O filho nasceu com autismo. Até aos dez anos não falava. Randy Lewis sempre olhou para o filho com condescendência, sem acreditar muito nas capacidades do menor. Mas, aos 31 anos, esse menor tornou-se num homem empregado, integrado socialmente e que conduz todos os dias. Provou que o pai estava errado e que conseguia vencer os obstáculos.
Randy Lewis passou pelo Congresso Mundial dos Empresários de Inspiração Cristã, que terminou no sábado, na Universidade Católica, em Lisboa; é vice-presidente da Walgreens, empresa do ramo farmacêutico. O filho mostrou-lhe que as pessoas com deficiência merecem uma oportunidade. E ele tornou-se pioneiro num modelo inclusivo de negócio, em que a 30% das pessoas que emprega são deficientes.
Não é condescendência: quer que os deficientes façam o mesmo que os outros, recebam o mesmo e tenham o mesmo reconhecimento. Até agora, não se arrependeu, os resultados e as métricas estão todas a bater certo.
O gestor chama a atenção a outros líderes empresariais de que não vai haver qualquer estudo de custo/benefício feito antes de tomarem a decisão. Mas garante que, depois de o fazerem, não se vão arrepender.
Nos países em desenvolvimento, a taxa de desemprego das pessoas portadoras de deficiência pode chegar aos 90%, enquanto nos países desenvolvidos varia entre 50% e 70%. Estamos longe de ter acesso igualitário ao mercado de trabalho?
O desemprego entre pessoas com deficiência é um problema com milhares de anos, talvez não acontecesse quando todos vivíamos em quintas e estávamos em família, mas desde que temos empregos, como agora acontece, os deficientes sempre tiveram problemas em consegui-lo.
Isto não é nada novo. O que é novo, e que são boas notícias, é que estamos mais despertos para o problema.
Quando percebemos que a percentagem de desemprego pode chegar aos 80% ou 50%, ou no melhor dos casos é o dobro do que para as pessoas sem deficiência, como acontece nos EUA, isso sucede sobretudo porque pensamos que elas não conseguem fazer o trabalho.
Temos um preconceito involuntário que se reflete na nossa forma de pensar no processo de procurar, contratar, e treinar essas pessoas. Fazemos uma profecia autorrealizada de que as pessoas com deficiência têm dificuldades em cumprir tarefas.
Os locais de trabalho continuam a não estar preparados para a diferença…
Não estão. Até podem estar no que diz respeito a acessos físicos, com as rampas ou ecrãs que leem para quem usa computadores. Há muitas melhorias tecnológicas que estão a aparecer e a tornar-se mais baratas.
Penso que estamos a ficar melhor nisso. Mas a atitude com as pessoas e a nossa crença de que temos de fazer coisas diferentes para que tenham sucesso ainda é um problema. E isso é algo que aprendemos.
Temos de aprender uma forma diferente de motivar essas pessoas. Elas estão motivadas, mas pode não ser pelo trabalho em si, a nossa experiência em contratar pessoas com deficiência é a de aprender o que motiva cada pessoa. Descobrirmos a resposta é abrir essa porta para os ajudar a ter sucesso.
Também nos ajuda a nós e permite-nos ser melhores gestores.
Diz que estamos mais alertas para este tema, mas pelos números percebemos que os esforços estão longe de ter resultados palpáveis
Os esforços, de facto, podiam ser muito maiores, mas penso que nos últimos 20 anos houve progressos e que daqui a 50 anos serão ainda mais.
O problema é que quem, como nós, tem crianças com deficiências não tem tempo. Precisamos de pessoas que se comprometam com estas questões, penso que atualmente há duas vezes mais interesse do que havia há 20 anos.
Precisamos de mais avanços e penso que conseguiremos ser mais rápidos, mas isso requer líderes que queiram dar um passo em frente e que digam: “Vou dar-lhes uma oportunidade”. E que não tenham de ter todas as respostas antes de começar.
Quem serão esses líderes? Podemos deixar isto nas mãos de empresários ou os políticos têm um papel importante?
Temos governos que fazem leis e têm de as cumprir. O nosso ponto é que na Walgreens consideremos que este é um movimento de atração, não de coação.
Por isso, começamos por propor os mesmos trabalhos e o mesmo salário. E no processo mudámos de formas que nos agradaram muito, tornámo-nos melhores em equipa, mais empenhados e as pessoas começaram a pensar mais nos outros do que nelas próprias. Trouxe ao de cima o melhor que há em nós.
Quando trazemos outras empresas e os deixamos ver o que estamos a fazer, elas podem ver que temos um grande número de pessoas deficiência empregadas, um terço do total.
Numa das unidades em que tivemos convidados ninguém percebeu que estavam ali pessoas com deficiência. Viram pessoas a trabalhar e perguntavam sempre: “Onde é que eles estão?” E a resposta era sempre: “Estão rodeados por eles.”
Porque é que começaram a contratar pessoas com deficiência? Qual foi o gatilho?
Numa larga escala começámos com um novo edifício em 2007, em que um terço dos trabalhadores tinha deficiência. Desde aí espalhámos pelos nossos 17 centros de distribuição, e está ainda a crescer.
Em 2007, experimentámos numa escala pequena. Contratámos pequenos grupos de pessoas com deficiência e demos-lhes trabalhos que não seriam fulcrais para o negócio, trabalhos que pensámos que essas pessoas conseguiriam fazer. Mas isso não resultou – aliás, resultou, mas não era o que queríamos. Não desejávamos criar uma barreira entre o “eles” e o “nós”.
Passámos a contratar pessoas numa escala maior e a perguntar quem é que dos nossos funcionários queria ser mentor para uma destas pessoas que já era nosso colega.
Qual é que foi a receção dessas pessoas que se tornaram mentores?
Diria que 90% das pessoas queriam que isto fosse um sucesso, porque conhecem alguém que tem uma deficiência, e mesmo que não conhecessem gostam da ideia.
Na maior parte das vezes, a questão tem a ver com medo. Estão com medo de dizer algo errado ou têm medo de que eles não consigam fazer o trabalho ou que se aleijem. Havia todos estes preconceitos, mas é o único preconceito que é baseado em pena e amor. Quando fizemos isto quisemos voluntários.
E muitas pessoas fizeram-no livremente. O que aconteceu é que, depois de as pessoas se voluntariarem, os outros que ficaram de fora, viram que as pessoas com deficiência são também pessoas. E isso mudou-lhes a forma de pensar. A aceitação cresceu imenso e deixou de ser um problema, porque as pessoas se habituaram.
Depois destes anos de experiência, quais foram os resultados? As pessoas com deficiência têm o mesmo desempenho do que os outros?
Começámos por fazer perceber que não temos funções para deficientes, temos apenas trabalhos.
Há duas razões para isso: se perguntarmos a uma pessoa num grupo para pensar em pessoas com deficiência e pensarmos num emprego apropriado, qual seria o trabalho apropriado?
A maior parte de nós pensará numa pessoa com um atraso cognitivo e intelectual ou numa pessoa numa cadeira de rodas, e o emprego em que pensa não o conseguirá descrever sem o uso da palavra repetição.
Nós pensamos que as pessoas com deficiência conseguem fazer todos os trabalhos, mas não têm oportunidade. Isso acontece porque a sua aparência, a maneira como falam, e andam não é igual, e também não têm a experiência que procuramos, nem conseguem ter grandes desempenhos nas entrevistas.
Aqui eles cumprem um período de experiência de 12 semanas e no final contratamo-los, e esse é um trabalho experimental pago, porque estão a desempenhar uma função.
Há outras empresas a seguir o vosso exemplo?
Sim, a UPS, a Apple, a Pepsi, Sephora, Arthur Daniels e até a Amazon.
Eles estão a descobrir o mesmo que nós.
Quando os empresários e os investidores olham para um negócio, põem no topo das prioridades as questões económicas e os resultados financeiros. Normalmente ninguém quer saber do impacto social. Porque atuamos dessa forma?
Somos uma empresa, não somos caridade. Não baixamos nenhum dos nossos padrões. Temos de nos lembrar disso. As pessoas com deficiência têm de fazer os mesmos trabalhos, ter o mesmo pagamento, mas também com a mesma responsabilidade e desempenho.
As pessoas perguntavam: “Querem resultados ou querem contratar deficientes?”. Nós acreditamos que podemos ter as duas coisas. Quando apresentámos esta ideia à administração, eles perguntaram: “E se não resultar?”
Respondemos que nada nos ia desviar dos nossos objetivos enquanto empresa. Se isso acontecer, teremos de ajustar. Houve muitas coisas que tentamos e não resultaram ao início e ajustámos.
E resultou melhor do que pensávamos. As pessoas com deficiência têm uma ‘performance’ igual ou melhor. Mantêm-se mais tempo na empresa, apresentam menos absentismo, estão menos dias doentes e têm menos acidentes. Gastamos menos 60% em seguros do que com as pessoas sem deficiência.
Esses são os argumentos que usa para convencer outros líderes?
Uns querem dados. Mas quando compramos uma casa, temos um estudo de custo benefício? Ou quando adquirimos o carro? Nós tomamos decisões com base no que queremos e depois usamos os dados para o justificar.
A minha experiência diz-me que as pessoas, quando olham para uma nova ideia, pensam nos riscos e nas possibilidades. É a forma como olhamos para tudo.
Nunca vi ninguém a começar nada com um estudo de custo/benefício.
Falou de riscos e possibilidades na contratação de deficientes. Quais são?
Muitos podem-se questionar que, se as coisas estão a correr bem com o tipo de trabalhadores que têm, porque o haveriam de fazer? E se o fizerem, o que é que acontece se não resultar? E se nos custar mais dinheiro? Ou se não resultar, como é que isso vai afetar a imagem da empresa? E se alguém se aleijar, como lidar toda a má publicidade que isso trará?
E posso fazer a lista de dúvidas crescer. Isso está sempre a acontecer e é assim há dezenas de anos.
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