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As famílias residentes em Portugal reduziram de forma significativa (maior corte de que há registo) o volume de alimentos comprados em 2022. No entanto, o valor pago com comida na fatura dos lares portugueses subiu a um ritmo recorde puxado pela inflação galopante e atingiu o maior valor das séries oficiais, indicou ontem o Instituto Nacional de Estatística (INE).
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Ou seja, há sinais inequívocos de que muitas famílias — sobretudo as mais pobres, com menos rendimento disponível, e as mais vulneráveis à subida das taxas de juro porque têm dívidas bancárias a aumentar com o avanço das taxas de juro — estão mesmo a cortar na alimentação para conseguir poupar mais um pouco e aguentar o embate do agravamento do custo de vida.
É isso que indica a quebra no volume. Segundo o novo destaque do INE, que fecha o ano de 2022 em contas nacionais, se não houvesse inflação, a despesa com alimentos teria caído na mesma. Ou seja, as quantidades levadas para casa reduziram-se.
A quebra real (descontando a inflação) foi de 2,3%, a maior das séries oficiais do instituto, que remontam a 1995. É o equivalente a menos 573 milhões de euros em comida face a 2021.
É preciso recuar aos anos de chumbo do programa de ajustamento do governo PSD-CDS e da troika para encontrar um encolhimento nos gastos reais com alimentos. Mas nem nessa altura foi tão grande: caíram 0,7% em 2011 e 1,3% em 2012, mostra o INE.
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Já em valor, a fatura disparou de forma exorbitante, claro, e com maior expressão entre o segundo e o quarto trimestre do ano passado. A guerra da Rússia contra a Ucrânia começou a 24 de fevereiro de 2022.
Assim, o valor despendido pelas famílias residentes aumentou uns expressivos 9,7% (a preços correntes, já com o efeito da inflação), atingindo o maior valor destas séries: quase 29 mil milhões de euros em 2022, refere o INE.
Mas economia cresceu muito na mesma, quase 7%
Já a economia como um todo cresceu muito. “No conjunto do ano 2022, o PIB (produto interno bruto) registou um crescimento de 6,7% em volume [em termos reais, descontando a inflação], o mais elevado desde 1987, após o aumento de 5,5% em 2021 que se seguiu à diminuição histórica de 8,3% em 2020, na sequência dos efeitos adversos da pandemia na atividade económica”, refere o INE.
Em valor (a preços correntes, com inflação), a economia portuguesa aumentou de tamanho, claro, e também ao ritmo mais elevado desde 1996, pelo menos (mais 11,5%), uma expansão explicada em larga medida pela subida dos preços, que permitiu aumentar temporariamente a faturação das empresas, o valor dos bens e dos serviços transacionados e ainda os impostos e contribuições incorporados no valor acrescentado interno.
“A procura interna apresentou um contributo positivo expressivo para a variação do PIB, embora inferior ao observado no ano anterior, verificando-se uma aceleração do consumo privado e uma desaceleração do investimento”.
Dualidade no consumo das famílias
Então, o consumo privado total até avançou. O que aconteceu? Enquanto a despesa real em bens alimentar caiu, os gastos das famílias com bens duradouros (tendencialmente mais comprados pelos grupos com rendimentos superiores, que estão mais resguardados face ao embate da inflação) disparou quase 12%.
A despesa real com os restantes bens correntes (não alimentares) e serviços também andou bem, subiu 7,4% em 2022, diz o INE.
Estes comportamentos ao nível do consumo serviram para compensar o retrocesso no segmento alimentar, colocando o consumo privado a crescer 5% no ano passado.
Além disso, “o contributo da procura externa líquida passou a positivo em 2022, tendo-se registado uma aceleração das exportações de bens e de serviços mais intensa que a das importações de bens e serviços”.
As exportações totais registaram o maior aumento da série do INE (16,7%), acima do ritmo das importações (11%), apesar do choque energético que encareceu brutalmente a fatura com petróleo e gás.
A nota mais desfavorável, se assim se pode dizer, vai para o investimento (FBCF – formação bruta de capital fixo), que abrandou de 8,7% em 2021 para apenas 2,7%.
O investimento em construção quase estagnou (0,8%), mas o segmento dos equipamentos de transporte acabou por salvar a face deste agregado do PIB, avançando quase 10% em termos reais, no ano passado.
Os dados trimestrais, também ontem revelados pelo INE, mostram que o investimento fixo (novo investimento) ficou praticamente estagnado no último trimestre de 2022 face a igual período do ano precedente.
E que o investimento total (que conta com a variação de existências, indicador que reflete apreciações ou depreciações dos bens de investimento em armazém) começou a cair na reta final do ano.
Não havia uma contração neste agregado do PIB desde o tempo da pandemia, quando a economia quase parou, tendo entrado numa severa e histórica recessão.
Teresa Gil Pinheiro, economista do departamento de estudos do BPI, observa que “o contributo da procura interna diminuiu 1,1 pontos percentuais (p.p.) face a 2021, situando-se em 4,7 p.p., resultado da forte desaceleração da FBCF, sobretudo em maquinaria e na construção”.
“Por seu turno, o consumo privado – que vale 65% do PIB – cresceu 5,7%, mais 3 p.p. do que em 2021, resultado da recuperação do consumo de bens duradouros, nomeadamente na componente automóvel e também de uma ligeira aceleração da despesa com bens não alimentares e serviços”, diz a analista numa nota rápida sobre os dados do INE.
A economista repara ainda que “a despesa com bens alimentares contraiu 2,3%” e que “o comportamento das várias componentes do consumo privado evidencia, por um lado, o impacto da inflação na despesa das famílias de menor rendimento – contração do consumo de bens alimentares – e por outro, a percetível concentração de poupanças excedentárias nas famílias de maior rendimento, permitindo a sua canalização para a aquisição de outros bens e serviços”.
Inflação suaviza, mas na comida, não
Ontem, o INE também publicou dados novos sobre a inflação. Esta continua acima dos 8%, mas dá sinais de abrandamento. “A taxa de variação homóloga do Índice de Preços no Consumidor (IPC) terá diminuído, pelo quarto mês consecutivo, para 8,2% em fevereiro de 2023, taxa inferior em 0,2 pontos percentuais (p.p.) à observada no mês anterior”.
No entanto, continua o INE, “o indicador de inflação subjacente (índice total excluindo produtos alimentares não transformados e energéticos) terá acelerado para uma variação de 7,2% (7% no mês precedente)”.
Se por um lado, a taxa de variação homóloga do índice relativo aos produtos energéticos diminuiu para 2% em fevereiro (menos 5,1 p.p. face ao valor homólogo de janeiro), já o custo dos alimentos não dá sinais de tréguas. “O índice referente aos produtos alimentares não transformados terá acelerado para 20,1%”, diz o INE. Em janeiro, o aumento tinha sido de 18,5%.
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