A dependência do financiamento externo é uma espécie de cavalo de Troia que ameaça deixar a economia turca de rastos e provocar problemas nos bancos europeus expostos a essa economia. As autoridades de Ancara estão a ser incapazes de conter a sangria no valor da sua moeda, o que deixa o país à beira de um resgate do FMI.
As cinco instituições financeiras com maior exposição ao mercado turco têm sofrido em bolsa descidas de 10% desde o início do mês. BBVA, Unicredit, ING, BNP Paribas e HSBC perdem mais de 28 mil milhões de euros de valor de mercado em agosto. O índice bolsista dos bancos mais representativos do Velho Continente leva já desvalorização de 14% desde o início do ano.
O BCE está preocupado. Até porque a maior parte dos analistas avisa que a crise está longe de ficar resolvida. Os bancos portugueses não têm presença naquela economia. O BCP chegou a ter um banco naquele mercado. Acabaria por sair da Turquia em 2012.
Apesar da preocupação sobre os danos colaterais que a banca europeia poderá sofrer com a crise turca, para já os especialistas descartam que exista contágio para outros bancos europeus. “Nesta fase, não vemos razão para contágio a outros bancos com exposições significativas a mercados emergentes, como o Santander ou o Standard Chartered”, dizem os analistas do Commerzbank.
Ainda assim, os economistas da consultora IHS Markit realçam que “o setor bancário é um dos canais de transmissão para que os problemas na Turquia se espalhem de forma mais alargada para a Europa”. E apontam a Espanha como o elo mais fraco, com os bancos do país vizinho a assegurar 30% da exposição de instituições internacionais ao mercado que é o centro dos receios dos investidores. Já os bancos britânicos e os gregos têm reduzido a presença no país.
Além do contágio por via do sistema financeiro, a crise turca é ainda uma má notícia para os países que exportam para esse mercado. Com a lira a valer cada vez menos fica mais difícil escoar produtos. “Existem outros mecanismos de transmissão, incluindo a exposição comercial”, explica a IHS Markit. Bulgária, Grécia e Rússia podem ser os mais prejudicados. Destinam mais de 5% das exportações para a Turquia. Já as empresas portuguesas têm uma menor dependência. Ainda assim exportaram quase 370 milhões de euros no primeiro semestre do ano. A Turquia valeu cerca de 1,1% das exportações portuguesas.
Uma crise anunciada e sem fim à vista
A crise turca veio arrasar com a tranquilidade dos mercados no verão. Os receios aumentaram depois de na semana passada a lira ter chegado a perder 17% apenas num dia. Isto depois de Donald Trump ter dado o golpe de misericórdia nos ativos turcos ao anunciar um aumento das tarifas sobre os produtos vindos desse país. Mas os problemas nesta economia emergente já eram conhecidos.
“Não é apenas uma consequência da disputa com os EUA. Demonstra também a vulnerabilidade económica da Turquia”, considera Hans-Jörg Naumer. O responsável da Allianz Global Investors explica as sementes da crise: “Apesar de ter vivido um período de crescimento rápido nos últimos anos, essa melhoria foi conseguida com consideráveis estímulos orçamentais e monetários.” O lema de crescer o mais depressa possível teve um preço: criou “grandes desequilíbrios, uma maior dívida externa, dependência de moedas externas, grandes défices de conta-corrente e inflação excessiva”.
E agora que a economia descarrilou vai ser difícil voltar a pô-la nos eixos. Até porque as medidas tomadas por Ancara são vistas pelos analistas como aspirinas que não resolvem o problema e que até o podem piorar no médio prazo.
A solução seria um pedido de ajuda ao FMI. “Estaríamos muito mais confortáveis se houvesse sinais de que a Turquia pudesse assegurar um pacote de ajuda externa”, defende a consultora CreditSights. A Turquia tem-se virado para outros aliados, como o Qatar, que prometem investimento. Mas isso poderá não ser suficiente para acalmar os mercados. E como nunca se sabe como as crises acabam e o grau de contágio que têm, a Allianz Global Investors recomenda aos clientes que tenham cautela com outras economias emergentes que se dão mal com o dólar forte.
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