carros que tem estacionados à espera de ser vendidos. “Não posso querer comprar um Renault Mégane por sete mil euros, quando adquiri por 12 mil antes da pandemia”, explica.
Marcas mais baratas em alta
Ricardo Oliveira é há vários anos diretor de comunicação da Renault em Portugal, marca tradicionalmente líder de vendas no nosso país. Alerta que a procura é baixa para antecipar grandes tendências, mas reconhece que já há mudanças que se começam a percecionar.
“Já se notou em abril, que uma marca como a Dacia foi a quinta marca mais vendida no mercado português. Os dados disponíveis em maio vão no mesmo sentido, o que de alguma forma confirma a teoria de que existe uma mudança de comportamento das pessoas em relação à procura de carros e estão a optar por automóveis de menor valor”, adianta, ao mesmo tempo que reafirma que quando o mercado retomar valores mais próximos da média irão regressar os comportamentos mais tradicionais.
Este responsável crê que há aspetos que vão mudar na forma de vender carros, mas que neste momento ainda não se percebem com exatidão quais serão. Ricardo Oliveira defende, no entanto, que não é com baixas de preço que o setor sobreviverá ao impacto da crise.
Em relação às promoções, acredita que “há um limite para tudo”. “A vertente promocional já era tão forte, que a capacidade de ir mais longe também começa a não existir”, argumenta.
Por isso, a opção da marca francesa será outra: “Nós vamos meter o nosso foco no financiamento, pensamos que agora com menos rendimento disponível por parte das famílias, há que facilitar o acesso ao crédito com rendas mais baixas”.
À procura de rendas mais em conta
Mais acima, no norte do país, a Fisacar, com três stands em Matosinhos, Braga e Barcelos, viu as vendas descer em 90%, num grupo que vendia em média 85 carros por mês.
Fernando Ferreira, sócio-gerente, apesar de alertar que “nem sempre as pessoas dizem a verdade toda”, aquilo que dá para perceber do novo comportamento dos consumidores é que “que quem estava para trocar para uma carro novo, está a ir para um seminovo, e os que iam comprar um carro de 15 mil euros estão a pensar no carro de 12 ou 10 mil euros. Há ainda pessoas que têm dois carros, e querem ficar só com um”.
O motivo? “Ou a esposa ficou desempregada, ou o marido, e já está a chegar esse tipo de cliente”, explica.
Sobre o caça promoções, diz que esses são clientes que não lhe interessam. “Aproveitam-se da crise para comprar”, diz o responsável da empresa do ramo automóvel com 35 anos de história.
Fernando Ferreira alerta para um outro problema. No pico do verão, pode não haver automóveis novos para vender. “Vamos chegar a julho e agosto e não vamos ter carros para comprar, há marcas que dizem que até ao final do ano não conseguem entregar carros novos”, avisa.
Porquê? “As rent-a-car cancelaram o negócio dos carros novos, estão a ir buscar as viaturas que entregaram no final do ano para utilizar novamente”, explica.
Ali a poucos quilómetros, em Penafiel, na Autogenial, o gestor Luís Sousa defende que cada vez mais o financiamento é a forma de fazer negócio. “As pessoas procuram por um tipo de renda não muito alto, até aos 200 euros. Há mais procura de um tipo de carro mais económico”, diz.
Em dois stands têm 150 carros em stock, e apesar de o “core” do negócio serem os carros de gama alta de marcas como a Mercedes, a Audi, ou a Range Rover, são as marcas do tipo da Renault, da Peugeot, da Ford, e da Volkswagen que mais estão a ter saída com valores que podem andar entre os 10 e os 17 mil euros.
“As pessoas estão a ir para esses carros, ao invés de procurarem um automóvel usado de uma marca melhor. Preferem comprar um carro novo de uma marca mais inferior”, analisa.
Luís de Sousa acredita também que o meio digital será cada vez mais privilegiado para as vendas. “É desse canal de onde vem muitos dos contatos. A informação está a um segundo de distância”, completa, assinalando que durante a quarentena vendeu “cinco carros para as ilhas sem as pessoas os verem sequer”.
Prudência
As associações do setor são na generalidade muito conservadoras em fazer análises definitivas sobre as tendências que se começam a desenhar. Nuno Silva, presidente da Associação Portuguesa de Comércio Automóvel, é cauteloso na leitura dos dados. Ainda assim, avança que se nota que “as pessoas estão à procura de carro porque adiaram a compra por causa do Covid”, e há outras que “preferem andar em carro próprio do que em transportes”.
A mesma ideia é defendida pelo presidente da ACAP, Associação Automóvel de Portugal. O secretário-geral Hélder Barata Pedro entende que há “pessoas com medo de entrar nos transportes” e “compram um usado mais pequeno para poderem resolver essa situação”.
Sem dados concretos, diz que no mercado se fala muito de uma recuperação tímida que tem começado mais pelo segmento de segunda-mão.
Já a Associação Nacional das Empresas do Comércio e da Reparação Automóvel, a ANECRA, crê que a digitalização do setor era já uma realidade e será agora aprofundada. “Penso que a proposta de compra terá de ser sempre acompanhada de um vídeo para o cliente”, explica o presidente Alexandre Ferreira.
O mesmo corrobora da ideia de que são “as viaturas de menor preço” e “as seminovas e as usadas”, aquelas que estão a ter maior procura. “A concretização dos negócios não está a ser rápida, mas paulatinamente há uma ideia de recuperação que poderá ocorrer exatamente até ao mês de agosto”, antevê.
Deixe um comentário