Mary Veronica Tovsak Pleterski, da Direção-Geral dos Assuntos Económicos e Financeiros da Comissão Europeia, admite que a desaceleração da produtividade em Portugal se deve à criação de empregos em setores de baixa tecnologia. Tovsak Pleterski esteve em Portugal para uma conferência sobre produtividade organizada por alunos da Nova SBE e concedeu uma entrevista exclusiva ao Dinheiro Vivo.
Porque é que as novas tecnologias não estão a conduzir ao crescimento e à prosperidade esperados?
Esta é realmente uma questão importante. Muitas vezes ouvimos dizer que estamos a entrar na quarta revolução industrial, caracterizada por uma fusão de tecnologias que está a atenuar as fronteiras entre as esferas físicas, digitais e biológicas. No entanto, ainda não sentimos melhorias no bem-estar económico a que assistimos durante as revoluções industriais anteriores. Isso pode ser porque ainda estamos nas fases iniciais da atual revolução industrial. A criação de novas soluções tecnológicas e as correspondentes mudanças levarão algum tempo.
Que fatores podem explicar esse paradoxo?
Acredito que não existe um único motivo que possa explicar inteiramente a desaceleração da produtividade. Alguns defendem que se deve à dificuldade em encontrar inovações fundamentais. Outros argumentam que é o regresso ao normal em termos de taxas de crescimento de produtividade após ganhos extraordinários. Outros assumem barreiras à difusão tecnológica ou ineficiente alocação de recursos como os principais obstáculos. E, por último, mas não menos importante, alguns sugerem que a desaceleração da produtividade é, pelo menos em parte, ilusória já que podemos não capturar adequadamente as mudanças de produtividade nas estatísticas. É provavelmente uma combinação de vários ou todos os fatores e, possivelmente, até outros aspetos. Acredito que os benefícios das novas tecnologias ainda estão para chegar.
Pode ser um problema de medição?
Sem dúvida. Essa questão também deve ser considerada. Atualmente, há cadeias de valor globais cada vez mais complexas, tornando mais difícil capturar dados onde é criado valor acrescentado, que por sua vez se traduz numa dificuldade em medir corretamente a produtividade. Um outro desafio está relacionado com a transição para o setor dos serviços, cujo produto é intrinsecamente difícil de medir. E há ainda um número crescente de serviços que são gratuitos (por exemplo, Google, Facebook, etc.).
Qual pode ser a resposta política? Qual o papel da Comissão Europeia?
Aumentar a produtividade é uma tarefa complexa e vai muito além da adoção de novas tecnologias. A ação política deve ser feita ao nível da União Europeia (UE) no seu conjunto e por cada um dos países. Requer políticas para assegurar um ambiente empresarial favorável, para melhorar o acesso ao financiamento, para promover o investimento privado e público em novas tecnologias, equipamento, infraestruturas, mas também em capital humano. O aumento da produtividade está em destaque entre as prioridades políticas da Comissão. No entanto, é necessário reconhecer que o progresso das reformas nos países da UE tem sido desigual.
Em Portugal a produtividade por trabalhador diminuiu apesar da recuperação económica. O que pode explicar esta evolução?
A estrutura económica de Portugal é caracterizada por setores tradicionais de baixa e média-baixa tecnologia. E as empresas portuguesas enfrentam alguns desafios para crescer. De facto, a quota das microempresas em Portugal é superior à média da UE e as pequenas e médias empresas (PME) estão atrasadas em termos de digitalização. Neste cenário, a criação de empregos tem ocorrido em setores de baixa produtividade. A produtividade do trabalho em Portugal diminuiu ligeiramente em 2016-2017 e ficou praticamente estável em 2018. O fraco desempenho deve-se em grande parte à elevada taxa de criação de emprego em setores intensivos em mão-de-obra (turismo e construção) e à ausência de acumulação de capital. Tal criação de emprego implica em grande parte trabalho de baixa e média qualificação. A produtividade melhorará gradualmente em 2019 e 2020, na expectativa de um aumento mais pequeno, porém mais amplo, do emprego.
E quanto à qualidade dos empregos criados numa era de plataformas digitais?
Um estudo recente do Joint Research Center da Comissão Europeia revelou que a percentagem de trabalhadores de plataformas (em percentagem da população adulta) em Portugal é relativamente elevada. Permita-me sublinhar a este respeito que a Comissão, o Parlamento Europeu e o Conselho chegaram a um acordo provisório sobre uma proposta de nova diretiva destinada a criar condições de trabalho mais transparentes e previsíveis, em particular para trabalhadores em empregos menos habituais, como, por exemplo, o trabalho informal através de plataformas digitais.
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