1. Chegámos ao fim desta conferência em que ouvimos líderes dos bancos e de novos operadores falar dos desafios que as suas instituições, o sector financeiro e o país enfrentam nesta nova era digital. Um foco foi comum: o benefício do cliente.
O sistema bancário continuará na próxima década a desempenhar as suas missões fundamentais – a do financiamento da economia e dos cidadãos e a de proporcionar um sistema de pagamentos eficiente e seguro.
Mas irá fazê-lo já neste novo contexto de transformações, algumas disruptivas, que estão a acontecer a um ritmo vertiginoso, que compreende não apenas respostas às alterações comportamentais e interesses dos clientes, às alterações tecnológicas e às preocupações de sustentabilidade ambiental e social, como também ao aparecimento de novos operadores.
2. Permitam-me começar com brevíssimas considerações de caráter mais geral, bem conhecidas, mas que importa ter bem presentes.
O progresso registado nas últimas décadas, tanto no domínio económico, como nas significativas melhorias a nível da educação e do acesso e difusão da informação, do desenvolvimento científico e tecnológico, dos avanços intensos na saúde e na esperança de vida, vem-se traduzindo em patamares muito mais elevados de expectativas e aspirações por parte dos cidadãos.
A crise financeira global e a grande recessão que provocou repercutiram-se na estagnação ou mesmo redução dos rendimentos e da segurança financeira dos cidadãos, provocando um descontentamento visível, com impactos fortes no campo político, tanto na fragmentação partidária, como no avanço dos populismos de direita e de esquerda, dificultando a governabilidade das nações.
Expectativas elevadas, reivindicações naturais, a par de uma percentagem cada vez maior da população inativa, e a existência de desigualdades consideráveis, não têm tido em vários países resposta adequada por parte da classe política e das outras elites. Há uma necessidade urgente de reflexão aprofundada e de procura de respostas para este desconforto latente.
Todos o sabemos, mas importa que não o relativizemos ou nos acomodemos: a única via para dar resposta a aspirações de melhores rendimentos, qualidade de vida, satisfação profissional e promoção social e adequada segurança social no contexto do envelhecimento da população é criar mais riqueza, para a poder redistribuir por todos, com efetiva justiça social, priorizando a proteção dos mais desprotegidos, mas sem recurso a perversos alinhamentos exagerados por baixo, que penalizam as classes médias.
Com efeito, a história comprova que tal não gera prosperidade e progresso. Os estímulos e o reconhecimento do mérito não podem deixar de ser tidos em conta e fazem parte da realização pessoal e profissional do Homem. Não é uma questão fácil de resolver, mas há países que têm praticado soluções satisfatórias.
Importa repetir à exaustão: se não criamos mais riqueza, o país permanecerá vulnerável a choques adversos e os portugueses muito afetados em termos de nível de vida.
Temos, pois, de ser muito mais ambiciosos nas metas de crescimento económico, definindo estratégias consistentes, consequentes e coerentes para o atingir. E podemos – aliás, devemos -, aprender com os vários exemplos de outros países com a nossa dimensão mas com desempenho muito superior ao nosso.
Criar mais riqueza num mundo globalizado requer muito mais investimento reprodutivo, acréscimo significativo da produtividade e um quadro macroeconómico e de reformas estruturais que permitam colocar o país melhor posicionado para a atração de investidores. A estabilidade macroeconómica, fiscal e política e a credibilidade assumem papel relevante na perceção dos investidores.
Uma observação complementar nestas notas iniciais: Embora Portugal se encontre no 36º lugar entre os países com maior PIB p.c. do mundo, desde o séc. XVIII que nos encontramos longe dos mais ricos e desenvolvidos.
Porventura por insuficiência de visão estratégica, ou porque não soubemos ou pudemos aproveitar devidamente as anteriores revoluções industriais, talvez porque não detínhamos qualificações adequadas, ou porque não prosseguimos as políticas económicas mais indicadas, ou ainda porque temos vivido com exiguidade de capital e uma capacidade empresarial tímida e com insuficiente dimensão.
Faltam-nos, de facto, um maior número de grandes empresas e de marcas conhecidas internacionalmente. Podemos viver sem isso? Poder, podemos, mas consegui-lo colocar-nos-ia noutro patamar e seria um catalisador da tão desejada mudança estrutural da economia portuguesa. Levará tempo a conseguir, mas não deveria deixar de ser um desiderato a prosseguir.
Hoje, congratulamo-nos com um crescimento, de facto, muito positivo de 2,7% obtido em 2017, mas temos que estar cientes de que este foi apenas o 18º maior crescimento na UE-28, e num contexto invulgarmente favorável. Além disso, e apesar do grande progresso realizado com a redução significativa do défice orçamental, este continuou a ser um dos mais elevados da UE e a dívida pública a terceira maior em percentagem do PIB.
Estamos em plena 4ª Revolução Industrial – a da era digital, da inovação e da ciência – e possuímos o talento e as competências necessárias, a todos os níveis, que temos o dever de saber utilizar. E para isso há que ter mais iniciativa empresarial, mais empresas com alguma escala sedeadas no nosso país, que aproveitem os benefícios da globalização e da integração, nesta nova era digital.
E precisamos também de políticas públicas capazes de estimular e atrair investimento, o que infelizmente, do meu ponto de vista, não terá tradução suficiente na proposta de Orçamento do Estado para 2019.
3. Este crescimento da economia nunca se fará sem um sector bancário robusto e capaz de responder às necessidades de financiamento das empresas e das famílias.
O sector bancário sempre teve e continuará a ter um papel determinante no financiamento do tecido empresarial português.
Se é indiscutível que a banca nacional foi fortemente afetada pela grande recessão que o país atravessou – e importa não esquecer o que passámos a aprender com as respetivas causas – e pelos danos reputacionais derivados dos casos ocorridos no sector, são também indesmentíveis os progressos entretanto alcançados.
Contrariamente a outros países, não tivemos uma crise bancária que motivou uma crise económica, mas uma recessão muito profunda e longa que afetou a banca.
O esforço muito significativo realizado a partir de 2011, com um quadro regulatório e de supervisão novo, extremamente exigente e complexo, e os bons resultados desse trabalho, realizado pelos nossos bancos, começam a ser reconhecidos: os bancos portugueses estão, de facto, muito mais capitalizados, mais sólidos, mais eficientes e, ao mesmo tempo, desenvolvem modelos de negócio ajustados às novas realidades, e a sua governação foi consideravelmente reforçada, o que lhes permite estar melhor preparados para conceder todo o crédito solvente necessário e financiar o investimento de que tanto necessitamos, contribuindo decisivamente para o desenvolvimento do país.
Os bancos querem e os bancos podem apoiar as nossas grandes empresas, as nossas PMEs e os nossos empreendedores. E estão a fazê-lo, competindo entre si para financiar empresas solventes, com projetos economicamente viáveis, que passem no crivo de avaliação de risco, tal como é exigido no atual quadro regulatório.
E acrescento, o rigor nos critérios de avaliação de risco e concessão de crédito não se aplicam exclusivamente às empresas, estão presentes em todos os segmentos, incluindo no crédito à habitação e ao consumo.
4. A nossa banca está a viver uma nova era, cheia de desafios, sendo os mais prementes: i) o da rentabilidade, ainda manifestamente muito baixa e para a qual é critica a procura de crédito, ii) a continuação da redução dos NPL, iii) a aceleração dos avanços na transformação digital e no tratamento de dados, iv) o reforço da governance, incluindo os temas comportamentais, v) o reforço da formação e da requalificação dos colaboradores e a atração do talento e vi) a reconquista da reputação.
A estes desafios acresce a agenda de reguladores e supervisores. Nas prioridades do Mecanismo Único de Supervisão do BCE para 2019 destacam-se: ainda a questão dos NPL, a necessidade de uma harmonização da legislação europeia aplicável ao sector, de modo a ter um efetivo Single Rule Book e um verdadeiro level playing field (sendo o nosso sistema bancário um dos mais penalizados pela sua insuficiência), a necessidade de olhar para o sector financeiro não regulado, o combate ao cibercrime e à lavagem de dinheiro e a finalização da União Bancária.
E às preocupações tradicionais juntam-se, agora, novas questões.
Dos três pilares da atividade bancária – responsabilidade social e fiduciária, risco e confiança – o da responsabilidade social assume novas dimensões, envolvendo o benefício social e ambiental. No domínio do risco, passam a ter que ser contemplados novos critérios. Relativamente à confiança, os comportamentos éticos e relacionais adequados aos objetivos e interesses dos clientes assumem a maior relevância.
5. Uma palavra especial é devida aos novos e importantes desafios, tanto para as instituições como para legisladores, reguladores e supervisores, que derivam da transformação digital em curso e do crescimento do sistema financeiro não regulado (shadow banking, crowdfunding, criptoassets, etc).
A aplicação das tecnologias digitais no sector implica também uma formação digital dos consumidores para uma mais completa utilização das funcionalidades. E deve integrar-se nos projetos de educação financeira.
Como já tive oportunidade de referir em intervenções públicas anteriores, a inovação tecnológica está a facilitar o aparecimento de novos atores no mercado de serviços financeiros e as instituições financeiras incumbentes, quer por via das novas necessidades dos clientes e das oportunidades que a tecnologia oferece, quer pela pressão concorrencial dos novos players, estão a mudar e a adaptar os seus modelos de negócio.
Estas mudanças contribuem necessariamente para aumentar a eficiência do sector e melhorar a experiência dos clientes bancários, mas, ao mesmo tempo, provocam uma alteração profunda da natureza dos riscos a que o sistema financeiro está sujeito.
A rápida disseminação das empresas de tecnologia financeira, do shadow banking e dos criptoativos introduz novos riscos que obrigam a mudanças no modelo de regulação e de supervisão.
O sector bancário, ele próprio uma fintech, está na linha da frente da inovação, que acolhe com grande entusiasmo e interesse. Acredita na economia de mercado e, inevitavelmente, na concorrência, que sempre foi benéfica para consumidores e um estímulo para os operadores.
Apenas pretende tratamento regulatório idêntico entre incumbentes e entrantes, preservando a confiança dos clientes, e garantido a segurança, a estabilidade financeira e a integridade do sistema.
Este aspeto é particularmente crítico para o sector bancário quando a grande ameaça ao negócio bancário surge, não das startups FinTech – onde o caminho tem sido, acima de tudo, o da cooperação -, mas dos operadores das grandes plataformas digitais, os designados GAFA (Google, Amazon, Facebook, Apple), todos eles entidades não europeias. Estas entidades possuem muita informação sobre os clientes, o que lhes permite oferecer produtos e serviços “tailormade”, de uma forma que, no limite, exclui os restantes operadores, incluindo os prestadores de serviços financeiros incumbentes.
Quanto aos criptoativos (Bitcoin e ICOs), que não são moeda, pois a sua volatilidade claramente os desqualifica como tal, emergem como principais preocupações a prevenção da lavagem de dinheiro e do financiamento do terrorismo e a segurança dos utilizadores.
Autoridades regulatórias e de supervisão sectoriais, autoridades de concorrência, e os próprios operadores encontram-se num processo de aprendizagem e a desenvolver um intenso trabalho de adequação do quadro legal e regulatório a esta nova realidade, com o objetivo último de garantir a segurança dos clientes e a estabilidade financeira.
O futuro do dinheiro, do seu manuseamento, está na mão do cliente, das suas necessidades, conveniências e opções, e dos operadores, bancos e outros, na sua capacidade de resposta a um novo e desafiante paradigma.
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