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Os Estados Unidos da América vão entrar em recessão, mas o cenário será menos “dramático” do que se poderia pensar. A banca funcionará com mais regras e a China que já está a recuperar, demorará algum tempo a atingir os mesmos níveis de crescimento de antigamente. Estas são algumas das previsões de John Plassard, especialista em macroeconomia e diretor no Grupo Mirabaud, com quem o Dinheiro Vivo conversou.
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Hoje todos os mercados estão interligados. O que acontece nos Estados Unidos (ou em qualquer outra parte do mundo) acaba por ter, também, influência na Europa e em Portugal. Um dos “medos” mais recentes prende-se com uma possível recessão no mercado norte-americano. Algo que John Plassard acredita que irá acontecer – e, por arrasto, mais tarde, também na Europa – mas não a um nível preocupante.
Há uma perda – algo generalizada – de perda de confiança na banca. Nos Estados Unidos da América, em grande medida devido à prestação dos bancos regionais, e no cenário europeu, devido ao que aconteceu com o Credit Suisse. O problema, reconhece, é que não é a primeira vez que isto acontece e torna o setor mais frágil. E a questão é que a confiança, depois de perdida, mesmo que seja recuperada, nunca será ao mesmo nível. Além de que demorará tempo. Sem esquecer que é um fenómeno que, na menta das pessoas, pode ser contagioso (a outras entidades bancárias), defende o economista.
Mas nem tudo é mau. Como lembra John Plassard, em 2008, o tempo de reação do Fed foi de três semanas. Uns anos depois, em 2020, aquando da covid, foram necessários apenas três dias. No evento mais recente, este ano, com o BNS (Banque Nationale Suisse), a reação das autoridades foi quase imediata – 24 horas, sublinha Plassard. Porque as possíveis consequências para o sistema financeiro poderiam ser devastadoras. Face a isto, o economista reconhece que “podemos pedir o que quisermos, mas se as pessoas perderem a confiança retirarão o dinheiro (dos bancos)”.
O economista afirma estar mais preocupado com a situação dos pequenos e médios bancos americanos – os chamados bancos regionais. Em 2018, as regras referentes à liquidez dos bancos regionais foram alteradas. Isso permitiu o acesso, por parte de startups, a financiamento – de forma facilitada – mas o problema, aponta, é que quando o stress surge o risco é muito mais elevado. “Quando tudo corre bem pode trazer crescimento para o país”, constata, mas, como está a acontecer agora, as PME têm menos acesso ao crédito.
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John Plassard acredita que o problema ainda não está resolvido, e avança mesmo que a administração Biden deverá pedir mais regulamentação, o que se reflete numa restrição no fornecimento de crédito por parte da banca. Esta criará entraves extra por forma a diminuir o seu nível de risco.
E é por esta razão – uma delas, pelo menos – que o economista considera que os Estados Unidos da América vão entrar em recessão no final deste ano. Há inflação, há as taxas de juro mais elevadas e os empréstimos que vão ficar mais caros.
“Pior já passou” na Europa
Quanto às consequências desta recessão para a Europa, John Plassard diz que ainda são difíceis de prever. Hoje atravessamos um momento em que se está a restaurar a confiança nos bancos europeus. “Acho que vai levar algum tempo, mas o pior já passou”, afirma. Pelo menos num espaço temporal de cinco anos.
John Plassard aponta uma nota curiosa: em 2008 o Credit Suisse esteve para assumir o UBS, por influência do governo. 15 anos depois dá-se a situação oposta, com o UBS a comprar o Credit Suisse por mais de três mil milhões de euros.
Do ponto de vista de um investidor, o economista diz que as apostas estão a acontecer (e vão acontecer) apenas “nos grandes”. “Investiria na bolsa num banco regional? Não”, afirma categórico. Fenómeno que faz com que o economista acredite que no futuro haverá uma consolidação/concentração de bancos. A par disso, adianta, “acredito que será a banca privada quem ganhará clientes”, algo que já se está a assistir na Suíça.
Resumindo, a volatilidade continuará alta, mas mesmo assim o economista mantém o espírito otimista. Com exceção da banca norte-americana.
A abertura da China
Simultaneamente a China está, novamente, a abrir o seu mercado ao mundo. Uma abertura registada desde os dois últimos meses do ano passado e que “é bem maior do que as pessoas pensam”, acredita John Plassard, que a compara a 1978 quando Deng Xiaoping, então líder supremo da República Popular da China tomou a decisão de deixar entrar investidores estrangeiros e de usar as exportações como modelo de negócios do país. E porquê esta comparação? Porque uma das consequências da pandemia no mercado chinês foi precisamente, por um lado, a retração das exportações, levando a que muitos países esgotassem o seu stock. A par disso, a China está a reformular – à base de investimentos elevados – setores como a agricultura, imobiliário, tecnologia e exército.
Em dezembro do ano passado o atual líder, Xi Jinping, fez um discurso semelhante, aponta o economista, que realça que este deu liberdade ao povo chinês para consumir. “Ele teve a inteligência de perceber que se não parasse com a política “zero covid” o Partido Comunista afundaria”.
O que vai acontecer? Será que esta abertura vai lutar de frente com a “nova” estratégia da União Europeia de reindustrializar o mercado? Não. Esta é a convicção de John Plassard, que aponta que o “nosso” modelo baseia-se no preço. Há já muitas décadas. E apesar de já se estarem a construir fábricas fora da China, mais precisamente no Vietname e Tailândia – ainda tendo por base os baixos salários – a verdade é que marcas como a “Apple estão a abrandar a saída da China porque a produtividade nesses países é a metade da registada no mercado chinês”.
Sendo que a Europa depara-se, adicionalmente, com o problema da inflação. O que significa que qualquer produto produzido no mercado europeu vai custar mais. Produzir fora da China significa pagar mais. Com a agravante, aponta o economista, de que o salário não acompanhará esse crescimento. “Mesmo que a inflação diminua continuará a ser superior ao valor dos salários”. Sabendo disto, John Plassard não acredita que haja uma saída das empresas do mercado chinês. Por outro lado, a alteração que está a ser feita no modelo de negócio daquele país – como que uma aproximação ao modelo americano – significará que em poucos anos a maioria do seu PIB virá do autoconsumo.
Mas isso levará o seu tempo. Depois de três anos fechados, os chineses estão ansiosos por consumir. Mas John Plassard não acredita que os valores regressarão rapidamente aos níveis de 2019. Vai demorar tempo. Desde logo porque muitos chineses viram os seus passaportes expirar – e demora (muito) tempo emitir passaportes para 200 milhões de pessoas. Além disso, ainda há países que exigem o certificado covid para passageiros originários da China. E não nos podemos esquecer da inflação. Embora os valores registados no mercado chinês não se comprarem aos europeus, continuam elevados e principalmente têm como consequência o aumento do preço dos bilhetes. O que leva muitos chineses a olharem para o mercado interno em detrimento de tirarem férias noutros países.
Uma Europa mais forte?
“O problema da Europa é cíclico”, aponta John Plassard, dando 2012 como exemplo, onde vários países – Grécia e Itália, por exemplo – registaram um caso de excesso de défice. O caso português, refere o economista, é paradigmático. Efetivamente há um aumento das receitas. O problema é que não é contraposto com uma eficaz gestão da despesa.
E isto é algo cíclico. De tal forma que John Plassard acredita que a Europa, nos próximos anos, ainda “lutará” com a questão do défice – o economista acredita mesmo que a Grécia voltará a estar em problemas – com 180% de dívida, contra os 67% da Alemanha. “Acho que a Europa ainda está frágil”, afirma John Plassard, acrescentando que o problema “são os políticos”.
Um setor onde a Europa pode dar cartas é o do luxo. Nomeadamente com a vinda de turistas chineses. Em 2019 cerca de 159 milhões de chineses viajaram para fora da China e gastaram 250 milhões. Isso significava que todos os meses havia cerca de 12 milhões de chineses que iam a outro país e gastavam 20 milhões. “Prevemos que, no final deste ano, o valor de turistas seja de cerca de cinco ou seis milhões”, aponta John Plassard. Números muito interessantes, nomeadamente para o turismo.
Questionado sobre o setor do imobiliário, nomeadamente o português, John Plassard acredita que os preços irão baixar, mas não de forma dramática. A explicação está em que sim, houve alguma especulação, mas o principal foi que se registou uma mudança de mentalidade, com as pessoas a valorizarem (mais) os imóveis como um investimento de longo prazo. “As pessoas estão satisfeitas com as suas casas e o facto é que não existem habitações suficientes no mercado”, constata o economista. E é isso que está a inflacionar os preços.
O aumento registado nas rendas das habitações entra para o cálculo da inflação europeia. E é por isso mesmo que John Plassard não acredita que esta terá uma grande descida. Não só a energia e os preços da alimentação continuam elevados, como o mesmo acontece com as rendas. E isto fará com que a inflação “não desça tão rápido como se esperaria”. E se a política europeia não conseguir combater (diga-se travar ou pelo menos atenuar) a inflação. o euro pode mesmo vir a desvalorizar (ainda mais) face ao dólar.
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