Emigrar e aguentar
Nos últimos dois anos, a vida pregou algumas rasteiras a Pedro Marvão – e deixou-o com uma casa nas mãos para pagar.
Em janeiro de 2021, o jovem enfermeiro, natural de Odivelas, estava numa relação estável; meses antes, comprara um terreno “por um valor aceitável” na freguesia de Santo Antão do Tojal, Loures, com o intuito de ali construir uma vivenda.
Pedro e namorada pediram um crédito para construção de habitação. E conseguiram-no. O esforço financeiro ia ser “repartido”. “Era uma coisa a dois.” Porém, poucos meses depois, a relação terminou. E, quase em simultâneo, os juros do empréstimo começaram a subir.
“Uma coisa é estar num projeto a dois, acaba-se por se dividir um bocado as despesas. Outra coisa é ter de assumir um encargo sozinho”, confessa.
A quente, Pedro ainda ponderou vender o terreno e o esqueleto da casa, mas optou por seguir com a construção. “Se fosse um valor insustentável, aí sim provavelmente teria que vender a casa, mas já terminada.”
Como ainda mora com os pais e trabalha em dois hospitais, o jovem consegue canalizar quase tudo o que ganha para pagar o empréstimo. Todavia, o caminho que Pedro escolheu não é isento de custos. “Aquilo que tive de começar a fazer foi aumentar o número de turnos para colmatar os valores.” O jovem está dependente da vitalidade dos seus 28 anos para continuar à tona, até que a maré de subida de juros abrande e, eventualmente, recue.
“Como sou jovem, saudável, por enquanto aguento relativamente bem. Não quer dizer que isto seja uma coisa a longo prazo. É impensável continuar neste ritmo mais do que um, dois anos, no máximo. É um ritmo que não é saudável”, diz.
Filipe, colega de trabalho de Pedro, está numa situação semelhante. E tem uma visão mais negativa quanto ao futuro.
À Renascença, garante: “Tenho um cenário mais que definido na cabeça”: emigrar, assim que surja uma oportunidade. “Tenho sítios que me oferecem quatro ou cinco vezes mais do que ganho aqui. Já estou aprovado em duas empresas [de recrutamento].”
O que há de pouco usual no caso deste enfermeiro de 29 anos, que também trabalha em dois hospitais da área metropolitana de Lisboa, é o motivo: “Vou emigrar para manter a minha casa, o peso financeiro que ela me trouxe.”
Em fevereiro de 2021, após anos a dividir teto e renda com amigos, Filipe comprou casa em Odivelas; desde sempre, ambicionara ter um “porto seguro” próprio. A prestação mensal contratualizada com o banco foi de 400 euros. “Compensava, ficava mais barato que alugar.”
No entretanto, a prestação de Filipe – devido à subida dos juros e taxas Euribor – escalou quase até aos 800 euros. “Não é uma questão de ser viável ou não. Sempre trabalhei em dois lados. Tenho o meu principal e o meu duplo. Acontece que antes conseguia juntar algum dinheiro. Neste momento, não. Há meses em que tenho de ir buscar àquele que tinha guardado”, conta.
Há muito que Filipe, natural de Viseu, vinha a ponderar a possibilidade emigrar. Passar uma temporada fora, poupar dinheiro, amortizar empréstimos, fazia parte dos seus planos. A crise inflacionária, no entanto, “acelerou a decisão de uma maneira brutal”.
“Uma pessoa deixou de conseguir viver. Neste momento, sobrevivemos, não vivemos, com aquilo que ganhamos”, queixa-se.
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