//Deco quer apoios do Green Deal a pagar fim do gás de botija

Deco quer apoios do Green Deal a pagar fim do gás de botija

A Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor quer que o fim do gás de petróleo liquefeito (GPL), o chamado gás de botija, em Portugal seja subsidiado por “fundos, existentes ou a criar”, no âmbito do Green Deal europeu. Em causa estão 2,6 milhões de famílias que ainda dependem deste combustível fóssil para cozinhar e para o aquecimento de águas sanitárias e que a Deco pretende que possam ser apoiadas na sua transição para a eletrificação, designadamente com recurso a painéis solares e outras soluções técnicas “mais eficientes e mais amigas do ambiente”. A associação estima que este plano custe 2,6 mil milhões de euros e defende a sua planificação a uma década.

“O gás de botija terá de ser eliminado da nossa sociedade, de uma forma ou de outra, no âmbito da transição energética que o país pretende fazer. O desafio que lançamos é que se planifique a sua substituição no espaço de uma década, eletrificando os lares destas famílias com recurso a soluções técnicas que são muito mais eficientes e que encaixam perfeitamente no âmbito do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050”, defende Vítor Machado, responsável da Deco Proteste e representante dos consumidores no conselho tarifário da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).

Este responsável reconhece que os montantes envolvidos são uma “dificuldade” a ultrapassar, mas dá o exemplo da megaoperação de substituição do gás de cidade em Lisboa pelo gás natural, no final da década de 90, realizada com o apoio de fundos estruturais. “Neste caso poderia haver um balanço muito interessante de subsidiação desta operação por fundos comunitários, existentes ou a criar no âmbito do Green Deal, mas, também com o contributo dos operadores energéticos, que poderão ter interesse em participar neste esforço, sabendo que estão a criar mercado adicional para a energia elétrica”, defende Vítor Machado.

A outra dificuldade a ultrapassar é a cadeia de valor associada a este mercado, que move 200 mil garrafas de gás por dia, vendidas por 50 mil postos de venda em todo o país. Isto sem falar nos instaladores e reparadores de esquentadores e todos os outros operadores associados a esta fonte energética. “Gente que será afetada por esta transição e que é um custo que terá de ser assumido, por isso é que defendemos que seja programado”, argumenta a associação de defesa do consumidor.

Além da questão ambiental, há a poupança para as famílias. O gás de botija é usado por dois terços dos agregados familiares, que pagam uma fatura mensal que é, grosso modo, o dobro do que seria com o gás natural, uma “desproporção notável e fraturante da nossa sociedade”, diz Vítor Machado. Por outro lado, há toda a questão do transporte, do armazenamento, da instalação das botijas, uma forma “pre-histórica” de distribuição energética, que causa “problemas sérios de segurança”, ao nível do arejamento e do acondicionamento. E já para não falar dos cerca de 300 gramas em média que ficam em cada garrafa de gás butano (13 kgs) por usar, quando se troca de garrafa, o que significa, estima a Deco, que, todos os anos, os consumidores devolvem, em média, 16 milhões de euros em gás que não conseguem consumir totalmente. Uma questão de difícil resolução, assume Vítor Machado, para quem “já nem vale a pena olhar para o problema do fundo da garrafa, é preciso mesmo olhar para a garrafa toda”, fazendo uma reflexão séria. “Este é um mercado que está condenado a morrer, só queremos que tenha uma morte decente, assistida”, defende.

E, claro, depois há a questão dos preços e da falta de concorrência.”Os preços do gás de botija, em Portugal, estão harmonizados, para não utilizar uma palavra feia. Diferem, no máximo, um euro, o que não é propriamente uma concorrência agressiva ou com um grau de intensidade tal que leve a uma guerra de preços. É um negócio com margens verdadeiramente atípicas num mercado tão maduro, que ronda os 50 ou 60%, o que e uma perfeita anormalidade”, sustenta, considerando que se trata “mais de um oligopólio do que propriamente um mercado verdadeiramente concorrencial”.

O reconhecimento de que as margens aplicadas pelos comercializadores eram excessivas levou o governo, em abril, a estabelecer preços máximos durante o estado de emergência. Mas, com o fim do mesmo, o preço do gás de botija regressou aos valores anteriormente praticados, na ordem dos 26 euros, embora haja quem chegue a cobrar quase 29 euros, quando, garante a Deco, este valor deveria situar-se abaixo dos 20 euros, atendendo a que os preços do gás na origem caíram para metade desde o início do ano. Em Espanha, onde este produto custa cerca de metade do que custa em Portugal, o governo decretou o congelamento dos preços de venda ao consumidor até setembro. Em Portugal, a fixação de um preço máximo “vigorou durante 15 dias”, e muitos foram os operadores que procuraram contornar a questão cobrando mais pelo transporte. E é por isso que a Deco pretende, agora, uma solução “mais disruptiva”. Se no imediato, a extensão do regime de preços máximos é bem vista pela associação, já a longo prazo é reclamada uma solução “mais disruptiva”. “Já se viu que este mercado não vai lá com regulação nem com concorrência, é preciso que se acabe com o mal pela raiz e se promova a eletrificação dos consumos atualmente assegurados por este combustível fóssil”, sublinha Vítor Machado.

E também aqui as poupanças para o consumidor seriam significativas. Quem tem um esquentador gasta, em média, 150 euros por ano em gás de botija, com um painel solar gastaria 35 euros, com uma bomba de calor gastaria 57 euros ao ano. Até o tradicional cilindro, apesar de muito pouco eficiente, custa menos: são 115 euros/ano. Cozinhar a gás custa, igualmente, 150 euros ao ano, que compara com 100 euros de uma placa de indução e um forno elétrico. Se só tiver placa a gás, gasta em média, anualmente, 115 euros para cozinhar, com uma placa de indução elétrica gastaria 80 euros.

O problema são os 2,6 mil milhões de euros necessários para esta transição. “Claro que não há nenhum Orçamento de Estado que o comporte, mas, por isso, defendemos que o plano seja feito numa década, e com o apoio de fundos comunitários e das próprias empresas. É um caminho perfeitamente exequível”, acredita Vítor Machado.

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