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Foi inédito. A presidência portuguesa da União Europeia conseguiu ontem que parceiros sociais, representantes da sociedade civil e altos responsáveis das instituições comunitárias assinassem um documento que vai hoje ser avaliado pelos líderes europeus na cimeira informal do Conselho. É neste encontro que poderá ser dado o passo necessário para que as metas assumidas pela Comissão Europeia no Plano de Ação dos Direitos Sociais apresentado em março avancem.
No documento rubricado ao final da tarde na Alfândega do Porto, os signatários desafiam os líderes europeus “a manterem as medidas de emergência durante o tempo necessário”, tendo em conta o impacto da pandemia na economia”, mas também encontrar uma forma de criar “novos empregos de qualidade”. E chamam a atenção para a necessidade de olhar para as “atividades, comunidades e populações mais afetadas pela crise da covid-19 e as consequências a curto, médio e longo-prazo.”
Mas pedem mais. Que sejam mobilizados todos os recursos, incluindo financiamento e reformas, “para sair da crise económica e social, para reforçar a resiliência da Europa a crises futuras e reforçar a competitividade da economia europeia, com base no crescimento sustentável e inclusivo, no trabalho digno e na justiça social”.
No documento de seis páginas, as questões laborais ocupam um espaço significativo, com os signatários a pedirem medidas que “melhorem o funcionamento dos mercados de trabalho que contribuam para um crescimento económico sustentável, competitividade internacional, promovam condições de trabalho decentes e salário justo para todos”, mas sem referir a proposta da Comissão Europeia para melhorar o nível de salários mínimos na UE
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Igualdade de género fica
No documento que ainda terá de ser subscrito pelos Estados-membros, a referência à igualdade de género manteve-se, apesar dos protestos da Hungria e da Polónia. Ao longo do dia de ontem tinham surgido notícias da oposição destes dois países à inclusão da frase no rascunho do documento, mas a versão final manteve a referência. “Promover a igualdade entre homens e mulheres, nomeadamente através da eliminação do fosso salarial entre homens e mulheres e garantir o direito à igualdade salarial por trabalho de igual valor” é a frase que consta do documento.
Mas claro que só hoje os 24 líderes europeus (Alemanha, Países Baixos e Malta não compareceram presencialmente) vão avaliar o documento, podendo subscrever as conclusões, as metas até 2030 e a forma de as atingir.
Desde já fica clara a exigência dos signatários para que a avaliação da execução das metas de 2030 seja feita de forma regular e “ao mais alto nível político”, lembrando que “os recursos extraordinários disponibilizados para apoiar a recuperação da Europa são uma oportunidade que não pode perder-se.”
Menos ambição
O compromisso é o de concretizar três grandes metas do Plano de Ação europeu para melhorar direitos sociais, no qual o objetivo de redução de pobreza é o que mais tem recebido críticas. Bruxelas conta tirar 15 milhões de europeus da pobreza – destes, cinco milhões de crianças – quando há uma década, na estratégia Europa 2020, o objetivo era tirar 20 milhões de pessoas da pobreza. Se as metas de 2010 previam um corte na pobreza em 25%, agora, a ideia é fazer descer o número de europeus pobres em apenas 16%. Em 2019, havia 92,4 milhões de pobres na UE – uma em cada cinco pessoas.
Mas, dois anos depois, há uma pandemia pelo meio, com efeitos que ainda se desenrolam e que deverão agravar os indicadores de pobreza e de desigualdade. Num estudo do Bruegel, um think-tank europeu, o economista húngaro Zsolt Darvas estima que, apesar de as respostas dos governos europeus à pandemia terem travado a queda do emprego, não terão atenuado o aprofundar de desigualdades na distribuição de rendimento. Estas serão maiores, fruto da recessão de 2020, do que em crises anteriores.
Pressão insuficiente
Outro economista húngaro e antigo responsável pelo Emprego na Comissão Barroso, László Andor, encontra incongruências na conjugação das metas. Afinal, os 27 propõem-se dar um impulso maior ao emprego do que à redução de pobreza, o que põe em dúvida a capacidade de reduzir o número daqueles que trabalham e, recebendo um salário, continuam pobres (um em cada dez trabalhadores europeus). “Há o risco de que os objetivos de emprego elevado sem objetivos de pobreza suficientemente elevados estejam à altura dos primeiros coloquem pressão insuficiente nos governos para resolverem de forma eficaz o problema”, escreveu na Vox, publicação do Centro para a Investigação de Políticas Económicas.
A primeira grande meta do Plano de Ação é a de aumentar a taxa de emprego do bloco, de 72,5% para 78%, tendo como referencia a população entre os 20 e os 64 anos. Para lá chegar, o plano prevê reduzir a percentagem dos chamados jovens nem-nem, que não trabalham nem estudam ou estão em formação, e que há dois anos representavam um décimo dos que têm entre 15 e 24 anos nos 27.
A percentagem de nem-nem deverá também ter subido com a pandemia, já que têm sido entre trabalhadores destas idades, onde prevalece a contratação a termo, que o emprego mais tem caído na atual crise. No caso português, por exemplo, as medidas extraordinárias à manutenção do emprego privilegiaram a salvaguarda de postos de trabalho permanentes, onde estão sobretudo os trabalhadores mais velhos. Outro dos caminhos para aumentar a taxa de emprego passa por aumentar a participação das mulheres no mercado de trabalho. Mas, na pandemia, houve mais mulheres a perder emprego, a enfrentar reduções salariais e a verem-se afastadas do local de trabalho.
As qualificações são o terceiro grande objetivo. Até 2030, o plano é ter 60% dos adultos em formação anualmente. Esta percentagem era de apenas 37% em 2016, e é sobretudo mais baixa entre quem tem menores qualificações (apenas 18%). O objetivo vai exigir reformas na formação profissional e contínua, onde Portugal tem dos piores resultados do grupo.
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