
Um estudo publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos conclui que o ensino profissional tem um impacto “modesto” na criação de emprego nas profissões em que os alunos se formaram e na região onde estudaram.
Uma equipa de investigadores do Centro de Economia e Educação da NOVA SBE analisou os efeitos da expansão do ensino profissional registado desde 2006, através de dados de quadros de pessoal entre 2002 e 2022 e da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência.
Verifica-se que 72% dos alunos do ensino profissional conseguem um emprego um a dois anos após o fim dos estudos, acima dos 56% que concluem o ensino secundário geral.
“Em média, a abertura de um novo curso profissional num município conduz a um aumento de 0,14 trabalhadores na profissão específica desse curso dois anos depois de o primeiro grupo de alunos ter concluído o curso, e de 0,17 trabalhadores após três anos”, revelam os autores neste estudo que, por comparação com o nível médio de emprego registado no período de referência, aponta para um aumento de 11% dois anos após a conclusão do curso e de 14% três anos depois.
Procurar emprego no município vizinho
O relatório conclui por um “modesto efeito global” dos novos cursos profissionais sobre o emprego “nas profissões correspondentes no município onde o curso teve lugar”.
Por isso, os autores procuraram observar a mobilidade geográfica dos diplomados do ensino profissional, alargando a análise dos impactos sobre o emprego ao nível das regiões NUTS III 2013, que somam 23 regiões.
Neste quadro, o impacto é de mais 1,5 trabalhadores dois anos após a conclusão do curso e de cerca de 1,8 trabalhadores nos anos seguintes. Os autores sugerem que os alunos se deslocam frequentemente entre municípios vizinhos para procurar emprego.
Por comparação com o número médio de trabalhadores formados no Ensino e Formação Profissional (EFP) no ano anterior à conclusão do curso, o emprego entre alunos formados no EFP aumentou 16% dois anos após a conclusão do curso e cerca de 20% nos anos seguintes.”
Desfasamento entre oferta e procura de competências
O aumento de 20% a partir de três anos após a conclusão do curso profissional é considerado “pouco expressivo” pelos autores que consideram que “pode refletir um desfasamento entre os cursos que os alunos frequentam e os empregos a que acedem”.
Entre as recomendações, o relatório sugere o aprofundamento das parcerias com empresas e a promoção da aprendizagem em contexto de trabalho. por via do reforço dos estágios e dos programas de formação em ambiente laboral num esforço conjunto das empresas e das autoridades regionais.
Os autores recomendam ainda a simplificação dos regulamentos sobre formação em contexto de trabalho “de forma a mitigar os obstáculos enfrentados pelas empresas e a incentivar a colaboração entre escolas e empresas”.
Mais envolvimento das CCDR
Se a mobilidade exige uma análise regional, o estudo recomenda mais coordenação regional e planeamento intermunicipal neste domínio. Os autores propoem que a oferta do ensino profissional seja coordenada ao nível das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, permitindo que o planeamento da oferta de cursos tenha em conta as tendências regionais, num trabalho conjunto de municípios, empregadores e instituições de ensino.
A oferta de novos cursos está centrada nas zonas mais povoadas. O estudo sugere também que os municípios partilhem os custos de instalações e equipamentos do ensino profissional, “nomeadamente em zonas de baixa densidade populacional”.
Os autores sugerem orientar o investimento de fundos nacionais e comunitários para regiões com mais baixa cobertura de ensino profissional. Regiões como Alentejo e Trás-os-Montes e algumas zonas do Algarve têm menos ou mesmo nenhuma nova abertura de cursos nos últimos anos.
O Algarve e a Área Metropolitana de Lisboa tiveram menos abertura de cursos porque têm menos financiamento europeu devido ao desenvolvimento económico aferido nos critérios regionais para efeitos comunitários.
Sazonalidade pode ser mitigada
Para lidar com a empregabilidade em áreas distintas da formação, os autores apelam ao equilíbrio e à flexibilidade dos programas de ensino profissional. Uma das medidas passa pela incorporação de “competências transferíveis” nos cursos que permitam que um formando na área do turismo ou da agricultura possa ter ferramentas para a empregabilidade durante todo o ano.
Os autores não esquecem a necessidade de atualizar os conteúdos dos cursos, com inclusão de progressos digitais e de inovação, a pensar já nas “mudanças no mercado de trabalho impulsionadas pela automação e pela inteligência artificial”.
Os novos cursos de ensino profissional são maioritariamente ministrados nas áreas da Informática ( 12%), Hotelaria e Restauração ( 9%) e Turismo e Lazer ( com 7% dos novos cursos).
Mais empreendedorismo
Os resultados do estudo sugerem um impacto positivo da expansão dos cursos profissionais na criação de empresas nas áreas de formação, embora só perceptível alguns anos após a conclusão do curso pelo primeiro grupo de estudantes.
“Há um aumento de 0,67 novas sociedades por ano quatro anos depois. Trata‑se de um aumento de 32% em relação à taxa média de criação de novas sociedades – que é de 2,1 por ano -, o que constitui um efeito substancial”, pode ler-se no relatório.
O aumento do número de sociedades é maior e mais sustentado do que o das empresas em nome individual. “Isto sugere que os cursos profissionais podem ser especialmente eficazes no apoio à criação de empresas mais estruturadas ou de capital intensivo”, sustentam os autores.
O estudo salienta que a criação de uma pequena empresa exige competências empresariais,”incluindo o assumir de riscos e a gestão do negócio”, que por norma não são abordados nos programas dos cursos profissionais.
Fatores como a complexidade da regulamentação, a logística da cadeia de abastecimento, a necessidade de criar redes de ligações profissionais e os elevados custos iniciais são também identificados como obstáculos significativos para o lançamento com êxito das empresas próprias de muitos jovens recém‑formados, “a maioria com menos de 20 anos”.
Entre as recomendações está o incremento de mentorias, financiamento inicial e acesso a incubadoras para fomentar a criação de empresas alinhadas com a sua formação. Os autores sugerem ainda a criação de balcões de apoio para ajudar os recém-formados no ensino profissional a registar as suas empresas e a tomar opções fiscais e de segurança social.
Uma história de sucesso, apesar de tudo
A frequência do ensino profissional está ainda muito ligada a uma imagem pública pouco favorável, associando os formandos ao estigma das fracas capacidades dos alunos.
O relatório recomenda uma melhoria dessa imagem através da divulgação pública de “histórias de sucesso” na comunicação social com testemunhos de diplomados no ensino profissional.
Globalmente, o ensino profissional revela resultados positivos na educação, no emprego, na criação de novas empresas e no empreendedorismo. A partir de 2006, o número de cursos disparou tendo o ensino profissional chegado aos 45% de estudantes do secundário em 2013/2014, recuando agora para os 39%. Há objetivos definidos no Governo anterior que pretendem elevar esta fasquia para os 55%. A média da União Europeia situa-se nos 49%.
Os autores sublinham que o ensino profissional contribuiu para a melhoria dos resultados escolares e maior inclusão social, com a taxa de retenção e abandono escolar a cair de 39% para menos de 10% entre 2000 e 2023. Aumentou também o número de alunos que concluem o 12º ano, especialmente entre contextos socioeconómicos mais desfavorecidos, cumprindo a escolaridade obrigatória.
A taxa de inatividade dos jovens entre os 25 e 34 anos é de 5,6% para os alunos que fizeram enisno profissional, bem mais baixa que a do ensino geral em Portugal (10,6%) e das médias europeias e da OCDE (cerca de 11%).
O “policy paper” da Fundação Francisco Manuel dos Santos, é da autoria de Luís Catela Nunes, Pedro Martins, Pedro Reis e Teresa Thomas, investigadores no Centro de Economia e Educação da NOVA SBE.
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