//Do Alentejo para o mundo. Máscaras de oxigénio e capacetes de voo já conquistam os céus

Do Alentejo para o mundo. Máscaras de oxigénio e capacetes de voo já conquistam os céus

Quando, em 2010, a Dyn’Aéro Ibérica, instalada no Aeródromo Municipal de Ponte de Sor, entrou em processo de falência, Rita Velez era uma das colaboradoras dessa empresa aeronáutica francesa de produção de aviões ultraleves.

Inconformada com o desfecho da fábrica, que chegou a ter 80 funcionários, Rita decidiu meter mãos à obra e aproveitar todo o “know how” adquirido nesta industria específica para se lançar num novo projeto.

É então que conhece Richard Françoise, ex-piloto de caça na Força Aérea Francesa e diretor executivo da Ulmer Aéronautique, um grupo francês com várias décadas de existência e provas dadas na área da aeronáutica.

“Criamos, assim, a U-Aerospace em abril de 2017 e começámos a laborar em setembro desse ano, em Ponte de Sor, com a ajuda fundamental da Câmara Municipal, que nos cedeu as instalações, uma vez que em Paris, na casa-mãe, havia alguns problemas, quer de expansão do negócio, quer para contratar novas pessoas”, revela à Renascença a atual diretora financeira da empresa.

Nesta mudança, a empresária fez-se acompanhar de outros colaboradores “de confiança” da Dyn’Aéro Ibérica, entre os quais, o engenheiro aeronáutico João Barbosa, hoje diretor técnico da U-Aerospace e que esteve em Paris durante quatro meses, para aprender tudo sobre os componentes que agora são fabricados em Portugal.

“A Ulmer tem mais de 80 anos em França e, numa determinada altura, começou a fazer máscaras de oxigénio para pilotos tipicamente militares, de aviões mais pequenos que não são pressurizados, e também para paraquedistas de altitude”, contextualiza.

É desta unidade fabril do Alentejo, a U-Aerospace, que já estão a sair, por ano, entre três a quatro mil máscaras de oxigénio para pilotos de aviões supersónicos, posteriormente montadas em França, onde são feitos, também, os testes de certificação.

“O mais fácil é feito em França, mas é aqui que fazemos todos os subcomponentes que compõe a máscara, nomeadamente o cordão de comunicação, aquilo que se chama a máscara, com o microfone; a parte de silicone que encosta à cara, a concha que é a parte rígida da mascara que depois encaixa ao capacete; as válvulas de inspiração e expiração, assim como a traqueia que é o tubo que transporta o oxigénio”, explica João Barbosa.

Sem ter bem a noção por onde andam estas máscaras com carimbo português, o responsável sabe que “voam um pouco por todo o mundo”, nomeadamente em países como a “India, o Paquistão ou o Qatar”.

“Para dar uma perspetiva, costumamos apresentar como exemplo um dos aviões mais conhecidos, onde as máscaras da Ulmer voam, que é o caça francês Rafale, que custa mais de 80 milhões de euros”, refere, a título de curiosidade.

Curioso é também o facto de serem produzidas em Portugal, mas não voarem por cá. “Sabe, em termos militares, Portugal consome muito os produtos americanos, mas pode ser que isso venha a mudar”, admite, “de qualquer forma, seria apenas uma questão de representação, pois em termos de mercado não é significativo.”

Além dos milhares de máscaras de oxigénio para pilotos, a U-Aerospace produz, também, para os seus clientes, “bancos de ensaio” para testar o produto, evitando que este regresse à fábrica.

Muito trabalho e boas perspetivas

“O nosso volume de negócio ronda quase um milhão e meio de euros, o que em três anos é muito bom”, assegura Rita Velez, destacando “os dois últimos anos” como sendo “muito fortes comercialmente”.

“Nós passámos de 12 funcionários para 21, num ano e meio. É bom, mas não é fácil”, desabafa a diretora financeira.

Com o mês de abril no início e o desconfinamento em curso, os dirigentes da U-Aerospace acreditam que 2021 vai ser mais um bom ano para esta indústria.

“A minha expectativa é que a empresa continue a crescer, até porque temos encomendas até início de 2022. Se conseguirmos controlar as infeções como até agora, vai continuar a correr tudo bem”, acredita a responsável.

Convicção partilhada por João Barbosa, a poucas semanas de se iniciar a produção de mais uma encomenda de máscaras. “Queremos que seja um ano para consolidar a nossa visão de negócio e entrarmos em velocidade de cruzeiro, sem perdermos o brio e a qualidade que caracteriza o nosso trabalho, pois somos uma empresa que está no topo mundial”, adianta.

“Além do mais, precisamos ter mais tempo para nos dedicarmos ao novo projeto de produção de capacetes de voo, num complemento às máscaras de oxigénio”, revela o engenheiro aeronáutico.

Se tudo acontecer como previsto, até ao início de 2022, mais uma vez com o apoio do município, Ponte de Sor deverá acolher as novas instalações da empresa LD Helmet, também do grupo francês Ulmer que, por enquanto, apenas existe no papel, criando, pelo menos, 30 novos postos de trabalho.

A aposta num capacete novo

A inexistência de instalações não impediu, no entanto, esta equipa de trabalhar no projeto, nos últimos meses, “quer no seu desenvolvimento, quer na compra de patentes, para trazer a indústria para Portugal”, confirma Rita Velez, que fala num investimento que ultrapassa “o milhão e meio de euros, só em maquinaria”.

O capacete aeronáutico, que está a ser fabricado na Suíça e na Itália enquanto a fábrica portuguesa não estiver operacional, é o primeiro “totalmente novo em mais de 30 anos” e têm tido “um feedback muito positivo por parte dos pilotos, ao nível do conforto e da insonorização”, adianta João Barbosa.

“No caso de capacetes para pilotos de caça, há também a particularidade de ter um peso mais leve, e menos 150 a 200 gramas, numa manobra de 7g ou 8g, faz muita diferença”, destaca, “além da importância do lado estético, pois podem ser todos em carbono, sempre muito apelativo, ou, noutros casos, personalizados.”

Em Portugal, 20 destes novos capacetes já estão a voar no Serviço de Helicópteros de Emergência Médica, do INEM. “É um bonito capacete amarelo”, reconhece.

Equipa jovem, motivada e da região

Desde outubro do ano passado que Neuza Algarvio labora na empresa U-Aerospace. “Adoro trabalhar aqui”, conta-nos a funcionária de 32 anos, que trabalha em costura, fixando os arneses à concha, um dos subcomponentes fabricados em Ponte de Sor.

Do outro lado do pavilhão, Carolina Ferreira está de volta da cabelagem, material que manuseia há ano e meio, desde que chegou à empresa. “Faço cabelagem, cordões de comunicação, o que requer grande responsabilidade e muito cuidado”, explica-nos a jovem de 23 anos.

Com mais um ano de idade, 24, Andreia Rodrigues faz o controlo daquela que é considerada a peça mais importante de uma máscara: a válvula de expiração (soupape expiration). “Faço a regulação e testes pneumáticos finais, nomeadamente ao nível das perdas de carga, caudais e estanquidades”, esclarece a jovem.

É assim, de mesa em mesa, a cada um dos funcionários, uma determinada função. Todas meticulosas e de grande responsabilidade ou não estivessem em causa vidas humanas.

Da Universidade da Beira Interior, na Covilhã, a U-Aerospace trouxe dois dos quatro engenheiros mais jovens, escolha que é justificada por João Barbosa com o facto das engenharias aeronáutica e eletromecânica, lecionadas nesta instituição de ensino superior, terem uma forte componente prática. “Aqui, todos metem as mãos na massa”, garante o responsável.

Atualmente, são 21 funcionários e todos receberam formação da própria empresa. A aposta nos mais jovens é uma forma de combater o desemprego na região, mas também tem a ver com “uma filosofia industrial” que já existe em Ponte de Sor, e da qual os mais novos são herdeiros.

“A nossa aposta foi nos jovens do interior, mas que gostam de cá viver”, sublinha Rita Velez, garantindo, por outro lado, não ter sentido “muita dificuldade em contratar mão-de-obra especializada”.

Além da formação, acrescenta João Barbosa, é requerida “uma grande apetência para trabalhos técnicos manuais, pois o nível de exigência de execução é muito grande”. A titulo de exemplo, prossegue o engenheiro, “um dos componentes das máscaras, é o cordão de comunicação, e para o fazer, levamos cerca de três semanas a um mês, a preparar uma pessoa até que fique autónoma”.

De animal abandonado, Milú passou a mascote antisstress

Foi numa segunda-feira, depois de um domingo de caça. O diretor técnico da U-Aerospace circulava na estrada em direção a Abrantes. “Vejo uma criatura, aparentemente bem-disposta, a caminhar à beira da estrada e parei para evitar que fosse atropelada, chamei-a e veio logo ter comigo”, conta-nos.

Acabou por colocar a cadela no carro e depressa ficou rendido à simpatia do animal abandonado em plena via publica. “Pensei logo no que é que iria fazer, pois não tenho vida para ter cão, mas engracei com ela e decidi arranjar-lhe um dono”.

Até isso acontecer, João Barbosa deu-lhe o nome de Milú e levou-a para casa. Mais tarde, em conversa com Richard Françoise, foi-lhe proposto que ficasse com a cadela e a levasse para a empresa, passando a ser a sua mascote.

“Assim foi, e ela é hoje um elemento fortíssimo da nossa equipa”, diz-nos. “Quando chegamos de manhã, vai logo cumprimentar toda a gente e já não sabemos estar sem a sua presença constante. Traz-nos um ambiente familiar”.

O engenheiro aeronáutico não tem dúvidas quanto aos efeitos benéficos da Milú na equipa. “É um elemento poderosíssimo, antisstress. Por vezes estamos a trabalhar com muita pressão, ela parece que adivinha, vai ter connosco, faz-se uma festinha e mudamos completamente o registo.”

“Nós costumamos dizer que foi o Universo que meteu a Milú no caminho do João”, remata, a sorrir, Rita Velez.

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