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Fernando Medina tem razões para sorrir. “O fecho do ano sem recessão, sem queda da economia, significa que teremos mais capacidade para podermos cumprir os objetivos relativamente ao ano de 2023”, afirmou o ministro das Finanças, depois de conhecidos os números do INE, revelando que o PIB de 2022 teve o maior crescimento dos últimos 35 anos, um dos doze do euro já conhecidos que mais crescem (depois da Irlanda). E as razões para alegrar Medina não se ficam pela confirmação do crescimento de 6,7% no último ano – em dezembro, o governo revira já em alta os 6,5 previstos no Orçamento do Estado (OE), apontando um valor um ponto acima daquele com que fecha o ano. Também as perspetivas dos nossos principais parceiros de negócios desfazem as estimativas mais negras. Mesmo com o PIB da União Europeia a estagnar, conforme revelou ontem o Eurostat, a Zona Euro ainda progrediu 0,1% no quarto trimestre, livrando-se da recessão iminente e trazendo notícias particularmente boas para Portugal, com Madrid a crescer ao mesmo ritmo que Lisboa e Berlim a conseguir evitar a recessão (a economia alemã surpreendeu ao ser capaz de crescer 1,9% em 2022), apesar da quebra de 0,2% na reta final do ano.
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Estando dois dos motores da nossa economia a trabalhar, Portugal pode gozar um certo alívio, que vai além do crescimento histórico e do recuo na inflação pelo terceiro mês consecutivo: num país altamente dependente de fora e a precisar de reforçar exportações, a saúde dos parceiros europeus é garantia de melhoria neste novo ano. Sobretudo se ao retrato juntarmos a trajetória de redução da dívida e do défice que Medina tem prosseguido, as contas certas que já mereceram elogios da Moody”s, conforme o Dinheiro Vivo escreveu há dias, e renovada confiança na performance da economia.
“A estabilidade da taxa de juro da República é muito importante”, reconhece ao Dinheiro Vivo o fiscalista e antigo governante Carlos Lobo. “Significa que a política europeia do BCE funciona e que os mercados acreditam no país e no esforço orçamental que está a ser feito.” Há ainda a inflação, que pelo terceiro mês consecutivo se amacia, fixando-se em janeiro nos 8,3%, o que poderá trazer algum alívio às carteiras, mas sobretudo à tesouraria das empresas, à boleia dos preços da energia que começam a abrandar. A desaceleração da inflação e o crescimento registado em 2022 contam mais, diz o antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, com esse “controlo das contas públicas a servir de proteção contra turbulências futuras”.
Vendo a floresta, portanto, as notícias são boas. O que traz um otimismo cauteloso ao discurso de economistas e empresários neste novo ano. “É o retrato de um país que se vai aguentando, comprovando a trajetória da economia portuguesa nos últimos anos”, reflete ainda o fiscalista, apontando o turismo como grande suporte desta evolução. “Sendo periféricos e distantes da guerra na Ucrânia, tiramos mais benefícios”, explica o antigo secretário de Estado, lembrando que essa condição também tem ajudado a atividade industrial.
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João Duque secunda o peso do turismo na economia, no último ano, e junta o panorama mundial à equação que permitiu o bom resultado português – entre a Alemanha a resistir à crise, graças à poupança energética e reforço de stocks, mas também com nova tranquilidade trazida pelo investimento de biliões dos Estados Unidos na reconversão energética. “Por outro lado, a Europa não entrou em recessão – mais boas notícias – e a China reviu as políticas covid, desbloqueando consumo e encomendas.” Tudo isto joga também no alívio à inflação e gera confiança, que ajuda Portugal. “E o turismo pode até ter uma melhor performance do que se antecipa, empurrando-nos com mais força em 2023”, remata Duque.
“Já fui mais pessimista em relação a 2023”, confessa também ao Dinheiro Vivo António Saraiva, identificando “sinais de que os piores receios não se concretizarão”. O presidente da CIP justifica-se com os “indícios de melhoria na Europa e uma renovada dinamização de motores como Espanha e Alemanha”. E mesmo na taxa de desemprego, que tem vindo a subir ligeiramente – 6,7% na estimativa rápida do INE, também ontem conhecida, uma subida de 0,2 pontos relativamente a novembro -, não vê mais do que efeitos de alguma sazonalidade. “O que os empresários têm sinalizado é antes a falta de mão-de-obra.” Um problema apontado também pelo economista e pelo fiscalista, justificado pelos baixos salários mas também pela questão demográfica e ineficácia na promoção de políticas de imigração à medida das necessidades do país.
Contas certas valem muito, investimento é urgente
O país florescente porém, perde brilho conforme nos aproximamos das árvores. “Confirma-se o bom ano de 2022”, admite João Duque, separando porém o “espetacular desempenho” da economia no primeiro trimestre do visível abrandamento que se seguiu. “Desde março, trimestre após trimestre a economia tem revelado tendência de estabilização, com a variação relativamente ao período anterior a ser cada vez menor. Estamos a aterrar”, vinca o economista, apontando a falta de investimento e o sucessivo atraso nas grandes infraestruturas – com aeroporto de Lisboa e ferrovia à cabeça – como maiores razões de preocupação.
“Espanha tem quatro gigafactories contratualizadas (fábrica de baterias para veículos elétricos, incluindo Volkswagen e Envision); Portugal não vai ter nenhuma, porque ninguém vai apostar aqui sem ter condições infraestruturais para escoar o produto final para o mundo”, resume.
O mesmo alerta é deixado por António Saraiva, que lembra a urgência de o governo começar a lançar no terreno o investimento, nomeadamente o que resta ainda do PT 2020, o bolo do novo programa plurianual e o Plano de Recuperação e Resiliência, cujo horizonte de execução é já 2026. “Tem havido desfoque destes objetivos com a agitação interna a que temos assistido no governo e com os processos a alongarem-se demasiado nas estruturas públicas. E o resultado está à vista na baixíssima execução do PRR”, lamenta o representante dos empresários, sublinhando que apenas 160 milhões, de 1,6 mil milhões, chegaram até agora à economia. “É urgente lançar estes programas no terreno e dar às empresas esse caminho mais expedito.”
Carlos Lobo concorda: é preciso promover um clima amigo do investimento. E acrescenta. “Podíamos ter um desempenho muito melhor da economia se fôssemos mais rápidos na decisão e tivéssemos muito menos amarras burocráticas na atividade económica.” São os eternamente discutidos e nunca resolvidos custos de contexto, que fazem fugir aqui os investidores e os seus projetos. Mas também os profissionais. “Estamos a deixar sair o nosso melhor ativo, as pessoas”, lamenta João Duque, apontando sobretudo a uma mão-de-obra qualificada e com mais-valia, que persegue condições de trabalho que a economia nacional não consegue oferecer. “Ou emigram ou ficam fisicamente mas só cá deixam o IVA, porque desistem de aqui ter sede fiscal e laboral.”
A questão salarial: portugueses não sentem melhorias
Essa fuga do país cor-de-rosa justifica-se: a maioria dos portugueses não sente viver no país das maravilhas que o crescimento histórico e as contas certas retratam. A inflação agudizou um problema antigo “e o governo não pode ir a todas”, resume Carlos Lobo, lembrando que a escalada de preços que tem roubado poder de compra tem fatores externos, sobre os quais Portugal nada pode, e efeitos que vão além dos preços do supermercado.
“Temos problemas no Serviço Nacional de Saúde, na Educação, na Justiça. E só conseguimos aplicar paliativos e dar um sinal com a ajuda aos mais desprotegidos”, elenca o antigo governante, lembrando a contestação social setorial a que temos assistido e recomendando um remédio mais forte. “Precisamos de atuar ao nível da eficácia, da simplificação de processos, precisamos de um Simplex 3.0. Para trazer melhoria à vida das pessoas, é fundamental que se deixe de lado medidas de ocasião e comece a dar respostas à medida da corrida de fundo, encontrando soluções estruturais para os problemas da nossa economia”, defende Carlos Lobo.
As saídas são as há muito assinaladas: captar investimento, fixar talento, desburocratizar, aumentar mais-valias e produtividade no trabalho, para permitir levantar salários ao patamar europeu e finalmente permitir que os efeitos do crescimento cheguem às pessoas. Aquilo que a nossa economia, mesmo com ocasionais brilharetes, continua a não ser capaz de fazer: “gerar valor acrescentado”, resume João Duque. Sem ultrapassarmos essa barreira, aumentar os rendimentos das famílias não passará de um objetivo adiado, num mercado de trabalho cada vez mais pressionado. “As empresas que trabalham em nichos que lhes permitem subir preços ou que têm presença internacional que pode compensar o que não podem recuperar por cá, conseguirão pagar melhores salários, de nível europeu; as restantes, as que não conseguirem acompanhar, vão ficar sem gente para trabalhar”, diz o economista, apontando a qualificação e a produtividade como caminho para as famílias recuperarem o poder de compra que têm perdido ao longo de anos – e com particular violência num 2022 de inflação galopante.
De outra forma, a perda de poder de compra vai continuar a cavar o fosso de desigualdade entre as condições de vida dos portugueses e as do resto dos europeus. E para quem olha de dentro e sempre de baixo, a floresta nunca vai deixar de parecer sombria.
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