É em contexto de pandemia que se assinala, pela primeira vez, o dia instituído pelas Nações Unidas de Consciencialização para o Desperdício Alimentar. O desemprego e a perda de rendimentos são das faces mais preocupantes dos tempos que vivemos e que, para muitas famílias, passaram a ser tempos de carência alimentar.
Em Portugal, todos os anos, cada pessoa deita uma média de 100 quilos de alimentos para o lixo – alimentos que, muitas vezes, estão em perfeitas condições para consumo.
Mas, face à crescente realidade de fome e pobreza (sem contar com a necessidade de cuidar dos recursos), algumas cadeias de supermercado e estabelecimentos de restauração decidiram assumir um papel contra o desperdício.
A Renascença acompanhou um desses momentos. Pela porta dos fundos da loja Pingo Doce da Avenida da República, em Gaia, passavam os produtos alimentares em fim de vida nas prateleiras das lojas.
São vítimas da sua própria imagem. Frutas e legumes menos apresentáveis para consumidores exigentes, pacotes de arroz e massa danificados, caixas de cereais rasgadas, garrafões de água sem rótulo e que, por isso, não podem ser vendidos.
Mas o que conta mesmo é o interior. E esse está intacto.
Em meia hora, a Cruz Vermelha chega, carrega uma carrinha e segue viagem.
“Hoje foram 100 quilos“, diz Jorge Rodrigues, diretor adjunto de operações da cadeia Pingo Doce para o Norte do país, enquanto exibe a guia dos produtos doados.
É assim todos os dias e há sempre uma instituição que vem recolher aquilo que os consumidores rejeitam, mas ainda tem lugar no prato de quem mais necessita.
“Normalmente, os produtos mais doados são o pão, os iogurtes, charcutaria e as frutas. Por exemplo, uma maçã dentro de um saco que não esteja em tão bom estado, o saco é retirado da loja e é doado na totalidade”, diz.
Desta vez, foi a vez da Cruz Vermelha vir à loja buscar produtos doados. Ana Marques trabalha na instituição há 20 anos e, desde o início da pandemia, integra as equipas que recolhem as doações alimentares de espaços de restauração e grandes superfícies.
Ana reconhece que “o manuseamento de alimentos em tempo de pandemia segue regras muito mais apertadas”.
Carregar caixas pesadas é um trabalho físico difícil, “principalmente quando temos de ter sempre a máscara colocada, quando temos de entregar os alimentos seguindo as regras de distanciamento, quando temos de desinfetar as mãos com muita frequência”.
Segue-se a etapa da verificação dos produtos quando chegam ao destino. E quando a mercadoria é entregue no destino, há uma dupla verificação “para ver se todos os produtos estão dentro dos sacos e se não estão amassados”.
Pandemia aumentou 20 vezes os pedidos de ajuda
Antes da Covid-19, a delegação da Cruz Vermelha de Vila Nova de Gaia apoiava entre 30 e 40 famílias, mas a crise sanitária trouxe desemprego e perda de rendimentos.
E o problema não é um exclusivo das classes mais desfavorecidas. Em declarações à Renascença, António Santos Machado, que dirige o núcleo da Cruz Vermelha de Gaia, explica que, em abril e maio, os pedidos de ajuda “dispararam para as 600 famílias” e “mais de metade delas tinha situações económicas e familiares estabilizadas” antes.
A outra preocupação da Cruz Vermelha é a fome crescente na população sem-abrigo.
António Santos Machado recorda que, “no estado de emergência, com a restauração fechada e com as pessoas confinadas em casa, havia pessoas sem abrigo nos seus cantos a passar fome”.
Feito o levantamento, a Cruz Vermelha registou um crescimento assinalável de pessoas nessa situação, “sobretudo no centro da cidade”, e surgiu a ideia de apoiar os sem-abrigo “com uma refeição reforçada feita, em muitas situações, com matéria prima doada por grandes superfícies comerciais”.
Uma ajuda que ainda hoje se mantém.
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