As empresas da bolsa portuguesa endividaram-se a um ritmo de mais de oito milhões de euros por dia este ano. Nos primeiros nove meses de 2018 a dívida líquida aumentou mais de 2,2 mil milhões. Os valores em dívida excediam em 29,4 mil milhões de euros o dinheiro em caixa no final de setembro, o equivalente a quase 15% da riqueza gerada em Portugal.
As cotadas continuam a tirar partido dos baixos custos de financiamento. Mas nos últimos tempos têm surgido alertas de que a era do dinheiro barato pode estar a chegar ao fim. Ainda assim, os analistas defendem que a maior parte das empresas portuguesas está a tirar partido das condições favoráveis para diminuir a fatura com juros e garantir fundos para investir e crescer.
No entanto, o valor do agravamento da dívida é quase semelhante ao montante pago em. O dinheiro distribuído aos acionistas este ano, mas relativo ao exercício de 2017, rondou os 2,4 mil milhões. “Contrair dívida para pagar dividendos não está certamente entre as melhores práticas de gestão”, refere João Queiroz ao Dinheiro Vivo.
Mas o diretor da banca online do Banco Carregosa realça que “no global, as empresas portuguesas que integram o PSI20 procuram reduzir a dívida bruta exceto se se destinar ao aumento da produção, a melhorar a capacidade exportadora com penetração em novos mercados e financiar aquisições”.
Grupo EDP com maior agravamento da dívida
Os maiores agravamentos, em termos nominais, foram registados na EDP e na EDP Renováveis. A elétrica, que pagou 691 milhões em dividendos, aumentou a dívida líquida em mais de 600 milhões para 14,5 mil milhões. É responsável por cerca de metade do endividamento das empresas não-financeiras da bolsa nacional.
No entanto, numa fase em que os juros estão em níveis historicamente baixos, as empresas podem estar a aproveitar para se financiarem em condições vantajosas. E a elétrica é vista como um desses casos. “O aumento da dívida da EDP poderá ser justificado com as condições de refinanciamento que conseguiu no mercado”, diz João Queiroz.
A empresa liderada por António Mexia já emitiu dívida este ano a taxas abaixo de 2% e abateu empréstimos com juros mais elevados. A EDP garante que tem as necessidades de refinanciamento asseguradas até 2020. Justificou, nas contas de setembro, que a subida da dívida ficou a dever-se a “um investimento sazonalmente forte no terceiro trimestre e ao adiamento de algumas vendas de ativos e de participações em projetos renováveis”.
Já a EDP Renováveis agravou o valor da dívida líquida em 676 milhões para 3,48 mil milhões. A empresa justificou com “os investimentos no período” e também com “a liquidação de um swap cruzado de taxa de juro cruzada para proteger o investimento em dólares nos EUA contra as diferenças de forex e a conversão cambial”.
Albino Oliveira, analista da Patris Corretora, ressalva, no entanto, que “é necessário também ter em conta o nível do endividamento, por exemplo face ao EBITDA [lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações”. Mas também nesse indicador a EDP piorou, com a dívida a exceder em 4,3 vezes o EBITDA. Ainda assim, o especialista explica ao Dinheiro Vivo que, na maioria das empresas do PSI20 os sinais “têm, muitas vezes, sido positivos”.
Ganhar tamanho à custa da dívida
Os especialistas explicam que parte da subida da dívida com aquisições e planos de crescimento das empresas. A Jerónimo Martins, por exemplo, passou de ter mais 170 milhões em caixa do que em dívida para um endividamento líquido de 250 milhões. A dona do Pingo Doce pagou este ano dividendos de 385 milhões de euros, um valor equivalente a todo o lucro obtido em 2017.
Além desse esforço para com os acionistas, a empresa conta investir entre 700 milhões e 750 milhões este ano. Fator que é destacado pela positiva por João Queiroz. “No caso da Jerónimo Martins [o aumento da dívida] está relacionado, sobretudo, com investimento em lojas para melhorar a experiência do cliente e que permita concorrer com o online, procurando obter acrescidas receitas”.
Já a Sonae aumentou a dívida líquida em quase 430 milhões. Era, no final de setembro, de 1,54 mil milhões. A dona do Continente explicou que essa subida foi “influenciada pela aquisição de 20% da Sonae Sierra, devido ao cash-out de 256 milhões de euros e à consolidação da dívida desta empresa”. E garantiu que, “incluindo a consolidação integral da dívida líquida da Sonae Sierra, a dívida líquida teria diminuído 144 milhões de euros (cerca de 10%)”.
Empresas preparadas para o fim do dinheiro barato?
O aumento da dívida das cotadas portuguesas acontece numa altura em que têm surgido alertas sobre o fim da era do dinheiro barato. A Moody’s, por exemplo, avisou num relatório sobre as condições de crédito a nível mundial que “vão aumentar os riscos em 2019 já que deverá haver um abrandamento do crescimento económico, um aumento dos custos de financiamento aumentar, menos liquidez e o regresso da volatilidade do mercado”.
A agência de notação financeira avisava, no documento divulgado este mês, que “estava a fechar-se a janela de oportunidade para as empresas alterarem o seu perfil de crédito”. O alerta da Moody’s era global. Mas será que as cotadas portuguesas aproveitaram as condições favoráveis de financiamento para melhorarem a estrutura da dívida e se prepararem para os próximos tempos?
Albino Oliveira defende que esse enquadramento mais favorável “foi utilizado para avançar com operações de refinanciamento a condições mais vantajosas ou obter financiamento de modo a suportar planos de investimento”. E refere que houve empresas que aproveitaram as condições favoráveis para abater dívida, destacando o caso da Altri. Além desta empresa, também a REN, a NOS e a Ramada baixaram a dívida líquida este ano.
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