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A maioria das famílias portuguesas só vai conseguir resistir à grave crise inflacionista e energética e ter dinheiro para fazer compras, boa parte delas de bens essenciais, porque irá recorrer como nunca às poupanças, diz o Banco de Portugal, no novo boletim económico.
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Depois de ter atingiu um máximo histórico superior a 19% do rendimento disponível no início da pandemia, as famílias já estão a esvaziar o dinheiro que amealharam nesses tempos de maior clausura.
E vão continuar a rapar o fundo do cofre. Em 2023, esse rácio de aforro dos particulares colapsa para apenas 3,9%, diz o banco central governado por Mário Centeno.
O Instituto Nacional de Estatística (INE) define como taxa de poupança das famílias “a parte do rendimento disponível que não é utilizado em consumo final, sendo calculada através do rácio entre a poupança bruta e o rendimento disponível (incluindo um ajustamento da variação da participação líquida das famílias nos fundos de pensões)”.
Confinamentos ajudaram a poupar
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Durante a pandemia, as famílias, principalmente as que conseguiram manter o emprego e o salário conseguiram reforçar os níveis de poupança de forma significativa num quadro de confinamento e de fortes limitações ao consumo (viagens e transportes, atividades de turismo, idas a restaurantes, a eventos culturais, etc.) o que, naturalmente, permitiu reduzir a fundo a despesa em consumo.
Como referido, foi nessa altura, em plena pandemia, que a taxa de poupança dos portugueses atingiu o valor mais alto da história recente (desde a entrada no euro, pelo menos) no segundo trimestre de 2020, 19,3% do rendimento disponível real (já descontando o efeito da inflação), o correspondente a 6,6 mil milhões de euros no pé-de-meia dos lares nacionais.
O valor apurado diz respeito apenas à parte da poupança financeira, como depósitos e títulos de aforro, registada nesse trimestre. Outras formas de reserva, como investimentos em imobiliário, não são consideradas.
No confinamento do início de 2021, o segundo mais austero da pandemia, estava o país a enfrentar uma vaga enorme de internamentos e de mortes por covid, a taxa de poupança atingiria o segundo valor mais alto das séries oficiais que remontam a 1999, quando Portugal aderiu à zona euro.
Nesse primeiro trimestre do ano passado, o peso da poupança no rendimento disponível real fixou-se nuns impressionantes 14%, quase cinco mil milhões de euros nesses três meses..
Findos esses tempos totalmente atípicos, os confinamentos acabaram e as pessoas retomaram muitos dos hábitos de consumo e mobilidade, o que contribuiu para a normalização do rácio.
Problema: no final de 2021, começou-se a desenhar no horizonte uma nova e grave crise. Foi o regresso da inflação que, poucos meses depois, com o início da guerra da Rússia contra a Ucrânia, se transformou numa violenta crise inflacionista, energética, afetando seriamente áreas vitais da economia, como a alimentação, cujo custo disparou, colocando muitas famílias, sobretudo as mais pobres, no fio da navalha (como escreveu o Dinheiro Vivo, este último sábado).
Os números oficiais do INE dizem que o peso da poupança familiar já está nos 3,9% (segundo trimestre de 2022) e pelas contas do Banco de Portugal deverá cair ainda mais no terceiro e no último trimestre deste ano. Em 2023, a média anual do rácio de poupança deverá ficar colada a esse mínimo de 3,9%.
Recorde-se que em cima da inflação, os portugueses estão a enfrentar o embate violento da subida rápida e compassada das taxas de juro, sobretudo os mais endividados.
No novo estudo, o BdP explica que o consumo das famílias já está a corroer as poupanças e que esse efeito vai causar impacto algures em 2023, quando muitos lares se depararem com o mealheiro quase vazio. Isso empurrará a economia portuguesa, altamente dependente do consumo interno, para um crescimento novamente frágil.
O banco central diz que “em 2023, o aumento muito reduzido do consumo privado está associado à menor almofada financeira das famílias, ao aumento do serviço da dívida [juros] e à baixa confiança dos consumidores”.
Ainda assim, Centeno espera que os portugueses possam recorrer ao que resta no fundo do cofre: “a redução adicional da taxa de poupança contribui para conter a desaceleração do consumo privado” no ano que vem.
O BdP refere que “o rendimento disponível nominal desacelera em 2023 – refletindo a estabilização do emprego e o desaparecimento das medidas temporárias de apoio, a par do aumento do serviço da dívida – e o seu poder de compra volta a estagnar dada a inflação ainda elevada”.
E que “o impacto do aumento das taxas de juro e da inflação sobre a situação financeira das famílias deverá ser mais marcado para os agregados endividados de menor rendimento”, acrescenta.
Sobre os juros, Mário Centeno assinalou, na conferência de imprensa de apresentação do boletim económico, que os portugueses vão ter de pagar bem aos bancos a subida fortíssima das taxas de juro no crédito concedido. Muitos analistas já avisaram que esta pressão deve resultar num aumento das prestações bancárias mensais em várias centenas de euros nos próximos meses.
Já os juros a receber nos depósitos vão continuar baixos e vagarosos nas subidas, observou o governador.
“Em 2023, os efeitos do aumento das taxas de juro sobre o serviço da dívida são maiores, refletindo as subidas observadas ao longo de 2022 e esperadas em 2023, mas a subida das taxas dos depósitos é muito inferior à dos empréstimos, pelo que o seu impacto nos juros recebidos é modesto e inferior, em média, ao do serviço de dívida em todos os quintis de rendimento das famílias”, constatou.
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