//Europa vive síndrome Disney. “Tem os melhores jovens e melhores idosos, mas perdeu no meio”

Europa vive síndrome Disney. “Tem os melhores jovens e melhores idosos, mas perdeu no meio”

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A Europa é um viveiro com os “melhores jovens”, mas tem “apetência ao risco” e isso está a prejudicar a captura de investimento no bloco europeu.

Esta é uma das conclusões do painel de debate na conferência “O futuro da Europa: Modelo Europeu e o Esgotamento do Milagre Alemão”, que se realizou esta quarta-feira no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, tendo como ponto de partida o livro “Kaput”, do economista Wolfgang Münchau, que também esteve presente.

António Ramalho, ex-presidente do Novo Banco e atual presidente da Lusoponte, aproveitou para dizer que a Península Ibérica pode ser considerada atualmente de “motor da Europa” e apontou que a União Europeia tem “os melhores jovens”, porque é no bloco europeu que se criam mais startups, e os “melhores idosos do mundo”, mas que pelo caminho “perdeu a capacidade competitiva no meio”.

“Temos o que se chama a síndrome de Walt Disney. Trabalhamos até aos 14 anos muito bem, de repente desaparecemos e quando temos filhos é que descobrimos que a Disney ainda existe”, afirmou, para sublinhar que a União Europeia tem “talento suficiente na criação de valor, ideias e na inovação”, mas que falta preservá-lo e retê-lo.

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Antes, António Ramalho referiu que as seis grandes razões apontadas por Wolfgang Münchau para o “fim do milagre alemão” estão relacionadas com problemas de governação no país, contrapondo as soluções do relatório Draghi ao notar que, retirando o PIB tecnológico dos Estados Unidos, o crescimento da UE e EUA seria exatamente o mesmo nos últimos anos.

“O que se verifica é a revolução tecnológica, que nós não aproveitámos”, sublinha.

“Temos a síndrome de Walt Disney. Trabalhamos até aos 14 anos muito bem, de repente desaparecemos e quando temos filhos é que descobrimos que a Disney ainda existe”

“A Europa vê-se muito indignada com o princípio das tarifas norte-americanas, mas o primeiro continente a regionalizar a sua estrutura e pensamento económico foi a Europa através da Política Agrícola Comum”, afirmou, indicou que depois falta uma “estrutura política” que tenha flexibilidade para permitir que o modelo regionalizado responda às outras potências mundiais.

“Temos mais anos de vida, mas não temos vida para esses anos”

Falando de seguida, Augusto Mateus, antigo ministro da Economia no primeiro Governo de António Guterres, defendeu que a União Europeia é um “projeto de paz” e que a Política Agrícola Comum “não é um instrumento económico, mas sim um instrumento político”.

“Um problema novo, colossalmente importante, é o de que aumentámos em cerca de 18 anos a esperança de vida à saída da vida ativa, mas não temos conteúdo. Temos mais esses anos de vida, mas não temos vida para esses anos. A não ser esperar. Com mais calma, com menos calma. Com mais interesse, com menos interesse”, afirma, referindo que a longevidade “não pode ser tratada como um problema” e que grande parte do crescimento europeu deveu-se à variável demográfica.

Augusto Mateus defende que o caminho “não é separar o mundo rural do mundo urbano, é hibridizar os dois e preencher a longevidade conquistada”, de forma a encontrar uma nova relação entre demografia e economia que estimule o crescimento. O antigo ministro questionou ainda como é possível o bloco europeu ter criado a Comunidade Económica do Carvão e do Aço e agora não ser capaz de criar a comunidade da descarbonização.

“Temos mais anos de vida, mas não temos vida para esses anos. A não ser esperar. Com mais calma, com menos calma. Com mais interesse, com menos interesse”

O analista de Relações Internacionais, João Marques de Almeida, lembrou que a Europa está, segundo muitos críticos, “em crise há mais de 20 anos”, mas recordou as “muitas crises” que China e Estados Unidos atravessam e continuam a atravessar.

“É óbvio que há muitas coisas críticas na Europa, mas a China também tem muitas crises. Tem uma crise de dívida enorme. Os EUA têm uma dívida pública gigantesca e está a acontecer uma coisa que é preocupante: o dinheiro que gastam a pagar juros da dívida é superior ao que gastam no orçamento de Defesa. Se olharmos para a história, isto costuma ser um momento de declínio das grandes potências mundiais”, afirmou.

João Marques de Almeida lembrou que a Europa chegou a ter 300 mil milhões de euros investidos na bolsa norte-americana e que o maior desafio do bloco europeu é, acima da luta entre o euro e o dólar, ter um mercado de capitais que rivalize com Wall Street.

No final da sua intervenção, salientou o “grande otimismo” de Münchau em esperar que os países do Sul da Europa deem lições de disciplina fiscal aos países do Norte da Europa, referindo que a França é o “elefante na sala da União Europeia”, tendo em conta os défices nos últimos anos, considerando que o país é “cada vez mais de sul da Europa”.

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“Tudo o que precisamos é investir. Tudo o resto é secundário”

O autor do livro em discussão, Wolfgang Münchau, começou por elogiar o relatório Draghi, em particular ao nível do investimento de maneira a equiparar o bloco europeu aos Estados Unidos.

“Devíamos estar a investir mais, com valores que devem vir do setor privado, porque os bancos não são feitos para financiar o risco”, indicou, para referir a meta de 5% do PIB europeu anual – que representa cerca de mais 750 a 800 mil milhões de euros por ano para aumentar a competitividade. Para termos de comparação, na altura da reconstrução após a Segunda Guerra Mundial, o Plano Marshall representou cerca de 1 a 2% do PIB europeu.

“Tudo o que precisamos é investir. Tudo o resto é secundário”, sentenciou, referindo que os bancos “são hoje mais nacionalizados do que eram no início do euro, em 1999” e que a “união da banca falhou completamente”: “Temos muitos cargos: supervisores, reguladores, todos os sistemas a funcionarem, mas falhou”, afirmou.

“Há uma piada na Alemanha de que todo o dinheiro nas vossas carteiras vai parar à Volkswagen. Porque é uma aposta segura, mas também não é daí que vem a inovação. Basta olhar para a América e ver que as grandes empresas quase não existiam há 25 anos e não foram financiadas por bancos”, contou, para defender que apenas um mercado de capitais europeu poderá financiar investidores e novos projetos.

Na intervenção seguinte, António Ramalho defendeu que o grande problema é a falta de “apetência a risco” na Europa, o que limita o mercado de capitais, discordando de Wolfgang Münchau de que haverá elementos que explicam a situação atual para além da economia da Alemanha, sublinhando que o perfil “mais poupado” do alemão “pode não ser um elemento de crise”, elogiando a “enorme disciplina a nível financeiro”.

António Ramalho alertou ainda que, apesar do declínio da indústria automóvel alemã, não apostaria contra a economia da Alemanha.

Já Augusto Mateus salienta que a crise atual é “uma crise de oferta”, referindo que o ponto forte da Alemanha é na “média/alta tecnologia” e que a China é especializada no que sobra – a baixa e a alta tecnologia -, e lembrando o papel da unificação do país.

O ex-ministro da Economia rejeitou as comparações na produtividade entre Portugal e outros países em paridades de poder de compra.

“É preciso ter calma, nem tudo tem que ter um número. Não se pode ter listas de PIB como temos de população”, lembrou Augusto Mateus, referindo que a Europa acedeu a uma “igreja que quer ter low-cost [baixo custo] sem ter low-wage [baixos salários]” e que deve procurar “os seus projetos globais”.

A conferência, que marca o arranque das comemorações dos 50 anos da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, contou ainda com declarações do presidente da CCP, João Vieira Lopes, e de um discurso do economista alemão, Wolfgang Münchau.

“Que rumo Portugal não deve deixar de seguir?”

Questionado sobre os desafios que Portugal enfrenta, António Ramalho considerou que o caminho deve passar por “continuar a tentar trazer o máximo de investimento possível”.

“O modelo das coesões de transferências da Alemanha ou dos países superavitários para o resto da Europa em nome da coesão não vai ser passível de ser sustentável a médio prazo”, vaticina.

Nesse cenário, António Ramalho aconselha que o rumo de Portugal deve passar por uma “diplomacia económica ao mais alto nível”.~

“Os países distinguem-se por capacidade de poupança e por terem ou não capacidade de investimento. A Europa ainda tem capacidade de investimento”, argumenta, embora reconheça que a economia europeia “vai deixar de ser superavitária com os modelos tarifário do Trump”.

O presidente da Lusoponte reconhece razão a Münchau nas dificuldades atuais dos alemães. “Estão num desafio enorme”, diz, considerando que o cenário de incerteza é “mais propício à inspiração do sul do que à organização do norte”.

Numa última nota, António Ramalho deu a Europa por derrotada na “campanha tecnológica da inteligência artificial, porque começámos a regular antes de inovar”.

🔴 Direto. Conferência "O Futuro da Europa"

Por seu lado, o antigo ministro da Economia Augusto Mateus, considerou que o futuro de Portugal passa por puxar pelo valor acrescentado produzido em território nacional.

“Quando exportamos o que interessa, é exportar valor acrescentado, não é exportar importações”, refere, dando como exemplo a Autoeuropa: “É uma grande empresa, é um investimento interessantíssimo, mas está do lado do aumento das importações nas exportações. Nós temos um conteúdo importado, absolutamente colossal nas nossas exportações”, critica.

Augusto Mateus não acredita em “incentivar o valor acrescentado que os outros já produziram”. “Eu tenho que incentivar o valor acrescentado que aumenta a qualidade das exportações portuguesas, a sua sustentabilidade, a sua proximidade dos mercados e consumos mais sofisticados”, defende.

O antigo ministro criticou ainda a forma como são usados os fundos europeus, considerando que “não há seletividade na utilização” dessas verbas. “Há uma unanimidade em torno que o que é preciso é gastar o dinheiro dos Fundos Estruturais, bem ou mal, não se discute”.

“Só não é aprovado o que se enganou no formulário”, ironiza.

O analista João Marques de Almeida considera que, “politicamente, os últimos anos não foram muito positivos para Portugal”.

“Há uma coisa boa, na minha opinião. O PCP e o Bloco de Esquerda praticamente despareceram o que acho ótimo para a economia portuguesa. De resto, politicamente, temos assistido a uma acumulação de fraquezas”.

Marques de Almeida lança ainda um repto aos governantes. “Deixem os portugueses construir, criar e inovar. O Estado que deixe os portugueses viver em paz, só atrapalha quem produz riqueza”, apela.

O especialista defende ainda que “há muita coisa para privatizar em Portugal”. “Privatize-se, dê ao mercado e deixe as empresas portuguesas criar riqueza e não as sufoque com regulações e impostos”.

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