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Uma garrafa de vinho do Porto ficou, esta semana, 44% mais cara no Reino Unido em consequência da entrada em vigor do aumento dos impostos especiais sobre o consumo de álcool. A medida já era esperada e, apesar de toda a contestação de entidades locais, entrou mesmo em vigor a 1 de agosto. Traduz-se num agravamento do preço final ao público em, pelo menos, 1,5 libras por garrafa. A Wine and Spirit Trade Association (WSTA) fala no “maior aumento de impostos sobre o álcool em quase 50 anos”, que “ameaça a sobrevivência” de empresas de importação e comercialização de vinhos generosos. Em Portugal, teme-se pelo efeito nas exportações totais do setor, já que o “Porto”, só por si, é responsável por um terço das vendas ao exterior, com o Reino Unido a ser o terceiro maior mercado em valor.
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A alteração da tributação fiscal sobre as bebidas alcoólicas é diferenciada consoante o grau alcoólico das bebidas, com um claro favorecimento da cerveja e da cidra em relação aos vinhos importados, e cujo imposto sofre um aumento de 20%. Para um vinho espumante, com 12 graus de álcool (TAV, o chamado título alcoométrico volúmico), está previsto até uma redução de 7%, já os vinhos fortificados, como o Porto, Madeira ou Xerez, vão pagar mais 44%. A associação britânica, a WSTA, considera que os aumentos para os vinhos generosos são “punitivos e totalmente desnecessários” e lamenta que não tenha sido criado para estes um período transitório de 18 meses, como o criado para os vinhos tranquilos, durante o qual será aplicada uma taxa única a todos os vinhos entre os 11,5 e os 14,5 graus de álcool, como se tivessem 12,5.
27,6 milhões de euros é o valor total das exportações de vinhos portugueses, entre janeiro e maio, para o Reino Unido, mais 9,19% do que em 2022. Só o vinho do Porto foi responsável por 8,6 milhões de euros, um crescimento de 30,7%
“Este aumento é muito preocupante, vai seguramente afetar as nossas exportações para este mercado”, diz o presidente da ViniPortugal, que fala num caminho “perigoso”. “Sabemos que, tendo saído da União Europeia, o Reino Unido tem as suas regras, mas isto é perigoso, sobretudo se outros quiserem seguir este caminho de taxação das bebidas alcoólicas como forma de desincentivar o seu consumo”, refere Frederico Falcão.
O presidente do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP) fala numa “espécie de segunda reinterpretação” do brexit. “Em 2020, com o brexit, antecipávamos que pudéssemos ter problemas nas exportações e que não se vieram a verificar no imediato. Agora, com esta medida, quem está do lado de lá tenta evitar o consumo de bebidas importadas”, diz Gilberto Igrejas, que recusa imputar a situação a pressões do lobby da saúde. “Não faria sentido, se fosse por uma questão de saúde, atuar só em algumas bebidas e não no seu todo. Não quero crer que haja aqui um alarme apenas em relação aos vinhos”, sustenta.
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348 milhões de euros é quanto valem os fortificados no Reino Unido. Lamenta a associação britânica, a WSTA, que o Porto e Xerez suportem um aumento de 20 milhões de libras (23 milhões de euros), apesar dos fortificados representarem só 3% das vendas totais de vinhos
Sobre o efeitos esperados, Gilberto Igrejas considera que é cedo para aferir, sobretudo porque os grandes operadores anteciparam as importações adiantando-se à entrada em vigor das novas tabelas de imposto. Os dados existentes comprovam-no, já que as exportações de vinho para o Reino Unido cresceram 9,19% nos primeiros cinco meses do ano, para um total de 27,6 milhões de euros. O IVDP tem já dados de janeiro a junho, mas apenas globais, e que mostram uma quebra de 3,5% nas exportações de vinhos do Douro e de apenas 1,1% no vinho do Porto. Ambas largamente compensadas pelo consumo no mercado nacional, graças ao turismo, que está a crescer 10,4% para o vinho do Porto e 7,7% para os do Douro. No acumulado do mercado nacional e das exportações, o crescimento é de 1,9% face ao primeiro semestre de 2022, mas Gilberto Igrejas admite que esta variação positiva “pode não ser real”, mas sim resultado da antecipação de compras dos operadores britânicos. “Os mercados continuam bastante precários e com a crise inflacionista ainda mais”, frisa.
Combater a inflação é a razão invocada pelo governo britânico para o aumento dos impostos sobre o álcool, mas a WSTA diz que terão o efeito contrário
António Filipe, presidente da Associação das Empresas de Vinho do Porto (AEVP), diz que é “muito cedo” para rever as estimativas, porque o setor embarcou muito vinho do Porto, antes do dia 1 de agosto, para contrariar o impacto da medida, que irá aumentar o preço da garrafa em, pelo menos, 1,56 libras, diz. Possivelmente, só no próximo ano se sentirão os efeitos totais deste aumento de impostos, sendo certo que as estimativas iniciais da AEVP, conhecidas no final do ano passado, quando foi anunciada a nova tabela, apontavam para perdas de vendas no Reino Unido na ordem dos 25%, ou seja, qualquer como 12 milhões de euros a menos.
361,6 milhões de euros foram as exportações totais de vinhos portugueses nos primeiros cinco meses do ano. Um valor em linha com o do período homólogo. Foram 128 milhões de litros, menos dois milhões do que nos primeiros cinco meses do ano passado
Também o CEO da The Fladgate Partnership, que detém marcas de vinho do Porto como a Taylor”s ou a Croft, reconhece que, só lá para o final do ano, será possível avaliar a dimensão do problema. Mas Adrian Bridge alerta para o perigo de efeitos mais profundos, lamentando que isto aconteça no ano em que Portugal e Inglaterra festejaram os 650 anos da aliança entre os dois países.
“Há o risco de muitos supermercados passarem a oferecer uma gama limitada de vinho do Porto na altura do Natal, e não tenham nenhum no resto do ano. Não podemos esquecer que, há 20 anos, quando os supermercados em França começaram a reduzir o espaço nas prateleiras para o vinho do Porto, o volume de vendas caiu automaticamente. E há um risco real de isso acontecer no Reino Unido, que é um mercado fundamental para as categorias especiais, aquelas que suportam o negócio do vinho do Porto”, sublinha. Menos vendas implicará, necessariamente, menos produção, lembra, com os consequentes efeitos na economia duriense.
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