A administração local registou um excedente orçamental de apenas 24 milhões de euros em 2023, uma “redução expressiva” face aos 353 milhões alcançados em 2022. Em causa está um aumento da despesa superior ao da receita, segundo o relatório do Conselho de Finanças Públicas (CFP) às contas da administração local (AL) relativas ao ano passado, divulgado esta quinta-feira.
De acordo com estes dados, ainda provisórios, o excedente alcançado também ficou muito longe da previsão de 256 milhões inscrita no relatório que acompanhou a proposta de Orçamento do Estado para 2023 (OE2023).
O organismo liderado por Nazaré Cabral sublinha que, num ano com “melhorias significativas” nos indicadores orçamentais do conjunto das administrações públicas, a AL “evidenciou uma deterioração do excedente orçamental e uma ligeira melhoria na dívida considerada para efeitos do limite legal do subsetor, para o que muito contribuíram as diversas exceções às regras definidas na lei”.
Em 2023, os municípios registaram um aumento da despesa efetiva superior ao da receita efetiva.
O organismo destacou que a receita cresceu 8,7%, acima dos 4,5% estimados no OE2023, o que se deveu mais ao “aumento das transferências, nomeadamente as recebidas ao abrigo das competências descentralizadas, que representaram quase dois terços deste crescimento”, do que ao crescimento das receitas próprias.
A receita fiscal municipal, outra das principais fontes de rendimento das autarquias, cresceu apenas 2,5%, quando em 2022 tinha crescido 12,5%, sobretudo devido à quebra de recolha do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT).
Por outro lado, a despesa cresceu 12,3% em 2023, acima da receita, e quase o dobro do registado em 2022, para o que contribuíram o crescimento da despesa corrente primária e da despesa de capital e juros.
Os municípios tiveram mais despesas com pessoal (13,5%), devido às valorizações remuneratórias de todos os trabalhadores das administrações públicas em 2023 e à transferência de pessoal no âmbito do processo de descentralização, embora neste último caso com “muito menor impacto do que em 2022”.
O CFP realçou que, “como o processo de descentralização não assentou numa contabilidade de gestão, não é possível determinar em que medida essa descentralização se traduziu numa melhoria da eficiência e da eficácia da despesa pública após essa transferência”.
A despesa com a aquisição de bens e serviços é outro dos destaques, com um crescimento de 12,1%, o que é justificado pelo efeito da inflação e também com a influência da despesa relacionada com a descentralização de competências.
No documento, o CFP alerta que os resultados hoje divulgados têm em conta os valores de contabilidade orçamental pública de 300 dos 308 municípios, devido a falhas na prestação de informação por parte de algumas destas autarquias.
Apesar destas limitações para a análise, “existe evidência de que a despesa por pagar dos municípios terá aumentado em 2023, contrariando o decréscimo verificado em 2022, tanto ao nível dos passivos não financeiros como das contas por pagar e dos pagamentos em atraso”, sublinhando o relatório que esta situação se deve à “evolução desfavorável num reduzido número de municípios”.
O prazo médio de pagamentos dos municípios agravou-se em um dia, para 23 dias, apesar de este número não conter os dados de 34 dos 308 municípios, “o que pode enviesar esta comparação”.
A dívida total municipal de 302 dos 308 municípios (dívida financeira e não financeira), que é a que conta para calcular o limite legal de endividamento, reduziu-se de 3.570 milhões de euros para 3.549 milhões.
No entanto, “com base apenas neste indicador”, pelo menos 12 dos 302 municípios para os quais existe informação ainda “estavam acima do limite da dívida total em 31 de dezembro de 2023”, menos três do que no final de 2022.
Esta evolução traduz o decréscimo desta dívida observado em 191 municípios (redução de 266 milhões de euros), que mais do que compensou o aumento reportado pelas restantes 111 autarquias (245 milhões de euros).
No relatório, a entidade alertou que “existe o risco de as administrações locais se tornarem fortemente dependentes do Estado central, não apenas momentaneamente (para o que servirá o Fundo Financiamento da Descentralização – FFD), mas de forma mais estrutural, elevando de forma permanente o peso das transferências do Estado no financiamento da despesa da AL”.
“O que deveria neste momento estar a ser já discutido é de que forma se deverá aumentar a autonomia fiscal destas entidades e aumentar as suas fontes de receita própria para poderem, de forma mais previsível, estável e autónoma fazer face a esta nova realidade. Estas questões, a que se junta a avaliação dos mecanismos de saneamento e recuperação financeira municipal, são apenas algumas a ter em conta numa eventual futura revisão do regime financeiro local”, defendeu o organismo.
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