A escalada do preço dos combustíveis tem motivado preocupação, alertas e protestos nos mais diversos setores da economia portuguesa, da metalurgia e metalomecânica ao transporte de passageiros e de mercadorias e da agricultura à distribuição, pedreiras, madeira e mobiliário.
Atualmente a viver o período com preço de gasóleo e gasolina mais caros dos últimos três anos, Portugal viu esta semana, pela primeira vez, o preço de venda ao público de um combustível ultrapassar a barreira dos dois euros por litro, em alguns postos de abastecimento das áreas de serviço nas autoestradas.
Uma situação que resulta de uma conjugação de fatores, desde restrições por parte dos grandes exportadores de petróleo, à explosão da procura após a contenção durante a pandemia e à pressão sentida em toda a cadeia logística, onde se têm registado subidas de preços não só nos transportes, mas também nas operações portuárias e nos seguros.
Segundo dados do último boletim da Comissão Europeia, Portugal terá atualmente a sexta gasolina e o sétimo gasóleo mais caros entre os Estados-membros e, face aos sucessivos aumentos semanais dos preços dos combustíveis, surgiram nas redes sociais apelos a um boicote ao abastecimento e os camionistas admitem também protestar.
Neste contexto, o Governo, pela voz do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, anunciou na sexta-feira à tarde que vai devolver, pela subida dos combustíveis, um montante que atinge os 90 milhões de euros (63 milhões pelo IVA arrecadado e 27 milhões de euros pelo arredondamento do alívio do ISP).
“O Governo tomou hoje a decisão de reinstituir um modelo de devolução de receita de imposto que obtém por via do preço dos combustíveis. Em face do aumento do preço médio de venda ao público dos combustíveis, o Estado arrecada um valor superior a 60 milhões de euros de IVA e, por isso, vai repercutir na diminuição das taxas de ISP este valor de acréscimo que aufere”, avançou o governante na sexta-feira, acrescentando que a medida se iria traduzir “numa descida de dois cêntimos no ISP da gasolina e um cêntimo no ISP do gasóleo”, a partir deste sábado.
Antes, na semana passada, o parlamento aprovou, na especialidade, uma proposta de lei do executivo que lhe permitirá fixar, por portaria, limites às margens de comercialização dos combustíveis quando se considerar que estão demasiado altas “sem justificação”.
Esta semana, antes do anúncio do Governo, a Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP) reclamou a imediata descida das taxas e impostos sobre os combustíveis e a energia, avisando que a laboração das empresas do setor está a tornar-se “insustentável”.
“Neste momento, estamos a chegar a um ponto em que se está a tornar insustentável manter as empresas a laborar. O custo das matérias-primas, o aumento do custo de transportes e o aumento brutal dos custos do combustível e da energia afetam diretamente as nossas empresas e urge o Governo tomar uma posição para que torne sustentável um dos maiores setores da economia portuguesa”, afirmou o vice-presidente da AIMMAP, Rafael Campos Pereira, em comunicado.
Salientando que “uma parcela muito significativa dos preços dos combustíveis e da energia são referentes a taxas e impostos”, a associação reclama que a “situação deve ser resolvida e invertida imediatamente”.
Também o presidente da Associação das Indústrias da Madeira e do Mobiliário de Portugal (AIMMP), Vítor Poças, afirmou esta semana que o aumento de combustíveis é uma “chaga” para o setor, penalizando os custos de transporte e das operações de corte e transformação da madeira.
“A madeira tem um custo de transporte muito elevado, para o transportar a 100 ou 200 quilómetros fica muito caro, porque o custo de transporte aumenta o preço. Com subidas de 50% dos combustíveis, obviamente vamos repercutir isso em viagens de longa distância”, avisou Vítor Poças.
Adicionalmente, disse, as serrações trabalham muito com tratores, empilhadores e outras máquinas, “tudo movido a gasóleo, o que ainda prejudica mais” a atividade.
Na mesma linha, a Associação dos Industriais do Granito (AIGRA), sediada em Vila Pouca de Aguiar, reclamou na quinta-feira a criação, com “extrema urgência”, do “gasóleo profissional”, para ajudar as empresas a enfrentar a escalada do preço dos combustíveis em Portugal.
Se assim não for, alertou, as “empresas vão ter que parar”.
No setor dos transportes, os transportadores de mercadorias estão a preparar-se para definir medidas para responder à escalada dos preços dos combustíveis.
“[…] Em resposta aos apelos das empresas associadas da ANTRAM [Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias] foi decidido alterar o tema do congresso anual – que se realizará nos próximos dias 29 e 30 de outubro –, de forma que o mesmo seja centrado na análise e discussão do aumento dos custos com os combustíveis, e, desta forma, dar voz ao universo associativo e, em conjunto, definir as medidas necessárias para responder a esta crise”, anunciou a associação na quarta-feira, após uma reunião de emergência.
Dois dias antes, tinha sido a Associação Rodoviária de Transportadores Pesados de Passageiros (ARP) a pedir a intervenção do Governo e a alertar que o setor pode entrar em falência ou passar a abastecer em Espanha face ao aumento do preço do gasóleo.
“[…] O aumento exponencial do preço do combustível, que atinge hoje valores à volta de 1,60 euros (gasóleo), limita as empresas na sua atividade, uma vez que esse aumento não poderá ser repercutido no preço dos serviços prestados, pois, por um lado, existem já contratos celebrados que não poderão ser alterados e, por outro, o aumento do preço dos serviços levaria a um afastamento dos turistas”, apontou, em comunicado, a associação.
Para a ARP, é também “incompreensível o tratamento diferenciado” dado ao transporte pesado de passageiros face ao de mercadorias, tendo em conta que para os autocarros tem vindo a ser “sucessivamente recusado” o benefício do gasóleo profissional.
Os alertas vieram também já das empresas de serviço de pronto-socorro, que a Associação Nacional do Ramo Automóvel (ARAN) diz correrem risco de encerramento perante o aumento dos custos, sem atualização de preços pelas empresas de assistência em viagem.
Segundo a associação, os rebocadores vivem “dias dramáticos” face ao aumento “exponencial” dos custos desta atividade, designadamente dos combustíveis, que pesam pelo menos 50% nos custos gerais destas empresas.
No setor agrícola, o presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), Eduardo Oliveira e Sousa, avisou que a subida dos combustíveis está a provocar “um descalabro na economia” portuguesa.
“Com todos os produtos que estejam agora no setor agrícola a ser recolhidos e que foram lançados à terra há três meses, com preços que foram fixados há três meses, como é que é possível amortecer os custos de aumento da energia da forma como aconteceram?”, questiona.
Segundo a CAP, entre maio e setembro, período em que os agricultores mais produziram, o preço do combustível agrícola subiu 60%, pelo que o Governo deveria ter baixado o seu preço na época de maior produção.
Por sua vez, o diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), Gonçalo Lobo Xavier, refere que os consumidores já começaram a sentir o impacto na subida dos preços, nomeadamente quando compram alimentos, e garante que não há como evitar a escalada se o Governo não mexer nos impostos sobre os combustíveis.
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