O anúncio de Donald Trump de que vai impor tarifas comerciais à União Europeia não é surpresa, mas acionou o alerta vermelho em várias bolsas europeias. Será um efeito natural de um tempo que se espera de grande volatilidade nos mercados financeiros, antecipa na Renascença o economista João Cerejeira. Que acrescenta que, numa guerra comercial, ninguém ganha. Se a retaliação firme dos 27 passar por aplicar tarifas à balança de serviços, haverá sofrimento para os Estados Unidos.
Depois do Canadá, México e China, a Europa é a próxima na lista de tarifas comerciais da administração Trump. Que efeito é que isto vai ter na União Europeia e em Portugal?
Talvez comece por Portugal. Quando olhamos para a lista dos produtos exportados para os Estados Unidos por parte de Portugal – e os Estados Unidos já são o quarto cliente das exportações portuguesas – os medicamentos é o principal produto.
Portanto, a imposição de tarifas faz com que este tipo de produto se torne menos competitivo relativamente aos produtos que são produzidos internamente nos Estados Unidos. É negativo para os consumidores dos Estados Unidos, porque vão pagar mais. E é negativo para os produtores portugueses, porque vão ver reduzido o seu mercado. Portanto, é uma situação em que ambos perdem.
Agora, o desequilíbrio do comércio entre a Europa e os Estados Unidos tem dois lados: a Europa, de facto, vende mais produtos, mercadorias e bens aos Estados Unidos do que importa. Portanto, temos um saldo positivo. Mas, quando olhamos para a balança dos serviços, aí já é favorável aos Estados Unidos: quando temos o nosso computador pessoal, temos software que tem licença com origem em empresas americanas; quando utilizamos serviços de cloud; quando temos licenças para ver um filme por streaming, tudo isso são serviços que têm origem nos Estados Unidos e que nós pagamos.
Por isso, é interessante agora saber se estas tarifas também se vão aplicar aos serviços. E, nesse caso, as principais prejudicadas serão as empresas americanas.
Portanto, nas tarifas, não há um vencedor único. Na prática, perdem ambos os lados.
Os mercados financeiros estão todos no vermelho. Portugal não foge à regra. É algo a que vamos assistir nos próximos tempos, ou o movimento de correção será rápido e estamos perante uma reação de momento ao anúncio de Trump?
É natural que nos próximos dias haja alguma correção. Agora, nos próximos dias e semanas vamos notar uma maior volatilidade. Ou seja, mediante notícias que, aparentemente, favorecem o comércio, vamos ter subidas. Se tivermos notícias em sentido contrário, teremos descidas.
Depois, há outro elemento de incerteza: atualmente, o comércio internacional é muito mais complexo. Isto é, o automóvel vendido nos Estados Unidos tem componentes de vários países diferentes. E, muitas vezes, o componente vai adicionando matérias novas, tornando a peça mais complexa. Imagine um componente com origem na China que, depois, é montada nos Estados Unidos vai ao México e volta, novamente, aos Estados Unidos.
Ou seja, há uma enorme disseminação e os efeitos na cadeia de valor são muito mais complexos. Por isso, não podem ser antecipados com muita certeza desde já.
É natural que tenhamos também uma situação de maior pressão para o Banco Central Europeu baixar as taxas de juro
O que é que a União Europeia tem de fazer para responder à ofensiva comercial norte-americana?
Creio que vai fazer exatamente o mesmo que fez o Canadá e o México. Vai impor tarifas no mesmo montante, ou muito próximo daquilo que são as tarifas impostas pelos Estados Unidos.
Mas, talvez seja mais interessante ver qual será a reação das empresas europeias. Porque há empresas europeias que têm filiais nos Estados Unidos. Vamos imaginar, por exemplo, um construtor automóvel europeu que tem uma fábrica nos Estados Unidos. Há muitas empresas alemãs nessa situação, por exemplo. O que é que vai acontecer? Essas empresas vão importar materiais e automóveis cuja montagem vai ser finalizada lá. Portanto, há também um comércio dentro das próprias empresas, em que elas vão ter de ajustar esse perfil comercial, nomeadamente os preços de transferência entre os dois movimentos. Por isso, vão ser tempos muito interessantes para análise económica, mas que vão ser muito mais preocupantes para os consumidores e para os produtores da geral.
E qual vai ser o papel do Banco Central Europeu, caso assistamos a um conflito comercial prolongado com os Estados Unidos?
Uma das estratégias pode ser aquela que seguiu a China há cerca de 10 anos, por via da desvalorização. Ou seja, se o Banco Central Europeu descer as taxas de juro ainda mais do que tem feito ultimamente, o Euro – que já estava a desvalorizar face ao dólar – vai desvalorizar mais, o que pode fazer com que as exportações da Europa fiquem mais baratas quando compradas em dólares.
Isso quer dizer que parte do efeito da tarifa que poderia aumentar o preço das exportações europeias à entrada dos Estados Unidos, se o euro descer face ao dólar, essas exportações vão ficar mais baratas. Portanto, é natural que tenhamos também uma situação de maior pressão para o Banco Central Europeu baixar as taxas de juro, que, acontecendo, terá como consequência a desvalorização da moeda.
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