//Empresas de energia são alvo de “operação de talibanismo” do BE

Empresas de energia são alvo de “operação de talibanismo” do BE

Nuno Ribeiro da Silva, diretor-geral da Endesa em Portugal, foi um dos ouvidos na comissão parlamentar de inquérito sobre as alegadas rendas excessivas no setor da energia. Isto porque a central a carvão do Pego, explorada pela empresa desde 1993, mantém até hoje um contrato de aquisição de energia (CAE) que nunca foi transformado em CMEC, como aconteceu com a EDP.

Disse no Parlamento que não há rendas no setor da energia, muito menos excessivas. O relatório da comissão de inquérito diz o contrário. Como reage?
São conhecidas as opiniões do Bloco de Esquerda e do deputado relator [Jorge Costa] destas 200 horas da comissão de inquérito. Há leituras muito marcadas e muito unilaterais dos variadíssimos tópicos que foram analisados. Não digo que não existam, numa situação ou noutra, casos em que as coisas pudessem ter sido feitas de outra forma. Estamos a falar de décadas em contextos e realidades muito datadas e peculiares; fazer hoje o Totobola depois dos jogos todos terem ocorrido é fácil. Assim como é fácil apontar o dedo aos decisores políticos. Trespassou na comissão de inquérito, e por parte de alguns dos deputados, uma atitude muito pouco séria do ponto de vista técnico na análise das situações.

Vídeo: Erros do passado nas rendas da energia? “Fazer hoje o totobola depois dos jogos é fácil”

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No caso dos CAE e dos CMEC, o que podia ter sido feito de forma diferente para evitar as alegadas rendas excessivas?
Resta apurar se elas existem. Todo este processo dos CAE e dos CMEC surge num contexto em que Portugal e os países da UE foram apanhados num processo de liberalização do mercado de eletricidade na Europa, em que as empresas elétricas foram obrigadas por Bruxelas a lançar a eletricidade que produziam nas suas centrais elétricas no mercada, para criar liquidez. Isso alterou todos os modelos de financiamento que as empresas tinham com os bancos para os biliões de euros que custaram as centrais.

Foi por isso que a central do Pego manteve o seu CAE? Isso beneficiou a Endesa?
Para nós não beneficiou em nada, mantivemos os termos com os quais, em 1993, fizemos a montagem financeira do projeto e que foi a maior operação de project finance feita na Europa para uma central elétrica. Por três vezes, e ao longo de vários governos, houve tentativas de ajustar o modelo do contrato de CAE para CMEC, mas chegaram à conclusão de que era um processo tão complexo e juridicamente impossível que acabaram por concluir que ficaria na mesma.

Mas o relatório diz claramente que a criação dos CAE para as centrais da EDP, que garantiram rendas durante 20 anos, são semelhantes aos das centrais do Pego e do Outeiro. Isso significa que estas centrais também tiveram rendas?
O nosso contrato é muito peculiar, e meter tudo no mesmo caldeirão dos CMEC não é boa prática, porque a central do Pego tem desde o início um PPA, ou seja, um acordo muito fechado de toma da eletricidade por parte do operador da rede elétrica. Não beneficiamos nem perdemos nada com os CAE e os CMEC. É a REN que nos manda produzir, ou não, eletricidade. Não o fazemos por nossa iniciativa.

Vídeo: “Não beneficiámos nem perdemos nada” com CAE e CMEC

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A coordenadora do BE, Catarina Martins, pediu consequências políticas da comissão de inquérito para ressarcir os consumidores. Pode acontecer?
Julgo que não. Isso faz parte do populismo com que o BE tem abordado este tema: bater e apontar o dedo ao que, na opinião pública, são vistas como as grandes empresas, os grandes monopólios, os poderosos. A base do setor elétrico é feita, por razões económicas e técnicas, de grandes empresas, e não é por isso que têm de ser apedrejadas na praça pública numa operação de talibanismo.

Disse também na comissão de inquérito que “rendas excessivas é o que pagamos ao Estado”. Referia-se à carga fiscal?
A carga fiscal das elétricas inclui a CESE, a tarifa social, o IVA, a taxa sobre o audiovisual, as taxas para passar as linhas, o IMI, e todos esses impostos e alcavalas pagos ao Estado a nível central e local. Quem sai prejudicado é o consumidor doméstico e industrial. As nossas empresas têm uma desvantagem face a outras europeias pelo facto de a carga fiscal ser mais de metade do que pagamos na fatura elétrica. Custa-me ouvir deputados criticar o preço da eletricidade quando grande parte da fatura é responsabilidade de decisões políticas. Quando o BE vem dizer que a eletricidade é cara, não tem em linha de conta que a tarifa social é uma decisão política paga pelas empresas. O Estado decide atribuir um desconto de 33% na fatura e manda as empresas pagar cem milhões de euros por ano.

É contra a tarifa social?
Na realidade há um manifesto abuso no recurso à tarifa social – em Portugal existem mais de 800 mil contratos, o que significa que estamos a falar de cerca de dois milhões de pessoas que têm um desconto de 33% na tarifa elétrica.

Em relação à CESE, não é injusto que umas empresas paguem e outras não?
É um imposto que incide sobre os ativos. Eu, que sou comercializador e investi em Portugal centenas de milhões de euros a construir centrais, pago a CESE. Empresas que não investiram em centrais mas que são comercializadoras, caso da Galp e da Iberdrola, não pagam a CESE. Não investiram no país e estão a concorrer comigo no mercado.

Quando reúne com a tutela reclama dessa injustiça?
Chamámos a atenção para isso à equipa responsável pela energia na atual legislatura.

Vídeo: João Galamba? “Pelo menos há transparência e coerência”

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Já se reuniu com João Galamba?
Já, várias vezes. No quadro da equipa anterior, a litigância, a irracionalidade e a falta de competência eram de tal forma evidentes que a certa altura já não valia a pena…
Refere-se ao anterior secretário de Estado Seguro Sanches?
Exatamente. E à passividade do ministro da Economia à época [Caldeira Cabral].

Ficou feliz com a troca?
Pelo país, fico feliz por causa do mal que foi causado à política energética, sendo algo tão relevante e que não pode andar em pára arranca.

O novo secretário de Estado está preparado para os desafios?
Tenho tido vários encontros com a nova equipa. Mesmo quando não estamos de acordo, pelo menos há transparência nas decisões tomadas e na sua implementação, que é o mais importante para qualquer empresa. Ao contrário das atitudes erráticas da equipa anterior que levaram a uma litigância no setor, como nunca aconteceu.

Estão atentos à OPA da EDP?
Como grande grupo energético estamos sempre atentos aos movimentos que existem no setor e dispostos a estudar oportunidades interessantes.
A Endesa está de olho na anunciada venda de ativos da EDP?
Estaremos atentos. Estamos na corrida para ser operadores de redes de distribuição elétricas. Poderá haver outros ativos de geração elétrica que possam vir a interessar-nos. Estamos muito envolvidos em centrais com base em energias renováveis, sejam eólicas, solares ou hídricas.

Quanto é que vão investir em 2019 e nos próximos anos?
A Endesa tem um programa de investimento a nível geral da Península Ibérica de cinco mil milhões, em média, por ano.

Estão na corrida ao solar?
Estamos interessados em investir na área do solar fotovoltaico em Portugal e já a trabalhar na montagem de projetos. Vendemos as eólicas mas estamos a retomar.

Descontos agressivos nos preços da luz são a aposta da Endesa para roubar clientes à EDP?
É o nosso caminho e desconfio que vais ser também o dos nossos concorrentes. A EDP tem um grande orçamento para marketing e parte de uma posição dominante. Estamos cá para lutar e já somos o segundo operador no mercado. Hoje a diferenciação passa pela criatividade e por juntar às ofertas serviços ligados à saúde, bricolage, lifestyle, mobilidade.

Que balanço faz dos 10 anos da Endesa no mercado residencial em Portugal?
No mercado residencial é difícil criar concorrência pelo facto de a EDP Serviço Universal ser fornecedora de todos os domésticos e a liberalização não ter previsto uma distribuição da carteira de clientes pelas outras comercializadoras. Em nenhum país o incumbente mantém uma quota acima de 80% durante tantos anos após a liberalização.

Dez anos a vender energia em Portugal
Diretor-geral da Endesa Portugal há 14 anos e professor catedrático convidado, Nuno Ribeiro da Silva foi secretário de Estado da Energia nos governos de Cavaco Silva. Na década de 1990 foi deputado à Assembleia da República pelo PSD. Dirige agora a elétrica espanhola em Portugal (detida em 70% pela italiana Enel desde 2014), que entrou no país em 1993, com uma participação na Tejo Energia, para explorar a central a carvão do Pego. Em 2009, 16 anos depois, a Endesa entrou na atividade de comercialização de energia com marca própria. Hoje, é o segundo maior operador, a seguir à EDP, tem uma potência instalada de 1464 MW, 350 mil clientes domésticos e industriais e, segundo a ERSE, uma quota de mercado por consumo de 16,9% na eletricidade e de 10,5% no gás natural.

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