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As taxas de juro da zona euro pararam finalmente de subir, após um aperto histórico e violento que, na prática, durou 16 meses.
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O Banco Central Europeu (BCE) congratula-se já com os sinais de recuo na atividade económica e na procura que, acredita, traduzem-se numa pressão decisiva que faz com que os preços de bens e serviços continuem a descer em toda a linha (garantem menos inflação, como pretende o BCE).
Mas, há uma nova e “imprevisível” ameaça que baralha este plano: a escalada da guerra na Faixa de Gaza e em Israel pode produzir mais inflação, por exemplo.
Quem o diz é a própria presidente do BCE, Christine Lagarde, que apontou para novos riscos que emergem da escalada do conflito entre Israel e o Hamas, o grupo terrorista que controla a Faixa de Gaza, na Palestina.
Este novo quadro pode fazer descarrilar, de novo, os preços da energia e trazer de volta a urgência em apertar ainda mais os juros.
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Mas, por outro lado, a guerra também vem complicar as opções em cima da mesa do BCE: se levar a um novo golpe na confiança das famílias e empresas, a autoridade monetária pode ficar novamente entre a espada e a parede, pressionada a subir mais os juros para arrefecer os preços, mas com o ónus de estar a arrastar a economia e a travar ainda mais o crescimento e o emprego.
Ontem, na conferência de imprensa que serviu para anunciar a esperada pausa na subida das taxas de juro, do ciclo de aperto que durava desde junho de 2022, quando as taxas diretoras estavam em 0% ou mesmo negativas, Lagarde confessou que os banqueiros centrais do euro se defrontam com um novo dilema ou problema. Em cima da guerra da Ucrânia, há agora esse outro e sangrento “conflito”.
“A guerra injustificada da Rússia contra a Ucrânia e o trágico conflito desencadeado pelos ataques terroristas em Israel são importantes fontes de risco geopolítico”, declarou a líder do BCE.
“Estamos a acompanhar a situação, estamos muito atentos às consequências económicas que isso poderá ter em termos de impacto direto ou indireto nos preços da energia, mas também no nível de confiança dos agentes económicos”, acrescentou.
Com este crescendo de violência, a presidente do BCE observou que os preços da energia tornaram-se “menos previsíveis” e que “as tensões geopolíticas acrescidas podem fazer subir a inflação dos produtos energéticos no curto prazo, tornando também as perspetivas de médio prazo mais incertas”.
Com duas guerras de elevada atrocidade às portas da União Europeia, Lagarde não esconde que “os riscos em alta para a inflação podem advir de custos dos produtos energéticos e dos produtos alimentares mais altos”.
Mas há um dilema aqui. Se as guerras deixam o BCE de atalaia em relação ao perigo de mais inflação, os conflitos também trazem riscos para o crescimento, algo que serve de travão ao impulso do BCE em subir juros logo que pressente uma ameaça inflacionista.
“Os riscos para o crescimento económico permanecem enviesados em sentido descendente. O crescimento poderá ser menor, se os efeitos da política monetária se revelarem mais fortes do que o esperado. Uma economia mundial mais fraca também pesaria sobre o crescimento”, avisou a líder do BCE.
E prosseguiu dizendo que a guerra da Rússia contra a Ucrânia e o “conflito” em Gaza são dois vetores que poderão “tornar as empresas e as famílias menos confiantes e mais inseguras acerca do futuro, e travar ainda mais o crescimento”.
Fim ou pausa?
As taxas de juro da zona euro ficaram, esta quinta-feira, finalmente estabilizadas em máximos, após um ciclo de subidas muito agressivo, que começou após junho de 2022, a última vez que a taxa diretora esteve em 0%. Hoje, esse custo de refinanciamento cobrado aos bancos está em 4,5%. Os bancos depois refletem esse encargo no custo dos créditos.
Da mesma forma, este movimento também aconteceu na taxa mais relevante para os bancos que se financiam junto do BCE (a taxa de depósito), que passou de um valor negativo (-0,5% em junho de 2022 para os atuais 4%, também aqui um recorde desde que a zona euro foi fundada, no final dos anos 90) para os atuais 4%.
E será que o tour de force das subidas terá terminado? Terá sido um fim mais definitivo, ou não? Os analistas consideram que é melhor chamar-lhe “pausa”, até ver.
Na verdade, ontem o BCE não se atravessou ou comprometeu com nada, tal é a incerteza que paira sobre a economia e a inflação, agora com a operação mortífera que Israel lançou sobre a Faixa de Gaza após o massacre que o Hamas conduziu há três semanas em Israel.
Christine Lagarde disse na conferência de imprensa, que teve lugar, extraordinariamente, em Atenas, que “é totalmente prematuro” começar a falar em descidas de taxas de juro. A maioria dos analistas só vê um alívio mais para o verão ou final do ano que vem.
Para já, é uma “pausa”
Para o gabinete de estudos do BPI, “o relativo otimismo do BCE reflete uma maior confiança na luta contra a inflação (o principal objetivo do banco central, e onde os últimos dados oferecem sinais mais positivos)” mas, ao mesmo tempo, “o BCE vê fraqueza e fracas perspetivas para os próximos meses na atividade económica”.
Os peritos do BPI Research assinalam que “o BCE recordou que as expectativas de inflação permanecem demasiado elevadas durante demasiado tempo” e “reiterou a sua intenção de manter uma política monetária restritiva durante algum tempo”.
Essa mensagem mais musculada aparece em três pontos do discurso de Lagarde. Ela explicou que a decisão de manter as taxas equivaleu a “atuar com inação”.
Sinalizou ainda que “o facto de se manterem as taxas não significa que não possam ser aumentadas novamente no futuro”.
E deixou claro que “discutir possíveis cortes seria totalmente prematuro, em parte porque não há visibilidade enquanto as negociações salariais e coletivas para 2024 não estiverem resolvidas”, juntam os economistas do BPI.
Finalmente, “em relação à guerra de Gaza, o BCE reconheceu um aumento da incerteza, mas também observou que, atualmente, numa economia europeia com taxas de juro elevadas e uma atividade enfraquecida, os efeitos de um choque energético sobre a inflação não são comparáveis aos da guerra na Ucrânia”, diz o BPI.
Carsten Brzeski, economista-chefe para a área de macroeconomia global do grupo holandês ING, considera que o BCE decidiu fazer uma “pausa” nas taxas de juro. Lagarde diz que “é dependente dos dados” que vão chegando, portanto, o melhor será esperar para ver.
“No que diz respeito à inflação, o BCE não alterou a sua opinião, considera que a inflação subjacente continua a descer, esperando que as expectativas de inflação a longo prazo se situem em torno do nível de 2%”, começa por referir o economista.
É verdade que “o impacto de um novo choque nos preços do petróleo parece ser menos direto do que o previsto”, mas, “ao mesmo tempo, os acontecimentos em Israel e Gaza, bem como a montanha-russa dos preços do petróleo, recordaram a todos a incerteza e a imprecisão das previsões de inflação”.
No entanto, ao lado disto, há sinais de que a economia está a vacilar e de que os juros estão a subir mesmo sem aumentarem mais as taxas.
“A situação económica na zona euro está a deteriorar-se mais e mais rapidamente do que o BCE tinha previsto” e “a subida das taxas de rendibilidade das obrigações soberanas desde a reunião de setembro reforçou o impacto do aperto desejado pelo BCE, até à data”, descreve o economista.
Ou seja, para Brzeski, “em caso de dúvida, uma pausa”.
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