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A criação “recorde” de emprego em Portugal até ao final de junho deste ano – resultados que governo classificou como sendo “impressionantes”, “sinal de vitalidade da economia” e da “contratação” por empresas – assentou essencialmente numa subida recorde do número de funcionários públicos, o até que já era de suspeitar, tendo em conta os constantes anúncios do governo de que estava a reforçar o número de profissionais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) por causa da pandemia, por exemplo.
O discurso vitorioso do governo na semana passada (por Pedro Siza Vieira, o ministro da Economia, ou por Ana Mendes Godinho, a ministra do Trabalho), só foi possível, afinal, porque o emprego estritamente público foi o que mais contribuiu para a expansão do emprego total neste período em análise.
Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), que revelou os dados, o número total de postos de trabalho na economia portuguesa aumentou 209 mil casos, mas só o emprego público ajudou mais 49 mil profissionais entre junho de 2020 e igual mês deste ano.
Este aumento de 209 mil empregos corresponde a uma subida de 4,5% a maior destes novos registos do INE, que remontam a 2011 e 2012.
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No caso do emprego público, que na nomenclatura do INE se cinge a um subgrupo de quase 350 mil empregos na “administração pública, defesa e serviços da segurança social obrigatória” a subida também bateu máximos e foi ainda mais expressiva. De acordo com o INE, este emprego disparou quase 17% no segundo trimestre, o maior valor destes registos oficiais.
Sem empregos do governo…
De acordo com cálculos do Dinheiro Vivo, o que estes valores realmente significam é que sem a criação de empregos substancial conduzida pelo governo, emprego total tinha colapsado em Portugal. Podia ter caído quase 3%.
Ou seja, sem os referidos 350 mil empregos públicos (puros), o emprego geral não tinha subido para 4,8 milhões de pessoas, como aconteceu, mas sim sofrido uma quebra de 2,9%, para 4,5 milhões.
Mas não caiu porque o governo contratou e ainda continua a fazê-lo, até porque a pandemia, apesar de ter suavizado, não terminou.
E o efeito-governo no emprego deve ser ainda maior do que mostram estes números.
No inquérito ao emprego, o INE só classifica como emprego público na atividade “administração pública, defesa e serviços da segurança social obrigatória” os empregos associados à oferta de bens públicos puros, em que o Estado ou a Previdência não têm concorrência dos privados.
Segundo o INE, os empregos públicos puros ou em sentido estrito são em atividades “relacionadas com o exercício de poderes de soberania, autoridade e representação política do Estado (negócios estrangeiros, defesa nacional, segurança interna, justiça)”, por exemplo, onde os privados não concorrem. Onde não há mercado, por assim dizer. Os funcionários dos serviços da Segurança Social pública também aqui estão, pois não há uma Previdência universal privada.
E é por isso que a educação pública e o SNS estão classificados fora desse agregado emprego público; aqui os privados já estão presentes na exploração destes mercados, e cada vez mais. Já não são empregos em atividades que providenciam bens públicos puros.
O instituto explica que, nas contas oficiais do emprego em Portugal, depois enviadas ao Eurostat, “o conceito de Administração Pública é entendido como o conjunto de atividades de regulamentação e apoio à gestão de atividades que, pela sua natureza, não podem exercer-se numa base de mercado”.
Assim, “o estatuto jurídico ou institucional não é determinante para classificar nesta secção as unidades do tipo administrativo”.
“Há atividades, como por exemplo, ensino e saúde, que não pertencem ao âmbito desta secção, ainda que a Administração Pública as desenvolva num nível mais ou menos elevado”.
A Educação “compreende, para além do ensino a todos os níveis e formas, as atividades dos institutos e das academias militares, escolas de condução, formação profissional e de ensino artístico”, público ou privado.
Na “Saúde humana”, o INE regista os empregos nas “atividades de saúde humana (hospitalares, liberais, paramédicas, etc.), exercidas em regime de internamento ou ambulatório, com ou sem fim lucrativo”.
Ou seja, como referido, o efeito-governo no emprego terá sido ainda maior do que se vê nestes dados do INE. Só a título de exemplo, se é verdade que o emprego público em sentido estrito deu mais de 49 mil postos de trabalho no último ano (que termina em junho), o INE também mostra que, a seguir, as atividades que mais contribuíram para expandir o mercado laboral português foram justamente a Educação (mais 44 mil empregos) e a Saúde (mais 30 mil).
Aposta na saúde e na educação
Aliás, o governo tem sido prolífero a acenar com as contratações para a Saúde Pública e para as escolas.
O ministro das Finanças, João Leão, sublinha na execução orçamental até junho que “a despesa do SNS cresceu 8,8%, destacando-se o aumento muito elevado das despesas com pessoal (9,6%), em resultado sobretudo do reforço expressivo do número de profissionais de saúde em junho (+ 5,4%, +7379 trabalhadores face a junho de 2020), e em aquisição de bens e serviços (+10,1%)”.
De acordo com a Síntese Estatística do Emprego Público (SIEP), uma publicação trimestral da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), tutela do ministério da Administração Pública, o emprego público todo é, obviamente, superior ao que é classificado pelo INE. O número total de funcionários aumentou de 3,7% no segundo trimestre deste ano para 731 258 postos de trabalho.
Também aqui é o maior aumento homólogo (face ao trimestre do ano precedente) da série oficial, divulgada pelo ministério de Alexandra Leitão. Aqueles mais de 731 mil empregos são também o maior valor absoluto destes registos.
Portugal tem agora mais 25 774 funcionários públicos do que há um ano, o que reflete a política de reforço de profissionais (sobretudo na Saúde e Educação) para responder à pandemia, indica o SIEP.
De acordo com as regras de classificação do SIEP, o país ganhou 3893 empregos como educadores de infância e professores do ensino básico e secundários. Há mais 1166 médicos e mais 2802 enfermeiros do que há um ano, em junho de 2020, tinha a pandemia apenas três meses.
Portanto, o proclamado oficial de que o dinamismo no emprego está forte graças às empresas ainda é um pouco relativo nesta altura.
Quando o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, considerou que “os resultados [publicados pelo INE] são impressionantes”, remeteu a explicação deste feito para “a capacidade de criação de emprego, que é um sinal de vitalidade da economia”.
E ainda disse que “as novas empresas, empresas que crescem ou que retomam a sua atividade, são aquelas que contratam pessoas porque sabem que vão ter clientes que podem necessitar dos seus serviços”.
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