//Cristina Casalinho: “Portugal tem uma almofada robusta para o Brexit”

Cristina Casalinho: “Portugal tem uma almofada robusta para o Brexit”

Qual é o tipo e a nacionalidade dos investidores que mais procuram a dívida portuguesa nesta fase?

É bastante variado. O que pensamos não é tanto nesses termos mas naquelas classes que estavam sub-representadas e agora estão a melhorar a sua representatividade. Nesse aspecto o que vemos é que os países do centro da Europa, que são mais dominados por seguradoras e fundos de pensões com exigências mais elevadas a nível de qualidade creditícia, é que o seu nível de envolvimento tem vindo a aumentar. Falamos de Alemanha, Áustria e França. A nível de asiáticos, eles são muito exigentes a nível da qualidade creditícia dos investimentos que fazem e vemos progressos, não muito assinaláveis. Mas há uma alteração de sentimento digna de nota.

Portugal nunca pagou tão pouco por dívida a 10 anos como este fevereiro, cerca de 1,5% para um empréstimo de cerca de 700 milhões de euros. O Estado e a economia portuguesa estão a aproveitar este contexto de juros baixos para se preparar para uma próxima crise ou para condições monetárias mais difíceis?

No caso estrito da dívida pública portuguesa, na medida em que é de montante elevado (cerca de 245 mil milhões de euros) e de termos um perfil de reembolsos que ainda é exigente sobretudo em 2021 e 2024, a preocupação é aproveitar este período de taxas de juro mais baixas para estender a maturidade o mais longo possível e ter um perfil de reembolsos mais alisado e bem distribuído temporalmente. No caso do IGCP pode dizer-se que sim, temos estado a aproveitar esse momento. Não é só o facto dos 10 anos, mas neste momento se o Estado Português quisesse financiar a 30 anos, a maturidade mais longa que tem emitida, conseguiríamos emitir a uma taxa que é inferior ao custo médio do stock.

Qual é o custo médio do stock?

2,8%. Se emitíssemos a 30 anos estaríamos a emitir próximo dos 2,75%, 3% na pior das hipóteses. Temos uma maturidade média de cerca de 7,8 anos portanto conseguiríamos hoje emitir a 30 anos, compara com os tais 8 anos, sem custo acrescido. O facto de estendermos 22 anos não implicaria um aumento do custo médio.

Vídeo. Portugal pode emitir a 30 anos com juro abaixo de 3%

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Apesar de Portugal ter as taxas de mercado em mínimos históricos, o IGCP mantém uma generosa almofada financeira. O valor dessa rede de segurança foi revisto em alta já este ano, de 7,9 mil milhões para 9,3 mil milhões. Faz sentido manter uma almofada financeira tão alta?

O objetivo é no sentido de ao longo dos anos vir a ser reduzida. O aumento da almofada de liquidez hoje em dia tem contornos um pouco diferentes do passado. Até há pouco tempo o que se verificava é que a almofada de liquidez resultava exclusivamente de pré-financiamento. Hoje não é exatamente o caso. A almofada de liquidez que existe hoje decorre sobretudo do sucesso que o Estado Português tem vindo a ter no sentido da centralização dos excedentes de tesouraria das várias entidades públicas no IGCP.

Pode clarificar?

Durante muitos anos as várias entidades públicas tinham a possibilidade de depositar fora do IGCP, nos bancos, e esse valor não era refletido na liquidez existente no IGCP. A partir do momento em que passou a ser obrigatório as entidades públicas depositarem junto do IGCP, a almofada de liquidez decorre não apenas do financiamento que é feito mas também dos depósitos que o IGCP recebe de entidades públicas. Isso significa que aquele dinheiro não está totalmente disponível para reembolsar dívida. Parte dele terá de estar afeto às necessidades de pagamento dos depositantes. Estamos a fazer um esforço de identificação dos padrões de utilização desses fundos para ver qual o seu nível de estabilidade para conseguirmos, a partir daí, identificar quais os montantes disponíveis.

Identificar o que é de facto uma reserva utilizável?

Exatamente

Qual é o custo desta opção em termos de fatura de juros e da própria perceção sobre o endividamento do Estado?

A construção hoje em dia da almofada é diferente. Isso é um primeiro ponto. O segundo ponto é que dificilmente a almofada não existirá. Pode questionar se o valor é adequado ou não. O que verificamos é que com o tempo e com a melhoria do rating português faz sentido reequacionar os montantes. A nossa sensibilidade é que eles vão ser reduzidos ao longo do tempo, com a ressalva de que vamos ver como é o padrão de estabilidade dos depósitos de que o IGCP beneficia. Outro aspeto é que as almofadas de liquidez com a crise tornaram-se um fator intrínseco da gestão de dívida. Hoje em dia não há nenhuma agência de dívida a nível internacional, sobretudo no mundo desenvolvido, que não considere a necessidade de ter uma almofada. Por exemplo os EUA tinham uma almofada de liquidez de uma semana, hoje têm para cerca de um mês. Tem a ver com o encerramento do estado e de nesses momentos terem capacidade de continuarem a poder fazer pagamentos. A almofada deles corresponde ao PIB português.

Para quanto tempo dá a almofada portuguesa?

Um bocadinho mais de seis meses. Depende do momento em que avaliamos porque depois do pagamento de junho ela baixa para menos de metade.

Vídeo. Almofada financeira vai diminuir

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Tendo em conta que este ano há eleições e que os investidores tendem a classificar os atos eleitorais como eventos de risco tem notado algum tipo de nervosismo? Isso é um fator que possa ter levado a aumentar a almofada financeira?

A almofada não aumentou por isso, na realidade tem vindo a aumentar porque tivemos surpresas no final do ano relativamente aos depósitos de que o IGCP beneficiou… O que se passa é o seguinte: o programa de financiamento é definido no início do ano e a capacidade de previsão em relação à execução orçamental ou a estes depósitos só tem alguma visibilidade mais próxima do final do ano numa altura em que programa de financiamento já está muito avançado. Portanto a capacidade de ajustamento já está bastante limitada. Se pensarmos que cumprimos mais de 60% do programa até junho e que temos de continuar a manter emissões com regularidade o resto do ano, a capacidade de ajustamento é relativamente limitada. Há preocupação com essa gestão, essa gestão é feita regularmente. O objetivo é ter um cash buffer mais baixo ao longo do tempo.

Por exemplo o Brexit não entra nas contas da gestão da dívida pública com o aumento de financiamento para melhorar essa almofada financeira?

No caso português não achamos que fosse necessário. A almofada nestes meses é suficientemente robusta para não haver necessidade de uma aceleração do pré-financiamento.

Mas se não fosse suficientemente robusta havia necessidade aumentar por causa do Brexit?

Havia. Vimos o que aconteceu com alguns soberanos europeus em que a execução dos programas de financiamento foi acelerada. O caso mais notável é o belga que normalmente faz duas emissões grandes espaçadas e fez duas emissões grandes no mesmo mês, o que é um facto inédito. Há países que aceleraram, não foi o nosso caso.

Um eventual hard Brexit implicaria problemas nos mercados ou os investidores já acomodaram essa ameaça?

Não se sabe. O que está previsto é que as emissões estejam asseguradas. No universo de bancos que são os nossos distribuidores de dívida, dos 18 que Portugal tem apenas seis serão afetados pelo Brexit. Todos eles têm planos de contingência, entidades licenciadas no espaço europeu, portanto todos eles asseguraram capacidade de proporcionar serviços.

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