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A arquiteta Sílvia Jorge alerta para a “muito baixa” taxa de execução dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para o programa habitacional 1.º Direito, criado em 2018, e para o risco de assimetrias territoriais.
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Em declarações à Lusa, Sílvia Jorge, que trabalha há anos sobre políticas de habitação pública, destaca que “é com o PRR que o 1.º Direito ganha escala”, recordando que o programa recebe a maior fatia dos fundos para a habitação – 1200 milhões de euros, para serem executados “100% a fundo perdido”.
Porém, assinala, “a taxa de execução ronda, neste momento, os 4%”.
A investigadora do centro do Instituto Superior Técnico CITUA (Center for Innovation in Territory, Urbanism and Architecture) chama também a atenção para os riscos sobre a “questão central” da coesão territorial.
Sílvia Jorge, que atualmente participa num projeto de investigação sobre o programa de apoio ao acesso à habitação – que é o sucessor do Programa Especial de Realojamento (PER), criado nos anos 1990 -, fala numa “corrida contra o tempo”, na qual “os municípios não partem todos do mesmo lugar” para dar resposta às situações de indignidade habitacional.
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“Os municípios não têm todos os mesmos recursos, nem o mesmo peso político”, distingue, mencionando que é sobretudo a Área Metropolitana de Lisboa que está “a alavancar, a aceder a mais financiamento”.
Isto quer dizer que “quem vive no Interior esquecido tem menos possibilidade de sair da situação de indignidade habitacional em que está do que quem está nos principais centros urbanos”, compara.
A investigadora ressalva que o benefício “ímpar” de ter fundos europeus disponíveis “a fundo perdido” deve favorecer municípios mais ricos e menos ricos.
“Começámos a implementar as Estratégicas Locais de Habitação ou o 1.º Direito sem ter um programa nacional de habitação aprovado. Isto faz com que, nesta corrida, ganhe quem consegue mais rapidamente chegar ao pote”, aponta.
“Os municípios não estão todos no mesmo pé de igualdade e isso cria, ou acentua, assimetrias territoriais profundas”, repara, considerando que “é urgente pensar o país no seu todo”, para garantir “maior equidade no acesso ao financiamento” e simplificar procedimentos administrativos.
As situações, sublinha, não são todas iguais e nem todos têm capacidade de dar resposta às exigências. Por isso, questiona “o que vai acontecer depois de 2026, em que os municípios vão ter de se endividar ou entrar com receitas próprias para executar o programa”.
A isto acresce a complexidade do problema da habitação, os desafios do PRR no que respeita à certificação energética e outras “exigências técnicas difíceis de garantir” e o preço da construção, em “máximos históricos”, o que resultará em fazer menos com o dinheiro disponível.
No seu entender, como o dinheiro não será suficiente para resolver todas as situações, há que estabelecer prioridades – e o Programa Nacional de Habitação aprovado para o período temporal 2022-2026 deve estabelecer essas prioridades.
Além disso, o 1.º Direito cinge-se somente à habitação e, portanto, é preciso ampliar o leque ou articulá-lo com outros programas. “A habitação não são só quatro paredes e um teto”, é necessário “garantir a qualificação do território, nomeadamente ao nível do espaço público”, bem como no que respeita a serviços, equipamentos e transportes, defende.
É preciso ainda “garantir que as situações mais graves”, como Odemira, no distrito de Beja, ou o bairro de Talude, no município de Loures (distrito de Lisboa), “não ficam de fora”, ainda que não façam parte da lista daquelas “que os municípios querem ver resolvidas”.
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