Em dia de debate sobre o Estado da Nação, o professor universitário Fernando Alexandre aponta a opacidade nas nomeações públicas como um dos pontos mais negativos da governação de António Costa, que acusa de contribuir por esta via para a desvalorização das instituições. Para este economista, o caso chega ao domínio da “negligência total ao nível institucional” conduzida por um primeiro-ministro que, na sua opinião, não tem coragem para assumir que discorda do modelo de nomeações com intervenção decisiva da Comissão de Recrutamento e Seleção da Administração Pública (CRESAP).
“É uma das maiores debilidades da economia portuguesa, que está naquilo que tem sido feito ao nível de instituições reguladoras, com muitos lugares que ainda não foram nomeados e os que o são estão ligados ao governo. Nas direções gerais há uma situação muito grave. Claramente o primeiro-ministro António Costa não gosta do modelo da CRESAP para nomeação dos dirigentes da administração pública. Mas por alguma razão não teve coragem, não quis, adiou mudar o sistema. Não tem mal nenhum discordar do sistema da CRESAP, mas era importante assumir isso, mudar o sistema e dizer porque é que se muda. Agora, manter um sistema como a CRESAP e depois usar processos que levam a que sejam nomeadas pessoas de confiança política é estar a minar completamente as instituições e a introduzir uma opacidade no sistema de nomeação muito grave”, acusa Fernando Alexandre em entrevista à Renascença.
Para este ex-secretario de Estado do Governo de Passos Coelho, outro caso simbólico do Estado de opacidade da Nação no setor público é o atraso sistemático no arranque do Banco de Fomento, marcado agora pela suspensão da nomeação de Vítor Fernandes para a presidência do banco. A associação do seu nome à operação Cartão Vermelho e a Luis Filipe Vieira acabou por travar o processo.
“O Banco devia estar a funcionar a 100% há muito tempo. É um processo atrasadíssimo e agora está outra vez atrasado porque é nomeada uma pessoa que não foi devidamente escrutinada”, salienta Fernando Alexandre, que não aceita que as recentes revelações sobre Vítor Fernandes constituam “uma desculpa” para o processo não avançar. O economista sublinha que a nomeação de um presidente para um banco público que vai gerir fundos europeus ” em relação aos quais a sua aplicação requer toda a transparência” implicava o cuidado de não nomear ” uma pessoa com um passado que está ligado a uma série de casos e períodos negros da Caixa Geral de Depósitos, BCP, depois Novo Banco”
Não há mais ninguém?
O caso do Banco de Fomento e as nomeações de dirigentes interinos levam Fernando Alexandre a pedir a emergência de uma nova geração de altos cargos pelo poder político. O professor da Universidade do Minho lembra que dá aulas a uma geração muito mais qualificada que a sua, que carece de espaço para que possa realizar os seus sonhos em Portugal.
“No final só vamos conseguir mudar o país se conseguirmos ir buscar pessoas novas. Não se pode andar sempre a proteger os incumbentes, aqueles que já são conhecidos e que fizeram coisas, muitas vezes mal, e que depois são premiados com mais lugares. Temos imensa gente boa na casa dos 30 a 40 anos. Não há ninguém de 40 e tal anos que ainda não conhecem, mas que já deu provas de ser uma pessoa supercompetente, com um percurso de excelência nas organizações onde passou, que não esteve envolvida em casos que têm custado milhares de milhões de euros ao país ? Claro que essas pessoas existem. Os políticos têm a obrigação de descobri-las e dar espaço a essas pessoas. Infelizmente com o descuido e a negligência em relação à qualidade das instituições, aparecem sempre as mesmas caras”, denuncia o investigador da Universidade do Minho.
O erro de apenas gastar dinheiro
Fernando Alexandre compreende a aposta na retoma do turismo que, apesar de dominar muito a dinamização da economia, acaba por ser um factor incontornável de crescimento económico e de competitividade no mercado europeu. Por outro lado, o professor da Universidade do Minho coloca dúvidas sobre a qualidade dos gastos com base nos fundos do Programa de Recuperação e Resiliência e do próximo quadro comunitário de apoio.
“No entendimento dos dirigentes políticos portugueses, o efeito dos fundos vai resultar de gastar o dinheiro. O objetivo é gastar o dinheiro e não há nada mais errado do que isso. É óbvio que gastar o dinheiro vai gerar atividade económica, porque alguém vai produzir alguma coisa, vai pagar salários, vai pagar impostos. Mas o que fica a seguir vai depender da qualidade daquilo que é feito, no contexto em que é feito e da resposta que dá às necessidades da economia e da sociedade. Isso só é alcançado se for feito de uma forma que de facto responda às necessidades da sociedade”, afirma Fernando Alexandre para regressar à exigência de as instituições atenderem a essas necessidades com “processos de funcionamento muito claros e transparentes e sobretudo depois obviamente eficazes e eficientes”.
Vacinados mas em recobro lento
No plano do crescimento económico, a recuperação tem sido mais lenta do que aquilo que que se esperava “embora se note já em alguns setores”, ressalva o investigador minhoto. No entanto o processo de vacinação – ” um aspecto muito positivo no Estado da Nação” – pode levar à imunidade de grupo em Portugal após o verão, deixando um horizonte de optimismo em relação ao resto do ano.
“Obviamente há sempre aqui uma grande incerteza em relação ao comportamento do vírus, às variantes e tudo isso. Mas aquilo que a ciência deu neste último ano, apesar de tudo, com a rapidez e eficácia que a vacina tem mostrado, penso que vai ser possível a breve trecho superar pelo menos os efeitos mais negativos da pandemia e retomar a atividade económica de uma forma próxima daquilo que nós tínhamos antes da pandemia”, remata Fernando Alexandre em entrevista à Renascença a propósito do debate sobre o Estado da Nação
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