O dinheiro do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) está a chegar a conta-gotas às pequenas empresas portuguesas. O Governo já distribuiu milhões de euros pela economia, mas está a passar ao lado dos pequenos empresários, que não conseguem aceder aos programas.
Segundo o último balanço, até 22 de fevereiro, os beneficiários do PRR receberam 1.505 milhões de euros, 9% do total, e a execução mantém-se nos 17%.
As entidades públicas são quem recebeu a maior fatia (502 milhões de euros), seguidas das empresas públicas (290 milhões de euros) e das escolas (215 milhões de euros). Só depois surgem as empresas (173 milhões de euros) e as famílias (130 milhões de euros).
As pequenas e médias empresas (PME) representavam 99% do tecido empresarial português, segundo dados de 2020 do Instituto Nacional de Estatística (INE). Destas, 96% eram micro-empresa.
No fim da lista estão as autarquias e áreas metropolitanas, o ensino superior, a economia solidária e social e as instituições do sistema científico e tecnológico.
Estes dados já permitem confirmar que a prioridade é o setor público. “Para as empresas, espremido, há muito poucachinha coisa”, diz à Renascença Bárbara Albuquerque, da Associação de Consultores de Investimento e Inovação de Portugal (Aconsultiip).
A realidade mostra que o financiamento está a ser canalizado para consórcios de grandes empresas, laboratórios, universidades e entidades públicas. Por exemplo, “há vários avisos para apoio ao emprego, mas o beneficiário é o centro de emprego”, explica Bárbara Albuquerque.
Pequenos empresários travados por critérios inacessíveis
Portugal tem 16,6 mil milhões, em subvenções e empréstimos, para gastar até 2026. É o maior montante que já recebeu e já está todo destinado.
O dinheiro está distribuído por três eixos essenciais: resiliência, transição climática e transição digital. Os pequenos empresários têm interesse em qualquer uma destas áreas, mas, entre querer e chegar lá, percebem agora que há uma distância cada vez maior.
Para as empresas, espremido, há muito poucachinha coisa
Desde o Portugal2020 que as empresas procuram apoios à digitalização, para “passarem as vendas para o online, fazerem uma nova página na internet, informatizarem a facturação”, explica Bárbara Albuquerque.
O concurso abriu, “mas em forma de consórcio, as empresas têm todas que se alinhar, são os chamados bairros digitais”. Apresentam uma proposta e logo veem se são financiadas, o problema é que “isto tem custos, sem garantias nenhumas” e estas empresas não “andam a trabalhar em conjunto”, acrescenta.
A tão falada descarbonização é outro exemplo. Há apoios, mas dirigem-se a comunidades de autoconsumo renovável, um concurso que já foi republicado três vezes.
O concurso vazio que acabou redesenhado
No início do ano passado, abriram candidaturas para a descarbonização das empresas, um concurso que acabou vazio.
As pequenas e microempresas estavam, sobretudo, interessadas em painéis solares, mas “obrigavam as empresas a fazer investimentos relevantes, necessários ou não necessários” para os poder instalar, explica Bárbara Albuquerque.
Obrigavam ainda a “uma avaliação prévia, como se fosse um certificado energético, o orçamento do Instituto Português da Qualidade era de cinco mil euros, e era uma despesa não elegível”, diz a consultora de investimento.
“Muitos dos meus clientes até estavam disponíveis para fazer outros investimentos”, admite, mas acabaram por ficar “de pé atrás”, face ao investimento exigido à cabeça, sem qualquer garantia de financiamento.
Menos de um ano depois, o mesmo concurso foi reaberto, já com a possibilidade de serem entregues candidaturas sem condições prévias, à medida dos pequenos negócios, para um financiamento até 200 mil euros.
É o “mesmo aviso, exatamente com o mesmo texto, que se subdivide”. Tem uma modalidade que repete as condições anteriores e surge agora a modalidade B, “que permite sejam colocados painéis solares, sem qualquer contrapartida”, acrescenta Bárbara Albuquerque.
Mas este apoio não se esgota nos painéis solares, pode ser gasto em qualquer medida de eficiência energética, como troca de empilhadores a gás por elétricos, substituição da iluminação ou outras.
Demoras, atrasos e burocracias
Se nos negócios tempo é dinheiro, quando as empresas concorrem a fundos finitos, esta frase ganha um peso ainda maior. Por isso se acumulam as queixas sobre o tempo que as autoridades demoram a responder e a decidir durante as candidaturas. Até porque “a ordem de chegada é crucial”, lembra Bárbara Albuquerque.
Os empresários exasperam ainda com a frequência com que são “chutados” entre serviços, enquanto aguardam por uma resposta ou decisão. “Temos vários telefonemas, vários emails a dizer: ‘após conversa com a Sra Joana, passou para a Rita, que passou para a Teresa, que passou para não sei quem e aguardamos resposta’. E andamos nisto”, denuncia Bárbara Albuquerque.
Esta especialista lamenta, ainda, que “as pessoas para as dúvidas estejam disponíveis só à terça-feira, das 5h00 às 6h00, ou à quinta-feira, por exemplo”. Ou que digam que “esta pergunta nunca ninguém me fez, tenho que perguntar e depois demorem três e quatro semanas a responder!”
Bruxelas não avalia financiamento às PME
As verbas do PRR são para gastar em objetivos específicos, amplamente divulgados, que se dividem por eixos prioritários, balizados por marcos e metas.
São estes marcos e metas que vão ser avaliados pelo executivo comunitário, não o programa específico em que foi aplicado o dinheiro.
Questionada pela Renascença, fonte da Comissão Europeia confirma que há uma estimativa sobre o impacto nas pequenas e médias empresas de cada verba atribuída aos seis pilares definidos.
Por exemplo, no pilar do crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, “está estimado que o apoio às PME tenha um contributo de 31%”.
No entanto, o que Bruxelas vai avaliar são as 141 metas e os 41 marcos previstos para este pilar em concreto, não se estes 31% foram executados.
Segundo o regulamento do PRR, apenas a concretização dos marcos e metas é decisiva para a aprovação do próximo pagamento a Portugal, cujo pedido tem de ser feito até ao final de março. É ainda importante para fechar a renegociação do PRR, que está em curso entre o Governo e o executivo comunitário.
Governo admite falhas e promete mudanças
No último relatório, a Comissão Nacional de Acompanhamento do Plano de Recuperação e Resiliência (CNA-PRR) alertou para a necessidade de se acelerarem as decisões e prazos, porque pode estar em causa “o cumprimento de alguns marcos e metas”. O presidente, Pedro Dominguinhos, avisou que a avaliação das candidaturas não pode demorar 300 dias e que há já dois programas em risco.
Na resposta às queixas dos beneficiários e ao relatório da CNA-PRR, o Governo reconhece que há situações a melhorar, como os atrasos, e já apresentou soluções.
Entre as medidas está o regime especial de contratação pública, que simplifica procedimentos quando há fundos europeus; o regime excecional para o aumento dos custos dos contratos; o alargamento da modalidade de conceção-construção; o regime especial de expropriação; o regime facilitador de execução orçamental; a reforma e simplificação dos licenciamentos ambientais; ou o reforço de pessoal em vários organismos públicos.
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