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No mês em que a procura pelos Certificados de Aforro (CA) afundou 70%, os depósitos de particulares aumentaram 1,2 mil milhões de euros. Segundo os dados divulgados ontem pelo Banco de Portugal (BdP), no final de junho, as famílias portuguesas tinham 174,9 mil milhões guardados nos cofres dos bancos portugueses, um valor que, embora represente uma quebra homóloga de 3%, traduz uma subida de 0,7% face a maio.
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Não obstante a distância em relação aos níveis do ano passado, esta foi a primeira subida observada em 2023, após cinco meses sangrentos para o setor no que toca às poupanças das famílias: as perdas acumuladas até maio cifraram-se em 8,7 mil milhões de euros. Isto significa que os ganhos de junho estão longe de compensar as saídas registadas desde janeiro – na verdade, apenas cobrem 14% do valor.
A remuneração mais competitiva daqueles títulos de dívida pública, em relação a outras opções de poupança, foi uma das principais motivações para o desfalque nos depósitos. Ora, esta inversão acontece precisamente numa altura em que o governo decidiu descontinuar a série E dos Certificados de Aforro (que pagava um juro máximo de 3,5%, mais prémios de permanência de até 1%) e lançar uma nova série menos atrativa, com um teto de 2,5% e uma maturidade mais longa.
Os bancos voltaram a ganhar terreno e Filipe Garcia, presidente da Informação de Mercados Financeiros (IMF), está convicto de que, apesar de existirem “vários fatores em concorrência”, foram as “alterações das condições [dos CA] e a má publicidade que foi dada” ao novo produto que afastaram os aforradores. Por outro lado, também o aumento da retribuição dos depósitos terá motivado a aposta das famílias, defende o economista João Duque.
Apesar de a taxa diretora do Banco Central Europeu (BCE) ter entrado em terreno positivo em setembro de 2022, foi apenas em abril deste ano que a taxa de juro dos novos depósitos até um ano atingiu o patamar dos 1%. Em maio, enquanto na área do euro o juro médio batia os 2,46%, em Portugal fixava-se nos 1,18%.
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É um facto que os juros nos depósitos estão a subir – mas muito lentamente. Segundo o especialista da IMF, a razão é simples: porque os bancos “não querem e não precisam”, uma vez que a procura por crédito tem desacelerado e as instituições financeiras têm ainda liquidez em excesso. Certo é que, com a taxa overnight [taxa de juro usada pelos grandes bancos para remunerar empréstimos interbancários de curto prazo, feitos à noite] a 3,40% e a Euribor ainda a subir, a banca poderia pagar mais”, garante.
Considerando que a atividade creditícia tem um papel de agente de mudança na remuneração dos depósitos, não se antecipam grandes subidas. As últimas estatísticas do supervisor, também apresentadas ontem, revelam que a carteira de crédito à habitação continua a encolher.
Em junho, e pelo sexto mês consecutivo, o montante total de empréstimos para compra de casa decresceu 69 milhões de euros, totalizando os 99,5 mil milhões. Desde janeiro, já se contam menos 848,7 milhões de euros no stock – e a concessão deste tipo de crédito deverá continuar a abrandar nos próximos tempos, segundo uma análise do BdP.
“Se os bancos sentirem necessidade de capital, vão aumentar os depósitos. Se continuarem confortáveis, não vão acelerar as subidas”, reitera João Duque. As instituições financeiras, confirma, estão a aproveitar esta “era dourada” para recuperar dos estragos dos últimos 15 anos. E o atraso no reforço dos juros pagos sobre as poupanças das famílias está diretamente relacionado com isso.
Nuno Mello, analista da XTB, recorda ainda que, em 2019, o BCE começou a emprestar dinheiro aos bancos comerciais com condições bastante favoráveis. Estes empréstimos, conhecidos por TLTRO, eram concedidos a uma taxa de juro negativa de 0,5%.
O que está a acontecer atualmente, explica, é que, “com a subida da taxa diretora, os bancos estão a depositar esses empréstimos junto do banco central e a arrecadar os juros, resultando em lucros chorudos, ao mesmo tempo em que remuneram os depósitos dos clientes a um nível muito inferior”.
Ainda assim, a expectativa é de que “as taxas convirjam para o que se passa no resto da zona euro, sobretudo à medida que o BCE for retirando liquidez do sistema”, indica Filipe Garcia. No entanto, ressalva, “da mesma forma que a Euribor já não tem muito espaço para subir, também vejo pouca probabilidade de vermos as taxas de depósito médias subirem muito mais acima dos 3%”.
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