//Filipe Grilo: “Pode haver algum receio de instabilidade financeira nos bancos mais pequenos”

Filipe Grilo: “Pode haver algum receio de instabilidade financeira nos bancos mais pequenos”

A Série F dos Certificados de Aforro, disponível desde dia 5, oferece uma taxa de juro de 2,5%, menos um ponto percentual do que a edição anterior, mas também prémios de permanência mais modestos e maturidades mais longas. Ainda assim, este continua a ser um instrumento de poupança interessante face à oferta de produtos com capital garantido na banca nacional, que anunciou, entretanto, depósitos a prazo com juros mais altos do que os praticados até agora. O economista e professor da Porto Business School, Filipe Grilo, falou com o Dinheiro Vivo sobre a motivação do governo para alterar as condições da Série E, a literacia financeira em Portugal e outras opções de investimento.

As alterações das condições dos Certificados de Aforro, com o lançamento da Série F, são um desincentivo à poupança da classe média?

Este corte na taxa de juro desincentiva a poupança. E não foi só o corte da taxa de juro, mas também o corte do prémio de permanência e o aumento do prazo, que torna o produto muito mais desinteressante. A classe média conseguiu poupar no período covid e isso permitiu acumular uma almofada interessante, que está a ser usada para pagar os seus empréstimos, que estão mais caros, mas também para investir em Certificados de Aforro. Numa primeira fase, a poupança foi aplicada mais nas Obrigações do Tesouro, que davam uma remuneração mais alta, mas depois, com a inversão da política monetária, os Certificados de Aforro tornaram-se mais relevantes e as pessoas migraram de um produto para o outro.

Que análise faz das razões que levaram o governo a fazer estas alterações? Foi o receio de colocar em causa a saúde financeira da banca, com uma fuga de depósitos para os Certificados de Aforro?

Para mim, o que está a acontecer é que a decisão, em termos políticos, não faz sentido, é uma espécie de suicídio político. O argumento que o Instituto da Gestão da Dívida Pública usou – de que vamos poupar dinheiro na gestão da dívida – também não faz sentido. À letra, isso é verdade, ou seja, o Estado português vai poupar. Mas politicamente fica mais difícil de vender esta ideia porque Portugal não precisa deste dinheiro. O país vai poupar, no máximo e com contas muito conservadoras, 160 milhões de euros, que não é um montante por aí além se compararmos, por exemplo, com o aumento extraordinário das pensões, que foi de mil milhões de euros. A verdadeira razão tem, de facto, a ver com os depósitos, mas não com os dos grandes bancos. Ao longo destes últimos anos, os grandes bancos tiveram acesso ao chamado quantitive easing. O Banco Central Europeu comprou-lhes títulos de dívida e, portanto, a grande banca neste momento está cheia de liquidez. E é por isso que os juros dos depósitos não estão a aumentar por aí além. O problema está nos bancos pequenos e médios, que não tiveram acesso ao quantitive easing e dependem muito mais dos depósitos. E a partir do momento em que começa a tal migração dos depósitos para os Certificados de Aforro, estes bancos começam a tremer.