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O rastilho da falência do Silicon Valley Bank (SVB) fez incendiar a confiança dos investidores. De pé atrás diante da severa conjuntura de inflação e taxas de juro elevadas, os tubarões focados em perseguir os big deals, isto é, as grandes oportunidades de negócio, já vinham a abrandar o ritmo das apostas e a adotar medidas de proteção do capital. E agora, depois do rebuliço a que o mercado financeiro assistiu na última semana, que até deu direito ao desencadear de uma crise no Credit Suisse, estarão ainda mais despertos para o risco, sendo expectável uma desaceleração no investimento, sobretudo no que ao late stage diz respeito, antevê João Pereira, diretor de investimento da Portugal Ventures.
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As consequências diretas do colapso poderiam ser catastróficas para todas as empresas com exposição ao principal credor de startups – inclusive para cinco do portefólio da sociedade de capital de risco do Estado -, não tivesse sido a possibilidade de um impacto direto no ecossistema de empreendedorismo dissipada pela “rápida e eficiente intervenção das autoridades” norte-americanas e britânicas, aplaudida pela presidente da Investors Portugal, Lurdes Gramaxo. Ainda assim, a representante dos investidores early stage do país admite que “situações como esta geram sempre desconfiança nos mercados” e, por esse motivo, são esperados “alguns focos de instabilidade nos próximos tempos”.
No caso da Portugal Ventures, grande parte da carteira – composta, à data, por mais de 100 projetos – são empresas “muito novas e pequenas”, logo, nessa fase, “nunca teriam exposição ao SVB”, explica o diretor de investimento. No entanto, há uma percentagem (cerca de 4%) que efetivamente “sofreria, mesmo tendo sido tomadas, em último recurso, medidas de transferência de dinheiro depositado”. Isto porque, ainda que a VC do Banco Português de Fomento não tivesse conta naquele banco, seria penalizada pela derrocada dos fundos expostos, que sempre permitiram às suas investidas realizar as rondas seguintes. Na verdade, confessa João Pereira, “o impacto no ecossistema global poderia ter sido desastroso”.
Com o maior dos problemas aparentemente solucionado, restam as sequelas de um autêntico episódio de terror: uma maior desconfiança e contenção dos investidores em cada passo dado. Fonte oficial da Sword Health, o unicórnio com ascendência portuguesa dedicado ao tratamento de patologias musculoesqueléticas, não descura, em sentido idêntico, a hipótese de o desmoronamento do banco de Silicon Valley vir “a condicionar a operação e viabilidade de startups e scaleups com uma situação financeira menos robusta”.
O SVB “não era um banco comercial tradicional. Tinha linhas de crédito para startups, o que é pouco comum globalmente”, começa por explicar o responsável da sociedade de capital de risco, alertando em seguida: “Se este produto [denominado venture debt] desaparecer ou não tiver a pujança que teve no passado, as empresas poderão enfrentar dificuldades no acesso ao financiamento”. Especialmente para as startups que estão em períodos intermédios, esta obtenção “relativamente simples” de dinheiro, além de estar associada à valorização do próprio negócio, permite também chegar às próximas rondas – e “isto não se consegue em todos os bancos”, enfatiza João Pereira.
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Eis que entra a pergunta que não quer calar. Causará o possível sumiço daquelas linhas de crédito uma maior procura pelo capital de risco? “Se acontecer, as necessidades terão de ser supridas. Se seremos nós ou outros operadores de mercado, a seu tempo será visto. Mas se uma empresa minha necessitasse de investimento e, em termos de sindicato estivéssemos de acordo, isso significaria que, havendo liquidez por parte de todos, corresponderíamos”, comenta o diretor da VC estatal. Quanto à capacidade de resposta – e subentenda-se aqui a capitalização dos fundos – “há disponibilidade para ir buscar mais liquidez”, se o “o apetite dos investidores que permitem a execução dos mandatos” não for altamente afetado.
Neste momento, a principal preocupação dos investidores é se as empresas que têm liquidez a estão a gerir tendo em conta não só os riscos naturais do negócio, mas também da própria gestão do dinheiro. “Normalmente, este não é um tópico muito relevante para uma startup, que se concentra na luta pela sobrevivência e não na quantia que tem no banco e se tal instituição pode falhar”, atenta o mesmo responsável. A partir de agora, o trabalho será feito no sentido de “influenciar as empresas a corrigir a falta de foco nesse problema”. Ainda que defenda que o setor tecnológico, startups, empreendedores e investidores estão habituados a lidar com a volatilidade e a incerteza – e que os mesmos vêm a demonstrar “resiliência na resolução das adversidades com que se confrontam” – , Lurdes Gramaxo acredita ser fundamental nesta altura “conservar o capital, diversificar o risco e planear com muita antecedência”.
Também João Pereira reitera que a gestão do dinheiro não pode ser feita de uma forma distraída e que um minimizar do risco passará por “escolher os bancos certos e diversificar os depósitos”, não concentrando numa só instituição, assim como “ter uma parte do capital à ordem e outra aplicada a prazo”. O amanhã é incerto e exige uma maior cautela na gestão das próprias rondas, significando isto que, “se angariar 100 milhões de euros hoje, não os poderei gastar de forma incalculada”. E se antes uma ronda era fechada a pensar nos 18 meses seguintes, “agora será feita de olho nos próximos 24 ou mais”.
Facto é que as previsões apontam para um agravar do abrandamento que já vinha a ser sentido nos últimos tempos, esperando-se agora que o ecossistema ponha um travão na estrada da ambição, investindo e contratando menos, para que seja possível “defender o dinheiro mais tempo”. Desta turbulência, terão mais probabilidade de se escapar as “boas startups, com bons modelos de negócio e equipas bem preparadas”, acredita a presidente da Investors Portugal.
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