O crédito às empresas atingiu novo mínimo no final de 2018 e nunca pesou tão pouco no total dos empréstimos da banca, ao contrário das famílias. O primeiro-ministro, António Costa, considerou, numa entrevista recente à SIC, que a banca não está preparada para responder aos desafios da economia e que está muito dependente do crédito ao consumo e ao imobiliário. Os números mostram uma quebra. Mas a leitura pode não ser tão fácil.
Em 2018, o stock de crédito a empresas teve uma quebra de 4,8%, superior a 3,5 mil milhões, segundo cálculos do Dinheiro Vivo baseados em dados divulgados nesta semana pelo Banco de Portugal. Pela primeira vez, desde o início das estatísticas, passou abaixo da fasquia dos 70 mil milhões. As empresas representam apenas 37,6% no total do crédito nos balanços dos bancos, um novo mínimo. No mesmo período, o stock de crédito às famílias cresceu 622 milhões, somando 115,3 mil milhões. Os bancos estão a conceder mais empréstimos do que os que estão a ser amortizados.
Apesar de as estatísticas do supervisor indicarem uma quebra no crédito a empresas, a Associação Portuguesa de Bancos (APB) aconselha cautela na leitura dos números. “A evolução do stock está muito influenciada pelo processo em curso de redução de NPL [crédito em incumprimento].”
Os bancos portugueses têm feito vendas significativas destes ativos a entidades especializadas em recuperar valor nesse tipo de créditos. O objetivo é baixar o peso do malparado nos balanços. A APB indica que, “se olharmos para o stock de crédito às empresas ajustado de titularizações e vendas de empréstimos, verificamos que no final de 2018 se registou uma variação anual positiva de 1,7% (algo que não acontecia desde 2011)”.
De referir que, apesar das vendas de NPL poderem incidir mais sobre malparado de empresas, têm existido também alienações de carteiras de crédito de famílias em incumprimento.
A oferta, a procura e o risco
Mesmo com condicionantes estatísticas, a já longa questão da oferta e da procura mantém-se. O governo quer uma banca que aumente o financiamento à economia. As empresas argumentam que não se está a apoiar suficientemente as exportadoras. E a banca diz que está preparada para financiar, salientando que tem de cumprir com requisitos de risco e que há menos procura de crédito.
“Os bancos estão preparados para dar crédito às empresas e competem entre si para poder financiar empresas solventes, que passem no crivo da avaliação de risco”, refere a APB. António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), até reconhece que há “sinais, ainda tímidos, de melhorias”. Mas defende que “o problema do financiamento, que tem condicionado fortemente a evolução do investimento empresarial, está ainda longe de estar resolvido”.
António Saraiva argumenta que “mesmo que se confirmem os sinais de uma ligeira recuperação do crédito às empresas, o setor financeiro está a aumentar o crédito ao consumo (mais 6,4% nos últimos 12 meses) a ritmos muito mais elevados”. Considera mesmo que “o sistema bancário, apesar de mais capitalizado e dispondo de mais liquidez, continua a não cumprir cabalmente a sua função de intermediação entre poupança e investimento”.
No entanto, Filipe Garcia observa que o que “está a suceder é que muitas empresas simplesmente optam por não investir, ou por reinvestir os seus próprios cash flows [fluxos de caixa]”. Em relação ao apelo do chefe do governo, o economista da IMF realça que “querer ser ‘amigo do investimento’ é uma expressão que à luz do que se tem sabido da CGD, e de outros bancos, deveria ser evitada”.
O economista avança com uma explicação para o maior dinamismo do crédito nas famílias em relação às empresas: “As famílias são muito mais reativas a oferta de crédito do que as empresas. O aumento do crédito ao consumo reflete um contexto favorável em termos de emprego e confiança, mas sobretudo o aumento da oferta por parte da banca”.
Já do lado das empresas, Filipe Garcia observa “duas realidades distintas”. Uma é a das empresas com melhor capacidade financeira. Os bancos têm mais disponibilidade para lhes emprestar, mas este tipo de empresas tem-se “retraído na procura por crédito”. A outra é a de empresas que “precisam de crédito mas têm muita dificuldade em obtê-lo devido aos critérios mais apertados da banca”.
Turismo com crédito
Apesar da quebra geral no stock de crédito às empresas há diferenças entre setores. No alojamento e restauração, o crédito cresceu 337 milhões de euros. “O contributo do turismo para a recuperação da atividade económica e do emprego reflete-se, sobretudo, no comportamento do setor de alojamento, restauração e similares. É por isso normal que esta dinâmica se traduza numa variação positiva ao nível do crédito”, explica a APB.
Mas na indústria transformadora, que assegura as exportações de bens, o cenário é diferente. Houve uma quebra. A APB diz que a descida tem sido menor relativamente a empresas não exportadoras. Mas António Saraiva considera que “os bancos não estão a apoiar de forma suficiente as empresas exportadoras”.
Filipe Garcia defende que é “bem provável que os bancos estejam a tentar oferecer crédito a essas empresas”. Mas “o que parece estar a acontecer é que as empresas da indústria transformadora com capacidade de endividamento estão a procurar menos o crédito”.
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