Cerca de três quartos das famílias enfrentam, todos os meses, dificuldades financeiras. Há mesmo agregados familiares – cerca de 8 por cento – em situação crítica: têm dificuldade em pagar despesas essenciais como habitação, transportes, alimentação ou saúde.
A conclusão é do barómetro anual da DECO. Neste Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, a associação lança um “Roteiro para Sobreviver à Crise”. Trata-se de um conjunto com 18 medidas que podem ajudar a resolver grande parte dos problemas que dão origem às queixas que recebe diariamente.
O coordenador do Departamento Jurídico e Económico da DECO, Paulo Fonseca, diz à Renascença que o primeiro fator que levou à criação deste roteiro foi, antes de mais, a alteração do perfil do consumidor.
Se, no passado, a associação recebia queixas de situações isoladas sobre a qualidade de um determinado serviço, como, por exemplo, quando se não conseguia aceder ao serviço de interne ou não se obtinha o reembolso de um pagamento, agora, a maioria das reclamações centra-se em seis áreas específicas: alimentação, habitação, energia, comunicações, água e resíduos e mobilidade.
Paulo Fonseca diz que na maior parte dos casos trata-se de situações cumulativas, ou seja, o consumidor não tem apenas uma queixa, mas sim um agregado de situações que lhe provocam transtornos. Outro alteração de padrão: se antes era possível identificar os grupos suscetíveis de apoio social, a vulnerabilidade está surge hoje associada a todos os consumidores.
A organização de defesa dos consumidores argumenta que o Governo de António Costa tem responsabilidade pelo atual cenário de atropelos dos direitos dos consumidores. “Há um ano, a DECO enviou uma carta ao Governo a exigir regulamentação da reduflação, a criação de um Observatório dos Preços e fiscalização das práticas das empresas. Passou um ano e só hoje se discutem as medidas”, aponta Paulo Fonseca.
O roteiro da DECO prevê, entre outros pontos, a constituição de um Observatório dos Preços que fiscalize a evolução dos preços dos bens, bem como das práticas comerciais, a criação de legislação que reforce a transparência em casos de reduflação e que seja reforçada a oferta de produtos de marcas brancas que permitam fazer um cabaz essencial.
A habitação é outra das áreas que nos últimos tempos tem estado no centro das preocupações dos consumidores e nesse plano a DECO defende a criação de programas inclusivos para arrendamento e compra de casa, acompanhados de incentivos fiscais, financeiros e sociais, mas com menos burocracia e medidas simples que apoiem o desempenho energético.
Paulo Fonseca está convencido de que as medidas que têm sido avançadas pelo Executivo pecam por insuficientes, por serem reativas, que não antecipam os problemas, “Espera-se demasiado tempo por Bruxelas, ficamos sem tempo para reagir às necessidades do consumidor”, critica.
O “Roteiro para sobreviver à Crise” pretende ainda harmonizar os vários setores. A DECO considera que não faz sentido, por exemplo, que a tarifa social na eletricidade e no gás se baseiem em princípios diferentes e que “na água, muitos não tenham tarifa social” pelo facto de os critérios variarem de município para município. Uma das propostas é, assim, a aplicação obrigatória da tarifa social por todas as entidades gestoras e em todas as vertentes: abastecimento, saneamento e resíduos.
Paulo Fonseca aponta ainda outro problema recorrente, que é o das exceções: “As medidas trazem tantas exceções que dificilmente se aplicam.”
O jurista da DECO diz que os consumidores não apresentam, muitas vezes, reclamações por considerarem “que não há nada a fazer”, quando a verdade é que “há muito a fazer, não só pelo Governo, mas também por parte das entidades reguladoras”.
O roteiro foi enviado aos grupos parlamentares como repto para uma maior dedicação “ao trabalho de defesa dos direitos que está cansado, frouxo e sempre dependente de terceiros”.
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