O Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa errou em outubro quando negou um pedido de providência cautelar em relação às eleições na Associação Mutualista? O pedido, feito por membros que se uniram na lista C para concorrer à liderança da dona da Caixa Económica Montepio Geral, visava que as eleições oferecessem garantias de transparência e rigor. Existia o temor de ocorrências que incrementassem os votos a favor da lista incumbente, a A, liderada por António Tomás Correia, que procura um quarto mandato na liderança da instituição.
Numas eleições que têm estado envoltas em polémicas, um dos casos recentes pode ter sido a gota de água que pode levar para a justiça o desfecho eleitoral: mensagens enviadas para telemóveis de associados da Mutualista a promover o voto, pedindo para que fossem ignoradas “notícias falsas de TV e jornais”, lançaram a suspeita de acesso indevido à base de dados da instituição. A lista A diz que não é a autora das SMS, mas a desconfiança dos candidatos adversários de Tomás Correia recai na lista A. A lista B, liderada por Fernando Mendes Ribeiro, e a lista C, de António Godinho, apresentaram queixas formais na comissão eleitoral da Mutualista – na qual o incumbente tem a maioria de dois terços. Os candidatos estão preparados para ir para os tribunais. “A lista B tem vindo a registar e a denunciar junto quer da comissão eleitoral do Montepio quer da tutela, todas as situações e práticas no processo eleitoral em curso que possam indiciar tentativas de fraude, solicitando a intervenção dessas instâncias”, referiu a lista de Ribeiro Mendes em resposta ao Dinheiro Vivo. “Queremos acreditar que a intervenção de tais instâncias possa ocorrer e ter eficácia. De todo o modo, não hesitaremos em recorrer a todos os meios legais disponíveis se entendermos que está posta em causa a livre e autêntica manifestação da vontade dos associados do Montepio nestas eleições”, destacou. Para a lista C, o caso pode complicar-se se a diferença de votos entre duas ou mais listas for reduzido. Ainda assim, para a lista C, registam-se “menos casos de eventuais irregularidades” do que em outras eleições.
Já nas eleições de 2015, em que a lista de António Godinho ficou na segunda posição, as eleições foram alvo de um pedido de impugnação na justiça. Mesmo após ter sido interposto recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa acabou por rejeitar o pedido, num acórdão de abril deste ano. Irregularidades nas eleições? Falta de transparência no processo eleitoral? Para a justiça portuguesa não se passa nada de anormal nas eleições da maioria mutualista do país, que gere quase quatro mil milhões de euros e tem mais de 620 mil associados. As eleições estão agendadas para 7 de dezembro mas já decorrem por voto por correspondência.
Certo é que o caso das SMS poderá gerar uma investigação interna na própria Mutualista. Fonte oficial da Associação garantiu que não houve ataque externo à base de dados. E afirmou que “se houver algum pedido de informação de um associado”, a Mutualista vai averiguar “o que se passou”. O acesso e uso indevido a dados pessoais cai sob a alçada do novo Regulamento Geral de Proteção de Dados, com regras mais restritas e punitivas, em caso de infrações.
Olhos postos na ASF
No meio de notícias e polémicas e pedidos de audiência ao ministro Vieira da Silva, que tem tutelado a Mutualista, o governo aprovou na última quinta-feira um despacho conjunto das Finanças e do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. O diploma é um elemento fundamental no âmbito do novo Código das Associações Mutualistas, que cria um novo regime e autoridade de supervisão financeira, ao qual ficam sujeitas as associações mutualistas de maior dimensão, sendo essa supervisão competência da ASF – Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões. A criação do regime de supervisão financeira não altera a natureza jurídica das associações mutualistas, que mantém a tutela do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social em termos da sua vida institucional.
A aprovação do diploma conjunto em reunião do conselho de ministros surgiu quando se questionava responsabilidades do Executivo na situação em torno da Mutualista. Não só sobre as suspeitas de alegadas irregularidades eleitorais, noticiadas nos media, como na alegada falta de idoneidade de Tomás Correia para liderar a Mutualista. Tomás Correia é alvo de processos, nomeadamente no Banco de Portugal por parte do Ministério Público. As ligações do grupo Montepio e de Tomás Correia a operações sob suspeita em torno do Grupo Espírito Santo estão entre os casos mais noticiados. Agora, que a Associação passou a estar sob a tutela da ASF, aliviou a pressão sobre o governo em torno da sua responsabilidade em relação à Mutualista. Os holofotes estão agora no supervisor liderado por José Almaça, visto como o que vem “salvar” a Mutualista da liderança de Tomás Correia. As expectativas são elevadas de que Tomás Correia não passe no crivo de análise de idoneidade do novo Código das Associações Mutualistas e do novo supervisor. “Para a candidatura da lista B ao Montepio, a publicação do despacho conjunto que transferiu a supervisão financeira do Montepio Geral para a ASF é um passo importantíssimo para a credibilização da nossa instituição junto dos associados e do público em geral”, adiantou fonte oficial da lista B. “A uma semana das eleições ficou definitivamente esclarecido que a nova administração, a eleger no dia 7 de dezembro, terá de verificar plenamente os critérios de adequação e idoneidade fixados pelo regime jurídico da atividade seguradora, o que manifestamente não está assegurado pelas outras listas também concorrentes a estas eleições”, destaca. Mas as expectativas podem sair goradas. Não só porque os timings da ASF não serão tão céleres quanto o esperado, como o próprio despacho conjunto não é o “milagre” que se pode esperar. Segundo fonte jurídica, o diploma ordena que seja aplicado no caso o regime provisório e não a totalidade dos regimes jurídicos da Lei dos Seguros, que tem critérios mais restritos em termos de análise de idoneidade de gestores. Basta haver uma acusação para que os gestores já percam a idoneidade. Os regimes jurídicos só serão aplicados ao longo dos 12 anos de prazo que é dado às Mutualistas para se adaptarem ao novo Código. Será criado um calendário de adaptação com a intervenção de uma comissão de acompanhamento de transição para o regime de supervisão, comissão essa que não se encontra ainda criada.
A ASF não respondeu a questões do Dinheiro Vivo. Já uma porta-voz do ministério de Vieira da Silva afirmou que é da “competência do presidente da mesa da assembleia geral convocar a assembleia geral eleitoral, verificar a regularidade das listas concorrentes às eleições e a elegibilidade dos candidatos, dar posse aos titulares dos órgãos associativos, participar às entidades competentes os resultados das eleições e promover e assegurar a realização de todos os atos necessários à realização do ato eleitoral”. Ou seja, cabe, neste caso, ao padre Vítor Melícias – membro da lista A -, toda a responsabilidade pelo regular processo eleitoral na Mutualista. O ministério aponta ainda que cabe aos associados “avaliar os atos eleitorais”.
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