As contas não são nada fáceis de fazer. Por um lado, os aumentos e benefícios anunciados pelo Governo, por outro, a inflação e outras variáveis que têm levado os portugueses a perder de compra. Luís Marques, fiscalista da consultora EY, ajuda a perceber como vão ficar as famílias.
Em em média, com esta proposta do Governo, o orçamento das famílias vai ou não ficar melhor?
Pelas contas que fizemos, e tendo por base a atualização dos escalões do rendimento coletável do IRS proposta pelo Governo de 5,1% em qualquer cenário, vai haver um acréscimo do rendimento disponível, seja num cenário em que não tenha aumento salarial sequer, só pelo simples facto de ter devido à revisão dos escalões, bem como aquela diminuição da taxa máxima do segundo escalão, ou seja, de passar de 23 para 21%. Em todos os cenários vai haver um acréscimo do rendimento líquido disponível. A questão que as famílias fazem é se esse acréscimo é suficiente para fazer face às despesas que vão ter que pagar mensalmente, fruto da inflação.
A partir de janeiro, esse dinheiro vai compensar a inflação e se depois, no acerto do IRS do ano seguinte esse aumento não acaba por se diluir?
Como as tabelas de retenção na fonte, que vão vigorar a partir do próximo ano, é expectável que sejam atualizadas e reformuladas em face destes novos escalões, portanto, por essa via, entendemos que não vai haver diferença na situação do final do ano, quando houver o tal acerto de contas com a entrega da declaração modelo três que todos fazemos.
Não haverá agravamento?
Não haverá agravamento e não deverá haver grandes oscilações. A questão que se pode colocar é naquela medida em que o Governo anunciou, que é optativa para fazer face ao aumento das prestações decorrentes de crédito à habitação, em que o cidadão ou o sujeito passivo – o contribuinte – pode pedir à sua entidade patronal para ser retido no escalão imediatamente anterior, para que haja uma menor retenção na fonte e, com isso, uma maior liquidez para fazer face às prestações que tem que pagar junto à instituição de crédito. No entanto, isso não vai distorcer a sua situação fiscal. De facto, essa pessoa, se optar por isso, poderá ter muito menor reembolso no ano seguinte e até pode ter que pagar.
Imaginemos uma família média, um casal em que ambos trabalhem e que ganhem em conjunto, 2.500 € brutos, que tenham dois filhos pequenos. Que alterações é que poderão ter com este orçamento?
Temos aqui uma simulação que se aproxima desses valores, que são 1.300 por pessoa. Neste caso, 2.700. Nesse cenário, temos que ver se tem aumento salarial, se não vai ter um aumento salarial ou se mantém a sua situação.
E se tiverem aumento salarial, que é esse o objetivo do Governo…
Vou apresentar os cenários em três situações: sem aumento salarial, com aumento idêntico àquele que resulta da atualização dos escalões, 5,1%, ou com um aumento mais ambicioso que a entidade patronal lhe possa ter querido fazer, para refletir o efeito da inflação e consideramos aqui 7,8%, que é a taxa de inflação para o ano 2022 que o Banco de Portugal prevê. Nesse caso, o acréscimo do rendimento líquido disponível numa situação sem aumento são 252 euros.
Com um aumento de 5,1% será 1.400 € e com um aumento de 7,8% terá um acréscimo líquido anual de 2.026 €. Não são valores muito relevantes no final do dia, mas ainda assim o que resulta aqui é que não há um agravamento e até há um desagravamento fiscal por via dessa atualização.
São aumentos nominais, digamos assim, a questão é saber se no fim do ano e contas globais feitas são, de facto ou não, aumentos reais?
E uma das questões que se colocava sempre era uma das medidas que é muito reclamada, por exemplo, era a questão do IVA da eletricidade e do gás, passar da taxa normal para a taxa reduzida. Isso sim, poderia ter um efeito muito útil para todas as famílias e para todos os cidadãos.
Deduções à coleta sem atualização podem prejudicar contribuintes
Sobre as deduções ao IRS, as deduções à coleta no próximo ano com educação, saúde, despesas gerais e familiares, etc. não vão ser alteradas. Tendo em conta o possível aumento de rendimentos, isto não vai aumentar a carga fiscal?
O efeito produzido pela atualização dos escalões em si mesmo já é um efeito que permite que haja um desagravamento fiscal. Naturalmente, as deduções à coleta, não tendo sido atualizadas, esse desagravamento não pode ser tão optimizador como poderia ser num cenário de inflação. A única dedução que foi incrementada reside na questão dos dependentes: a partir do segundo dependente [até aos seis anos], há o incremento nas deduções à coleta e aí, sim, pode haver um efeito otimizado de desagravamento fiscal conjugado com a questão dos escalões.
As deduções não são atualizadas e pode haver o risco de prejudicar os contribuintes?
Exatamente e também não foram criadas novas [deduções], nomeadamente a questão do crédito à habitação.
As novas retenções na fonte entram em vigor já em janeiro?
Sim, vão ser atualizadas a partir do final do mês de janeiro, com base naquilo que foi a atualização dos escalões à taxa de 5,1%, conforme proposto pelo Governo. E essas retenções na fonte vão estar alinhadas com esses escalões para não haver grande diferença entre aquilo que é o imposto que as famílias e as pessoas vão pagando ao longo dos meses e o acerto de contas com a entrega da declaração.
Como vai ser beneficiado quem tem crédito à habitação?
Uma das coisas sobre a qual havia alguma expectativa relativamente a esta proposta de lei era se o governo iria repescar uma dedução à coleta, que no passado existiu que era uma dedução referente aos encargos com juros nos créditos à habitação. Isso, infelizmente, não aconteceu. Para a maioria das famílias, o que o governo permite é que, para fazer face ao incremento visível que vai haver nas prestações do crédito à habitação é que as pessoas solicitem à entidade patronal que faça uma retenção menor, ou seja, uma retenção que se aplica relativamente ao escalão imediatamente abaixo ao que seria aplicado e, com isso, aumentar o seu nível de liquidez para fazer face às prestações mais elevadas que vão ter, com certeza, a partir de Janeiro do próximo ano nos créditos à habitação. Contudo, isso em termos de efeito fiscal, é apenas um efeito de tesouraria, digamos assim. Um efeito imediato, tendo mais disponibilidade hoje, vou ter menos reembolso ou, se calhar, até vou pagar mais imposto no final.
Isto é para quaisquer sujeitos passivos, titulares de um crédito habitação, que tenham um rendimento mensal que não exceda 2.700 euros brutos.
Um pai solteiro com um rendimento mensal de 2.000 euros e um filho com dez anos vai ter mais rendimento disponível no próximo ano?
Sim, e vai depender depois da atualização salarial que o contribuinte tiver. Ou seja, se não tiver nenhum aumento salarial, num cenário limite, vai ter mais 205/206 euros de rendimento disponível. Se tiver um aumento salarial em linha com aquilo que foi a taxa de atualização dos escalões, à volta dos 5%, esse efeito já será de cerca de 978 euros de rendimento líquido disponível adicional.
Se tiver um aumento que esteja em linha com a taxa de inflação previsível para o ano 2022, ou seja, 7,8%, conforme dados do Banco Portugal, aí o acréscimo no rendimento líquido será cerca de 1.386 euros.
Jovens são beneficiados e famílias vêm algum desagravamento
Um jovem de 25 anos, que tenha começado a trabalhar no passado mês de julho, com contrato, vai ter benefícios no IRS?
O benefício que vai ter será o mesmo que todos os sujeitos passivos e todos contribuintes terão. Provavelmente, por ter começado a meio do ano, o efeito que vai ter é que poderá ter um reembolso na totalidade do imposto que foi retido ao longo do ano. Isto porque os rendimentos são anualizados e, como ela só trabalhou meio ano, provavelmente vai ter um reembolso integral do IRS que foi descontado desde o mês de julho até, previsivelmente, ao mês ao próximo mês de dezembro.
Um contribuinte que ganhe cerca de 2.500 euros brutos por mês e tenha receio de não conseguir cumprir o pagamento das prestações do crédito à habitação caso os juros continuem a aumentar, o que poderá fazer?
Há duas coisas que pode fazer: primeiro, é tentar renegociar o crédito junto à instituição de crédito onde tem o financiamento; o segundo, pela via fiscal, é a possibilidade de solicitar à entidade patronal que lhe aplique uma taxa de retenção na fonte menor do que aquela que seria devida e com isso aumentar a liquidez.
Um contribuinte com quatro filhos, entre os três e os 16 anos, quanto vai receber de abono de família?
Os abonos de família, assim como todos os apoios sociais, foram atualizados em 8%. Por isso, tudo aquilo que recebe vai ser atualizado em 8% no próximo ano. Não só os abonos de família, como também o Rendimento Social de Inserção, ou seja, todos os apoios sociais sofrem uma atualização linear de 8%.
Quem é que sai a ganhar neste Orçamento do Estado, são os mais jovens, os mais velhos, famílias com filhos?
Penso que o benefício do incremento que o governo propõe no IRS Jovem é uma medida interessante, porque vai alargar os quantitativos da isenção.Por exemplo, um jovem que entre no mercado de emprego até aos 26 anos, e que tenha o nível escolar mínimo que está previsto, que é o 12.º ano, só contam para efeitos fiscais 50% do seu rendimento no primeiro ano, 60% no segundo porque tem uma isenção de 40%. É uma medida que revela uma preocupação do Governo em tentar reter, em Portugal, os jovens com talento para que evitem fenómenos de emigração como aquele que temos vindo a assistir.
Acho que os jovens têm alguma coisa a ganhar e penso que as famílias terão, pela via fiscal, também algum desagravamento.
Consulte aqui todas as simulações* feitas pela consultora EY.
* As simulações da EY tem por base os seguintes pressupostos:
- Assumindo que não existe atualização do rendimento bruto de 2022 para 2023;
- Assumindo que se verificará uma atualização de 5,1% do rendimento bruto de 2022 para 2023 (em linha com a atualização dos escalões de IRS); e
- Assumindo que se verificará uma atualização de 7,8% do rendimento bruto de 2022 para 2023 (em linha com a taxa de inflação prevista pelo Banco de Portugal para 2022).
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