Rajendra Sisodia nasceu na Índia, vive em Boston, nos Estados Unidos, e é professor na Universidade de Bentley. Nos últimos dez anos tem-se dedicado a transformar o capitalismo. É fundador e CEO do movimento mundial “Conscious Capitalism”.
Acredita ser possível voltar aos fundamentos do criador Adam Smith e tirar o lucro do centro da equação. Quer um sistema mais holístico que olhe para o ser humano como um todo e não seja movido pelo ego e pela ganância.
Constata que o mundo empresarial capitalista está doente e a criar as condições para que sociopatas comandem o mundo, mas deixa uma mensagem de esperança: “Os ‘millennials’ são a geração mais orientada de sempre para ter um propósito na vida e valores”.
Sisodia é um dos oradores convidados do Congresso Mundial dos Empresários de Inspiração Cristã que este ano será dedicado ao tema “Os negócios como uma vocação nobre”. O encontro começa esta quinta-feira e termina sábado na Universidade Católica, em Lisboa.
Defina o que é capitalismo consciente?
É uma filosofia diferente do que é um negócio, que lançámos há cerca de dez anos, em 2008, nos Estados Unidos. Surge devido à frustração com as histórias clássicas do que é um negócio, que se tornaram apenas narrativas sobre o lucro, e de que o único motivo para ter uma empresa é fazer dinheiro.
Nós acreditamos que ter um negócio necessita de um propósito maior. Como seres humanos necessitamos de algo superior. Não pode ser apenas uma questão de fazer dinheiro, mas de fazer real diferença na vida dos outros.
De que forma?
Temos de fazer com que as empresas tenham impacto em toda a cadeia: trabalhadores, famílias de trabalhadores, consumidores, comunidades, fornecedores, investidores, no futuro e no ambiente. Todos fazemos parte e somos impactados pelos negócios. Temos de pensar como é vamos ter um impacto positivo, ao invés de pensar em como é que “vou utilizá-los para fazer dinheiro”. Pensamos em todo o ecossistema do negócio, e não apenas nos proprietários e nos acionistas. Queremos criar valor para todos, e lembrar que todos estão ligados.
Precisamos de líderes que queiram servir as pessoas, que não estejam motivados pelo poder, pelo ego e pelo dinheiro. Serão líderes servidores, que estarão além dos seus próprios interesses. Por último, há a cultura. Muitos negócios estão a operar através do medo e do stress. Há altos índices de ataques cardíacos no local de trabalho. Isso tem um grande impacto negativo na saúde e no bem-estar.
E estão a ter sucesso?
O que temos descoberto com as nossas pesquisas ao longo dos anos é que os negócios que estão a operar desta maneira são mais bem-sucedidos, e financeiramente são mais bem-sucedidos mesmo que não estejam a maximizar o lucro. Estão a gerar lucros melhores e a fazê-lo de uma maneira que não está a prejudicar ninguém.
Algumas pessoas veem nos termos capitalismo e consciência uma contradição. Como é que lhes responde?
Não penso que exista nenhuma contradição. Tudo o que fazemos é feito com consciência, mas nem tudo com uma consciência elevada. O capitalismo tradicional é feito com pouca consciência, ou seja, feito apenas a pensar em mim, no meu poder e no dinheiro. Mas quando pensamos com padrões mais altos de consciência, não temos em conta apenas no meu bem-estar, mas no bem-estar de todos, e pensamos no impacto a longo prazo de tudo o que fazemos.
Assim percebemos como as coisas estão ligadas umas às outras, e temos uma melhor ideia do que está certo e do que está errado. Percebemos o que é ou não aceitável porque percebemos as consequências. Tudo tem de ser feito como uma consciência elevada; seja um negócio, ou a educação, ou a liderança, ou a política. A consciência é o elemento comum, e isso define-nos enquanto seres humanos. É uma caminhada continua que temos de percorrer em conjunto.
O capitalismo é movido pelo lucro….
Não concordo com isso. Eu acredito que é um sistema que foi desenhado sobretudo a partir da obra de Adam Smith “A Riqueza das Nações”, um livro de 1776. A ideia é de que a liberdade leva à prosperidade, quando as sociedades são livres para alcançar os seus desejos. E nas trocas que ocorrem, acredita-se que sejam capazes de encontrar as respostas para as necessidades de cada um. Numa maneira muito mais efetiva do que se for um governo a tentar controlar tudo.
O desígnio primário deve ser o de servir outros seres humanos, e quando isso acontece estamos a atingir a nossa própria prosperidade. Ao invés de criar um negócio só para o meu interesse, posso criar algo para os outros e através dele alcançar os meus objetivos.
O Adam Smith também escreveu que as pessoas necessitam de cuidar, quando servimos alguém estamos a expressar caridade, e assim criou a “Teoria Moral dos Sentimentos”, que veio 17 anos antes de “A Riqueza das Nações”.
Cuidar é uma parte do que significa ser humano, mas deixámos isso esquecido, muitos não se lembram disso quando se tornam empresários. Tudo o que fazemos é uma expressão de caridade e tem alguns elementos do que são os nossos interesses pessoais. Os dois podem ser combinados.
Se olharmos para as últimas décadas podemos dizer que vivemos num mundo em que o capitalismo é consciente?
Não diria que já vivemos num mundo de capitalismo consciente. A preocupação está a aumentar porque as histórias sobre a forma como os negócios estão estruturados não está a resultar, e não é boa para o futuro. Não é boa para o planeta, e nem sequer é boa para nós agora.
Mesmo estando a criar mais prosperidade, as pessoas estão descontentes. Há grandes níveis de ansiedade, de depressão e de suicídio. Há coisas que não estão a funcionar na forma como o capitalismo está a ser aplicado. Estamos a fazer negócios que estão a ser mais prejudiciais do que a ajudar o que nos rodeia.
Se não culpa o capitalismo pelas consequências negativas que aponta, quem é que são os responsáveis pelo aumentar da ansiedade, dos suicídios, da insatisfação generalizada?
Uma parte das responsabilidades, de facto, é do capitalismo, especialmente nas sociedades livres. Muitas pessoas estão a trabalhar num negócio, e mesmo que não seja como dono são clientes. Somos todos parte desse sistema e a forma como ele está a ser gerido está a causar muitos efeitos negativos.
Estamos a fazer dinheiro, mas estamos a prejudicar o ambiente, estamos mais stressados, os ataques cardíacos sobem 30%, estamos a ficar obesos, e diabéticos, tudo isto está a acontecer como consequência da nossa vontade de ter poder e lucro.
O capitalismo consciente é fazer negócios tentando alcançar efeitos emocionais, financeiros, cultuais e sociais positivos. No livro que estou a escrever agora, “A cura das organizações”, falo sobre os negócios como uma força regeneradora, e reflito sobre como podemos alcançar as pessoas que estão a sofrer, e tentar trazer-lhes maior alegria.
O que descreve nas sociedades ocidentais normalmente chamamos caridade. Porquê?
Porque associamos as empresas a locais de stress, de trabalho duro, parece quase uma batalha. Para muitos é uma guerra. Lutamos contra os nossos competidores, tentamos atrair clientes e usamos os nossos trabalhadores como soldados. É um mundo muito machista, muito masculino, aquele que criámos. As pessoas estão stressadas, têm esgotamentos, por lidarem com um ambiente hostil.
Não tem de ser assim, não temos de criar todo este stress. Queremos que os locais de trabalho sejam agradáveis, tenham alegria e amor. O trabalho deve ser mais parecido com um recreio do que com uma prisão. A maior parte das empresas não está a atuar desta maneira. Isso é um problema, e neste momento é uma fonte de sofrimento.
Estamos a viver numa sociedade doente…
Esse mal-estar está de muitas maneiras ligado à maneira como trabalhamos, como lideramos e organizamos os nossos negócios. É a principal causa para o estado doente em que a sociedade se encontra. Criamos muito stress, híper-competição dentro das empresas e as pessoas estão a digladiar-se para chegar mais alto. A obsessão com o dinheiro é a única definição de sucesso.
Mas há muito mais coisas na vida que interessam, precisamos de dinheiro para viver, mas não é a razão para vivermos. Criámos um mundo destruturado, que em muitas razões leva a uma sociedade doente emocionalmente, fisicamente, mentalmente e espiritualmente. Se mudarmos a forma como fazemos negócios podemos curar uma parte destes problemas.
Há um papel para a Igreja, e um papel para as famílias, e outro para as escolas, mas as empresas têm um alcance enorme, e não aceitaram essa responsabilidade no passado. Os negócios querem ter todas as oportunidades para fazer dinheiro e fazerem tudo o que desejam, mas não pretendem ter responsabilidade sobre o efeito que têm na vida das pessoas.
O movimento que lidera tem dez anos. Quais foram as principais conquistas que alcançaram?
Temos pessoas em mais de 19 países, aliás Portugal será o 19º, estamos em 37 cidades norte-americanas, temos comunidades locais que nos entendem e que querem mudar os negócios. Há dezenas de negócios que pensam agora em objetivos mais elevados. E estão a aplicar estas ideias.
Estamos a criar uma comunidade, um movimento e uma preocupação sobre como fazer negócios de uma melhor forma. Temos também já impacto nas escolas.
Estamos a chegar aos empreendedores. Há empresas que estavam a operar segundo as ideias antigas, que mudaram a forma como operam.
Pode dar alguns exemplos?
A Unilever é um bom exemplo de uma empresa à escala global que se tornou mais conscienciosa.
A Waste Management, uma empresa de gestão de lixo, também mudou a forma de estar, tal como algumas petrolíferas.
Mas há muito trabalho para fazer?
Claro. O sector empresarial é enorme, há milhões de empresas, mas o nosso movimento está a crescer. Temos duas conferências por ano nos Estados Unidos e estamos a fazer também uma conferência europeia, e uma iniciativa na América Latina.
Acabamos de escrever um livro que é um guia para o capitalismo consciente e sobre como o implementar numa organização.
Por falar em empreendedores, atualmente se eu tiver como objetivo ser número um na minha área de negócio posso ser consciente?
Em primeiro lugar, não devemos definir o sucesso dessa maneira, em querer ser o número um. Isso é baseado no ego. Diria que esse objetivo tem apenas em mente o poder e o dinheiro. Ser consciente significa ter um propósito nobre, partilhar valores, e preocuparmo-nos com os outros como seres humanos. Quando o fazemos, ao longo do tempo vamos ter mais sucesso, vamos crescer mais rápido, mais do que os nossos competidores, vamos ter clientes leais, e não vamos ter de despender tanto em marketing e publicidade, vendas, promoções e cupões. Nada disso será necessário neste tipo de negócio.
Quando fala dessa forma as pessoas podem acusá-lo de estar a ser idealista, e não pragmático….
Temos muitas evidências, há 72 companhias pelo mundo que o fazem, e descobrimos que são mais bem-sucedidas do que a média das empresas da mesma área, pelo menos oito vezes mais rentáveis. Isto não é apenas idealismo, está provado que resulta melhor. Podemos mostrar como e porquê.
E acho que não há problema nenhum em ser idealista. Nada de novo ou de grande acontecerá, sem algum idealismo. Mas também é um idealismo que é baseado em evidências e pragmatismo. Está ligado com a natureza humana.
Numa entrevista recente disse que há tantos sociopatas nos conselhos de administração das empresas como em prisões. São os indivíduos que estão a perverter o capitalismo, ou é o sistema que está a degenerar as pessoas?
Penso que a forma como estamos a organizar, liderar, recrutar, promover líderes apenas recompensa uma coisa: a performance financeira.
As pessoas que alcançam esses resultados a cada trimestre, ou a cada ano, são os que crescem e se tornam líderes seniores. Se alcançamos os números, temos mais bónus e os salários aumentam. É isso que interessa a esse tipo de pessoas.
Há um custo humano enorme nisto, porque assim vamos estar a sacrificar o bem-estar das pessoas. Isso é a definição de um sociopata, alguém que não demostra empatia ou preocupação com os outros.
O nosso sistema está a selecionar e promover estas pessoas. É um ciclo. Estas pessoas não são idealistas, estão só focadas em fazer dinheiro. Queremos ter pessoas que pensem que os negócios são a melhor maneira de transformar o mundo para melhor.
Os mais jovens e idealistas querem criar empresas não lucrativas, porque acham que os negócios são egoístas e gananciosos. Queremos idealistas à frente de negócios, porque esta é a forma mais direta de termos impacto nas pessoas. Atualmente, estamos a atrair muitos mercenários para as empresas e não missionários como deveria ser.
É um positivista, e já disse que os ‘millennials’ estão mais orientados para a procura de valores e de um propósito. Como conclui isso?
Há algumas investigações que chegam a essas conclusões. Normalmente, as pessoas apenas pensam num propósito para a vida depois da crise de meia idade, até essa altura apenas pensam em dinheiro, no sucesso financeiro, coisas materiais.
Os ‘millennials’ cresceram no seio de famílias em que as pessoas estavam a passar por esta fase, a isso soma-se a internet e a conectividade, bem como o facto de os desafios serem cada vez mais globais. Eles sentem que têm de agir, além de que a inteligência humana está a crescer em todas as gerações. O QI está a aumentar. Os adolescentes já pensam em coisas maiores do que apenas como é que eu posso fazer mais dinheiro e ter um salário maior.
Mas este é o lado positivo, porque negativamente vemos que a taxa de suicídio é mais alta nos ‘millennials’. Se formos muito idealistas também podemos ficar muito desiludidos. Podemos tornar-nos cínicos e deprimidos. Eles olham para as empresas e não veem nenhum objetivo maior, nem valores, e por isso é que nos Estados Unidos os ‘millennials’ olham para o socialismo como a resposta, e preferem-no em detrimento do capitalismo.
Pensam que o capitalismo é responsável por tudo o que de mal acontece. O capitalismo precisa de ser melhorado, mas não acho que o socialismo seja a solução. Não é a forma de as pessoas serem livres e felizes, é um modelo em que os governos nos dão tudo. O capitalismo consciente penso que captará estes que são idealistas, e isso engloba as gerações mais novas.
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