//Crédito à habitação. Redução de escalão de IRS “pode não ser um benefício”, avisa DECO

Crédito à habitação. Redução de escalão de IRS “pode não ser um benefício”, avisa DECO

A redução da retenção na fonte de IRS para quem tem um crédito à habitação pode gerar um aumento líquido ao final do mês, mas levará a que famílias recebam menos na altura do acerto anual. A medida tem impacto na vida de 1,4 milhões de agregados familiares, mas fica muito abaixo da subida da Euribor nos últimos meses e deixa de fora quem recebe o salário mínimo (que é isenta de IRS) e quem tem um rendimento mensal bruto acima dos 2.700 euros.

À Renascença, a coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira da DECO, Natália Nunes explica que a medida “pode não ser um benefício” e que pode levar a que uma família “ainda tenha que reembolsar dinheiro” em 2024.

“A preocupação é que este valor de IRS que não é entregue pelas famílias pode não ser um benefício e uma ajuda em concreto que sirva para pagar o aumento da prestação do crédito à habitação e levar a que, no ano seguinte, a família ainda tenha que reembolsar dinheiro ao Estado”, diz.

A jurista da DECO avisa também que, ao pedir a redução das retenções de imposto, a família em questão tem de ter “um bom controlo sobre a gestão do seu dinheiro”, para que, na altura do acerto anual, não tenha que efetuar pagamentos ou que receberá menos do que habitualmente recebe de reembolso.

De acordo com simulações da EY disponibilizadas à Renascença, com este pedido de retenção na fonte de IRS, um solteiro com um salário de mil euros mensais receberá mais 12 euros por mês, que não são descontados no IRS, com a retenção na fonte a passar a ser 101 €, face aos atuais 113€.

No caso de uma pessoa casada com o mesmo salário, com ou sem filhos, a retenção na fonte é de 73 euros, em vez dos atuais 81€, com um aumento líquido do salário de oito euros. Um casal com uma remuneração conjunta de 2.000 € mensais terá assim um aumento líquido de 16 euros por mês.

Para uma pessoa com um salário de 1.500 euros mensais brutos, o aumento líquido do salário é de 15 euros, com a retenção na fonte de IRS a passar a ser de 243 euros, no caso de um solteiro, de 160 euros no caso de uma pessoa casada sem filhos, e de 106 euros no caso de uma pessoa casada com dois filhos.

Um casal com crédito à habitação em que ambos tenham um salário de 1.500 euros terá um aumento líquido

Entre as simulações da EY, o maior aumento líquido do salário por mês acontece nos casos de solteiros e de casados com dois filhos com remunerações brutas de 2.000 euros, que recebem mais 25 euros por mês, que se traduz em mais 350 euros líquidos por ano, antes do acerto anual do IRS.

Para Natália Nunes, embora permita um aumento do rendimento líquido ao final do mês, esta redução do IRS “não vai ser suficiente” para colmatar o aumento das rendas. “Acaba por não ser uma medida que vá acautelar que as famílias não venham a ter dificuldades no pagamento do crédito à habitação”, afirma, não esquecendo o aumento do custo de vida desde o início do ano, para lá da subida da Euribor nos últimos meses.

Ouvido esta terça-feira na Renascença, Luís Marques, fiscalista da consultora EY, avisa que a medida é apenas um “efeito de tesouraria”, uma vez que, na prática e apesar de ter efeito imediato, as famílias terão depois “menos reembolso do IRS” ou talvez “até pagar mais imposto no final”.

“Para a maioria das famílias, o que o governo permite é que, para fazer face ao incremento visível que vai haver nas prestações do crédito à habitação é que as pessoas solicitem à entidade patronal que faça uma retenção menor, ou seja, uma retenção que se aplica relativamente ao escalão imediatamente abaixo ao que seria aplicado e, com isso, aumentar o seu nível de liquidez para fazer face às prestações mais elevadas que vão ter, com certeza, a partir de Janeiro do próximo ano nos créditos à habitação”, explica o fiscalista.

Famílias vão ficar melhor com esta proposta de OE? Fiscalista responde

Para aceder a este benefício, os trabalhadores têm de comunicar à entidade patronal “a opção de redução da retenção na fonte prevista, através de declaração acompanhada dos elementos indispensáveis à verificação das condições referidas, bem como qualquer outra informação fiscalmente relevante ocorrida posteriormente”.

Trabalhadores que recebam o salário mínimo, que passa a ser de 760€, não poderão usufruir desta medida, uma vez que estão isentos de IRS e, por ser, não poderão reduzir a retenção na fonte. Além disso, a medida engloba apenas a “habitação própria e permanente”.

O Governo tem estimado para esta medida um custo orçamental de 250 milhões de euros, mas que é apenas por antecipação, visto que no reembolso do IRS este valor deverá ser reposto, tendo em conta o acerto anual do imposto.

OE 2023. Famílias que ganham o salário mínimo não podem beneficiar do apoio ao crédito habitação

Medida fica muito abaixo da subida da Euribor. Pedidos de ajuda à DECO aumentam

A jurista da DECO Natália Nunes alerta ainda para as grandes dificuldades financeiras no pagamento da prestação de crédito à habitação, principalmente entre quem tem “menores rendimentos ou taxas de esforço elevadas”. “Possivelmente não serão medidas desta natureza que vão ajudar estas famílias.”

“As famílias já estão a sofrer o aumento do custo de vida, mas as prestações do crédito à habitação de taxa variável são revistas de seis em seis meses ou de ano a ano. Com os primeiros aumentos, as famílias começam já a sentir dificuldades em suportar as prestações”, afirma, apontando como alternativa a renegociação destes contratos, para evitar situações de incumprimento.

“Não serão medidas destas que vão evitar que as famílias entrem em situações de rotura. É necessário mais do que estas medidas para ajudar as famílias.”

Para efeitos de comparação, num crédito à habitação de 150 mil euros a 30 anos, com Euribor a seis meses, a prestação mensal da casa de 500€ ficava a 446€, caso fosse revista no início do ano. Caso seja revista no final deste mês de outubro, a prestação passa a ser de 614 euros – mais 114 euros que o valor inicial e 168 euros em relação à Euribor a seis meses do início do ano. A medida deste OE2023 não representa nem 25% do aumento da prestação desde o início do ano.

A mesma Euribor estava a 1% no final de agosto, o que levava a que a prestação da casa fosse revista para os 554 euros. Com a Euribor quase a 2%, como está atualmente, a renda será atualizada para 632€ – um aumento de 78 euros por mês no espaço de apenas dois meses.

Na passada semana, foi revelado pela DECO que “mais de 20 mil famílias, a maioria da classe média” já tinham pedido ajuda à associação de defesa do consumidor. Natália Nunes avança que, até setembro, os pedidos de ajuda estavam “mais relacionados com o aumento do custo de vida”.

Desde o último mês, aumentaram os pedidos de ajuda de famílias que foram confrontadas com a revisão da sua prestação de crédito à habitação e, por consequência, o aumento da renda.

A subida das mensalidades afeta mais de 1,8 milhões de portugueses, com mais de 90% a estarem associados a créditos à habitação com taxa variável, que estão indexados à Euribor.

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