//Derrocada em Borba, dois anos depois. Empresário dos mármores fala em “situações incompreensíveis”

Derrocada em Borba, dois anos depois. Empresário dos mármores fala em “situações incompreensíveis”

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A antiga Nacional 255 que serve a Magratex, entre muitas outras empresas da zona dos mármores, continua cortada ao trânsito. Foi assim no ano passado, é assim este ano. Nada mudou e as empresas tiveram de adaptar-se às novas circunstâncias, mantendo a esperança de que, um dia, a estrada possa vir a ser reaberta.

Essa é, também, a expectativa de Thomas Kleba, o CEO da Magratex, fundada em 1962, atualmente com 51 trabalhadores e uma carteira de clientes em mais de 50 países.

A empresa, que tem sede em Cascais, dedica-se à extração de blocos de mármore nas suas duas pedreiras, uma em Estremoz e outra em Vila Viçosa, com uma capacidade total anual de 10.500 toneladas. Já a transformação é feita na própria fábrica, instalada em Borba, desde 1982.

O empresário de origem alemã, em entrevista à Renascença, fala num “efeito devastador” para a economia e populações dos dois concelhos vizinhos e na dificuldade em cumprir todas as imposições legais que advieram da derrocada.

A nova lei das pedreiras, em consulta pública até há pouco tempo, e a equiparação dos trabalhadores das pedreiras aos mineiros para efeitos de reforma são outras medidas que suscitam “perplexidade” em Thomas Kleba.


Como descreve o atual momento do setor dos mármores, em particular na região alentejana?

Primeiro, parece-me importante dividir o setor em dois grupos: os mármores e calcários, e a indústria dos granitos, sobre a qual não tenho uma opinião muito fundamentada, tendo em conta que esta industria está mais concentrada no Norte do país.

Quanto aos mármores e calcários, eu diria que, quer as empresas extrativas, quer as empresas transformadoras na zona Centro do país, nomeadamente na Batalha, Leiria, Alcobaça ou Santarém, estão em franca expansão. Têm, a meu ver, muito trabalho e uma atividade bastante dinâmica.

Aqui, na zona dos mármores, nos últimos anos têm encerrado algumas pedreiras. Inicialmente, nós tínhamos cerca de 150 pedreiras ativas e, hoje em dia, são cerca de 50, tendo sobrevivido apenas as que têm mais qualidade e com custos de produção mais interessantes.

Em termos gerais, penso que o setor, depois de ter passado por um período crítico que começou com o Brexit, passou pela restrição temporária de não poder vender para o mercado da Arábia Saudita, que é a “alma” transformadora aqui da zona do anticlinório, passando pela paragem de pelo menos meio ano, devido à Covid.

Parece-me que o futuro, agora, é promissor. É evidente que não é o que era há 20 ou 30 anos, mas posso dizer que, no nosso caso, estamos até com a ideia de aumentar os nossos quadros e temos trabalho para o próximo ano.

Dois anos da derrocada em Borba. “Nunca mais vamos esquecer esse dia”

Tendo em conta que o mercado europeu, sobretudo Espanha e Itália, deixou de ter expressão, que alternativas existem? Quais são os vossos principais mercados?

Efetivamente, houve uma grande quebra dos chamados mercados tradicionais, como Espanha e Itália. O mercado espanhol, por exemplo, era um mercado importantíssimo para a nossa indústria e hoje em dia é insignificante. O mesmo em relação ao mercado italiano que, também, diminuiu bastante a procura, mas, felizmente, que o mundo é grande e existem sempre alternativas.

Uma vez, dei-me ao cuidado de somar todos os destinos com quem trabalhamos e contei 53. Obviamente, não são destinos regulares. Neste momento, os principais mercados para onde vendemos, são os Estados Unidos e a Inglaterra. Vendemos, também, alguma coisa para a Alemanha e até para a Itália, apesar da diminuição significativa.

Depois, temos uma posição bastante forte no Médio Oriente, com realce para a Arábia Saudita e o Qatar, e, pontualmente, para a zona do Pacífico, desde Hong Kong à China, Singapura, Malásia e Japão, mas isso tem vindo a decrescer com a concorrência, cada vez mais forte, do mercado chinês.

Há dois anos, a derrocada que dividiu a estrada ao meio, além das mortes e do choque que provocou, alterou por completo a vida das populações e dos empresários do setor dos mármores?

Sim, a derrocada da estrada que liga Borba a Vila Viçosa, para além de ser um acidente gravíssimo em que morreram pessoas, teve como consequência, para nós, que vivemos aqui todos os dias, um efeito devastador.

Temos duas localidades com laços muito próximos, têm uma atividade económica, cultural e social muito ligadas, há pessoas da mesma família que vivem nos dois concelhos, e o que aconteceu à estrada causou grandes transtornos para todos.

Também trouxe grandes problemas para o comércio local, que já não tem a mesma dinâmica de antigamente. Para nós, empresa Magratex, teve como consequência direta, que todo o negócio do interessado que passa pela estrada, entra para consultar e que vem com interesse para comprar alguma coisa, deixou de existir, colocando-nos num beco sem saída.

Quer dizer que houve grandes alterações e a necessidade de a empresa se adaptar?

Claro que houve alterações. Isto é sempre a mesma coisa. Quando a criança cai dentro do poço, depois tenta-se tapar o poço, não é? Foi o que aconteceu aqui. Foram impostas muitas normas e regulamentos que foram seguidos pela indústria, com custos significativos, mas continuamos todos a trabalhar e agora adaptados às novas regras.

Existe alguma necessidade de justificar a atividade com a parte burocrática, seguir toda uma nomenclatura que é necessária para ir ao encontro das exigências legais, mas são imposições e temos que as seguir, embora seja um grande peso para as empresas.

Mas sobre a estrada, importante para a vossa atividade, nada de novo?

Continua tudo na mesma. Ninguém fala na estrada e, aparentemente, não há uma solução o que é lastimável, não é?

E o que defendem os empresários?

Eu acho que é unânime. A estrada tem de ser reaberta e reconstruída a parte da derrocada para voltar tudo ao normal, sem a necessidade de haver contornos. Se hoje quiser ir para Vila Viçosa, tem que fazer uma volta, quase três vezes a distância se fosse direto pela estrada que caiu.

Só para lhe dar uma ideia, aqui na fábrica, dois terços dos nossos quadros são de Vila Viçosa e tinham o hábito de ir almoçar a casa. Hoje em dia, ninguém vai para casa, toda a gente traz a sua marmita, come no refeitório, deixa de ver a família e deixa de ter o contato com os filhos durante a hora de almoço. São tudo consequências da derrocada da estrada.

E por falar na derrocada, dois anos depois, ainda se lembra desse momento?

Lembro-me perfeitamente, pois tinha passado no sítio dez minutos antes, para ir a Vila Viçosa ver uns blocos de mármore. Quando estava de regresso, telefonaram-se a dizer para não tomar a mesma estrada, para dar a volta pela variante, pois tinha havido uma derrocada. Nem me apercebi, mas cheguei aqui, devo ter sido uns dos primeiros a chegar ao local, e o que vi foi dramático.

Alguma vez pensou que pudesse acontecer um acidente desta gravidade? Sente que existe receio por parte das pessoas que trabalham quer na sua empresa, quer nas outras, nesta área?

Posso dizer-lhe que, por parte dos meus funcionários e de outros que conheço, não há receio nenhum. As pedreiras estão todas estáveis e seguras. O que aconteceu nesta estrada foi, de facto, uma coisa inacreditável. Eu, ainda por cima, sou geólogo de formação e tenho algum conhecimento nessa área. Havia, efetivamente, uma falha que estava cartografada, corria por baixo da estrada e que era do conhecimento público, mas nada foi feito para consolidar o que, supostamente, estava instável.

Hoje em dia, nós nas nossas pedreiras e os nossos colegas nas deles têm os taludes consolidados, não há perigo de derrocada e se houver uma falha, ela está grampada, está pregada e segura. Creio que era uma coisa que devia ter sido feita aqui, não é? Mas, digo-lhe honestamente, perante aquilo que se via, nunca pensaria que isto podia ter acontecido.

E agora que estão dois anos passados desta tragédia, o que mais lamenta não ter sido feito até agora?

Nem sei o que lhe responder. Acho que têm que ser criadas, por parte da tutela, condições para se poder trabalhar e, a partir daí, cada um tem que se coser com as linhas que tem, não é? Não podemos andar a bater à porta de alguma entidade a pedir que resolva os nossos problemas. Os problemas das nossas empresas, somos nós que temos de resolver, pois temos obrigações com os nossos funcionários, fornecedores e clientes. Agora, o enquadramento é que tem que ser o enquadramento possível e, sobretudo, viável. Acontece que, muitas vezes, existem imposições legais que são extremamente difíceis de cumprir.

Já que falou em imposições legais, pouco tempo depois do acidente, o Governo aprovou um plano de intervenção nas pedreiras para executar até 2021, com medidas, nomeadamente em termos de sinalização para “evitar ou, pelo menos, reduzir o nível de criticidade detetada”. A vossa empresa foi abrangida?

Fomos nós e foram todos abrangidos. Criaram-se aqui situações incompreensíveis e caricatas, sobretudo em duas estradas que saem de Vila Viçosa, uma em direção a Bencatel e outra em direção a Pardais.

Durante, talvez, um ano, foi instalado um semáforo para impedir o trânsito, para que este se fizesse só numa faixa. Isto, porque alguém pensou que aquela faixa onde podem andar as viaturas está estável e a outra é perigosa.

No caso de Borba, não foi só uma faixa, foi uma estrada. Portanto, para dizer que estas normas são criadas por alguém iluminado e não fazem sentido e, neste caso, tivemos toda uma população a viver mais de um ano com o trânsito condicionado. E para quê? Nada se alterou, ficou tudo na mesma, os semáforos saíram e a única coisa que lá se mantém são uns sinais e uma barreira de plástico para estreitar a zona de passagem, o que ainda por cima é perigoso.

São todas estas coisas que não entendo e causam-me alguma perplexidade. A mesma coisa para as pedreiras que foram, depois, classificadas de acordo com o grau de risco. Nós, por exemplo, fomos afetados, pois temos uma pedreira, licenciada, com tudo em ordem e legal, e alguém achou que uma pedreira com mais de 80 metros é uma pedreira perigosa. Não percebo o motivo dos 80 metros e não 70 ou 90, ou 100 ou 50. Portanto, alguém decide os 80 metros, e se tiver uma pedreira com 80 metros de profundidade, cai dentro desse crivo.

Consequentemente, é preciso fazer uma data de papeladas, vedações e outras normas de segurança com muita sinalização. Para mim, quem decide isto devia ser responsável pelas consequências.

As imagens da estrada que ruiu em Borba

Parece-lhe que todas essas novas regras surgiram para mostrar ao país, na altura, que estava a ser feito alguma coisa?

Não sei. Acho que isso advém de uma pressão hierárquica que vem de cima para baixo e depois existe um “coitadinho” que tem de fazer qualquer coisa, não é? Para mim, isso é completamente ineficiente. O mais caricato, repito, é essa situação dos semáforos. Como é eu posso dizer que uma estrada está instável e autorizo a circulação numa das vias? Se está instável, então não pode haver trânsito. Ainda por cima, tiraram os semáforos e ficou tudo na mesma, apenas colocaram lá uma daquelas vedações que se utilizam para segurar o gado, o que é caricato.

No final de agosto, terminou a consulta pública do decreto-lei para regulamentar a atividade das pedreiras, que prevê mais restrições ambientais e um melhor controlo do setor. Uma proposta que, de resto, a Assimagra, a associação que representa a indústria portuguesa dos recursos minerais, já contestou. Na sua opinião, esta nova lei vai trazer alguma mais-valia para o setor?

Olhe, mais-valia não traz de certeza. Traz mais trabalho, mais burocracia, mais custos, e não vejo que alguém possa ter mais benefícios com a nova lei das pedreiras.

O facto de a Assimagra se ter prontificado liderar este processo, pessoalmente acho muito bem, tendo em conta que, nós, sozinhos não temos capacidade para tratar todos os processos burocráticos que são necessários para levar qualquer iniciativa a bom fim. Como sócios da Assimagra, além da nossa contribuição anual, prontificámo-nos a pagar também uma verba mensal para um grupo de trabalho que vai ficar responsável pelos contactos com as entidades que estão a liderar esta nova lei das pedreiras.

Neste tempo que passou, desde o acidente até aos dias de hoje, sentiu que “os holofotes” direcionados para esta zona dos mármores, acabaram por prejudicar a vossa atividade?

A única coisa que critico foi a vinda de alguns políticos, que nunca cá tinham estado e acharam oportuno vir ver o que tinha acontecido. Depois, acabaram por influenciar algumas decisões que, para o setor, foram catastróficas. Por exemplo, houve conversas entre políticos e alguns trabalhadores, que levaram a tomar a decisão de que o trabalho nas pedreiras é um trabalho altamente esforçado, acabando por compará-lo diretamente com o trabalho dos mineiros.

Está a falar do diploma aprovado pelo Governo que elimina o fator de sustentabilidade para as profissões dos regimes especiais no acesso à pensão e que abrange profissões de desgaste rápido como os mineiros ou os trabalhadores de pedreiras?

Sim. Repare, um trabalhador de todo o setor à volta das pedreiras – não é só a parte extrativa, mas também a parte transformadora e até a administrativa – cai dentro desse pacote, em que os trabalhadores podem requerer uma reforma antecipada, sem penalização, com pelo menos 30 anos de trabalho e pelo menos 50 anos de vida.

A consequência disto é que muitas unidades já tiveram de fechar, pois ficaram sem mão-de-obra de um dia para o outro. Hoje impõe-se e entra em prática amanhã. Não há nenhum período de transição e, amanhã, de repente, tem seis empregados numa pedreira, todos com mais de 50 anos de idade e 30 de trabalho, e vão para a reforma.

Com 50 anos, quase toda a gente está apta para exercer qualquer tipo de função, não é? Isso, claro que causou um problema gravíssimo ao setor. Eu conheço vários colegas que tiveram problemas logo de início, pois, estas pessoas não se substituem de um dia para o outro. Há todo um período de aprendizagem. Mas é claro que estas pessoas não deixam de aproveitar este presente que lhes foi posto em cima da mesa.

Eu até podia aceitar que isso acontecesse para um trabalhador que esteja numa pedreira de risco, se é que ainda existe esse risco. Mas qual é que é o risco de uma fábrica? Qual é o risco de um administrativo de uma fábrica ou de uma pedreira que não está ligado à produção? Isto não faz sentido nenhum.


A derrocada em Borba aconteceu no dia 19 de novembro de 2018. Morreram cinco pessoas e a estrada continua encerrada.

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