O que fazer com um excedente orçamental previsto de 0,9% do Produto Interno Bruto (PIB) português? A questão tem surgido no debate político durante os últimos anos, e ganhou importância num contexto de inflação, crise da habitação e contestação de médicos e professores.
Em declarações à Renascença, Manuel Caldeira Cabral, ministro da Economia entre 2015 e 2018, acredita que o excedente orçamental deve ser usado de três formas diferentes: para reduzir a dívida pública, para baixar impostos e “para despesas”.
“Temos as despesas sociais e continuamos a ter muitos grupos que requerem atenção, quer os grupos mais pobres e mais vulneráveis, mas também pessoas que estão a ser especialmente afetadas”, pelo que “uma parte dessa folga deve ir para medidas para esses grupos mais vulneráveis ou mais afetados por questões mais agudas” como o aumento das taxas de juro nos créditos à habitação, defende o antigo ministro de António Costa.
Outra parte deve ir “para o melhoramento dos serviços públicos, que passa por de facto ter melhores condições e melhor gestão nos serviços públicos” e “reforçar o investimento”. Ao mesmo tempo, isso deve incluir “alguns casos de valorizações salariais” que o Governo está a negociar com os sindicatos.
Destinando também o excedente orçamental para “reduzir o endividamento” e baixar o IRS de forma “moderada”, Caldeira Cabral ressalva que, no fim, “a folga já não será muita”, e que “o equilíbrio entre todas estas medidas terá que ser bem ponderado”.
“Despesa é muito rígida” e difícil de reduzir no futuro
Para Álvaro Almeida, ex-deputado do PSD, o excedente apenas deve ser gasto se for estrutural. Porém, “do ponto de vista das finanças públicas” e da sua “sustentabilidade”, optar por aumentar a despesa ou reduzir a receita “não faz diferença em termos imediatos”.
“O que nós sabemos é que a despesa é muito rígida à baixa e, portanto, é mais fácil aumentar os impostos, se for preciso no futuro, do que reduzir a despesa no futuro”, explica o economista social-democrata.
No entanto, usar um excedente orçamental em medidas extraordinárias, como o Governo fez em 2022, é algo “sensato” apenas “se o excedente resultar de fatores extraordinários”, afirma Álvaro Almeida.
“Se resultar de fatores extraordinários, a sensatez diz que deve ser aplicado em despesas extraordinárias. Se resultar de fatores permanentes estruturais, aí a aplicação em fatores extraordinários não me parece uma boa solução, porque se há um excedente orçamental estrutural, deve-se tomar medidas de redução do excedente de forma que sejam estruturais”, esclarece o professor universitário.
Momento deve causar “muita prudência”
Susana Peralta confessa que tem “muita dificuldade” com o conceito de excedente orçamental da forma como tem sido apresentado, e que “custa” perceber a “ideia que Portugal está a nadar em dinheiro”.
Apesar disso, “há um debate relativamente ao equilíbrio que o Governo deve seguir neste triângulo que tem a ver com receita, despesa e dívida”, reconhece a economista. “Pode-se diminuir a receita, mas então, depois o que é que se faz? Diminui-se a dívida ou aumenta-se a despesa?”, questiona.
A professora universitária considera que o atual momento, “de aumentos das taxas de juro”, “enorme incerteza da economia mundial” e em que “estamos a assistir ao desenrolar de uma nova guerra com consequências completamente imprevisíveis”, deve provocar “muita prudência”.
O contexto global difícil também é referido por Manuel Caldeira Cabral, que diz que o Orçamento de Estado de 2024 vai ter “algumas dificuldades” devido a “alguma incerteza para o futuro”.
“Julgo que Portugal está com enormes desafios do ponto de vista dos serviços públicos, e que esses desafios exigem uma resposta que não é só do lado da despesa”, aponta Susana Peralta. “Certamente há melhorias do ponto de vista das políticas públicas que até permitem, talvez, digo eu, poupar dinheiro”, frisa a economista.
Deixe um comentário