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O comércio global entrou numa fase de “fragmentação” por causa da guerra da Rússia contra a Ucrânia, das ruturas nas cadeias de abastecimento globais (que afetam o comércio de matérias primas) e devido à polarização crescente entre países “amigos” da Ucrânia e ou outros, mais “distantes” e próximos da Rússia e da China.
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Esta fatura no comércio pode custar a prazo o equivalente a um ano de produção de riqueza na Alemanha e no Japão, alertou ontem (quinta-feira, 6), Kristalina Georgieva, a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Além disso, a chefe máximo do antigo credor de Portugal (do tempo da troika), revelou que o ritmo de crescimento real da economia mundial (já descontando a inflação) deve estagnar em torno dos 3% “nos próximos cinco anos”, sendo que este ano “90% dos países avançados [mais ricos e desenvolvidos]” travam a fundo por causa da crise provocada pela guerra e da subida grande e rápida das taxas de juro.
No final de janeiro, nas previsões intercalares, o FMI apontava para um declínio no crescimento global de 3,4% em 2022 para 2,9% em 2023.
Nessa altura, a instituição gémea do Fundo, o Banco Mundial (BM), previu pior: surpreendeu com uma projeção de crescimento global de apenas 1,7% em 2023, levando muitos analistas a falarem de “recessão” iminente no globo.
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Vários economistas consideram que um crescimento global abaixo de 3% pode significar, na prática, uma recessão.
Georgieva nunca usa a palavra recessão, mas o tom – no discurso de lançamento dos encontros da primavera do FMI/BM, que começam na próxima segunda-feira e terminam no domingo (dia 16) – é sombrio na mesma.
As previsões para a esmagadora maioria dos países do mundo (cerca de 190), Portugal incluído, serão divulgadas na próxima terça-feira (dia 11), no Panorama Económico Mundial (outlook).
Para já, a chefe do FMI diz que, pelas novas contas da instituição sediada em Washington, “após uma forte recuperação em 2021”, bastante explicada pela base baixa provocada pela pandemia em 2020, “veio o choque severo da guerra da Rússia na Ucrânia e as suas consequências”.
“Em 2022, o crescimento global caiu quase para metade, de 6,1% para 3,4%. E o abrandamento continuou este ano.”
Contudo, Georgieva receia que a guerra se prolongue e que a fratura na globalização provocada pela inimizade e distância crescente entre blocos económicos (que dantes cooperavam melhor ou um pouco mais), venha a ferir seriamente a economia como um todo.
“Os nossos estudos mostram que o custo a longo prazo da fragmentação do comércio pode atingir 7% do PIB [produto interno bruto] global – o que equivale à produção anual combinada da Alemanha e do Japão”, exemplificou a dirigente.
“Se a isto adicionarmos uma separação no acesso a tecnologias, então alguns países poderão vir a ter perdas de até 12% do PIB”, somou Georgieva.
Em cima disto, “a fragmentação dos fluxos de capital, incluindo o investimento direto estrangeiro (IDE), seria outro golpe para as perspetivas de crescimento global”.
“As perdas combinadas de todos estes canais [de transmissão] podem ser difíceis de quantificar, mas é evidente que todos vão na direção errada”, lamentou.
Este ano vai ser complicado
“Apesar da surpreendente resistência dos mercados de trabalho e da despesa dos consumidores na maioria das economias avançadas, e de uma maior reabertura da economia chinesa, esperamos que a economia mundial cresça menos de 3% em 2023”, afirmou a economista de origem búlgara.
“Projetamos que o crescimento global se mantenha em cerca de 3% durante os próximos cinco anos”, mas esta é “a nossa previsão de crescimento a médio prazo mais baixa desde 1990, e bem abaixo da média de 3,8% das duas últimas décadas”, observa a líder do FMI.
“Isto torna ainda mais difícil reduzir a pobreza, curar as cicatrizes económicas da crise da covid e proporcionar novas e melhores oportunidades para todos”, acrescentou.
Índia e China valem metade do crescimento mundial
“Como verão no nosso novo outlook, o crescimento permanece fraco em termos históricos – tanto a curto, como a médio prazo” e “também existem diferenças acentuadas entre grupos de países, sendo que a Ásia, em especial, é um ponto que se destaca pela positiva”.
“Espera-se que Índia e China contribuam para metade do crescimento global em 2023”, acrescentou a chefe do Fundo.
Em contrapartida, no mundo dos países ricos, o impacto da crise no ritmo da retoma é maior.
“Outras economias têm pela frente uma subida mais íngreme no crescimento. A atividade económica está a abrandar nos Estados Unidos e na Zona Euro, onde as taxas de juro mais elevadas pesam sobre a procura”.
Segundo Georgieva, “cerca de 90% das economias avançadas deverão registar um declínio na taxa de crescimento este ano”. Será o caso de Portugal e de tantos outros na Europa, por exemplo.
Preocupada com a estabilidade financeira
Apesar de ser a favor da subida das taxas de juro dos bancos centrais para deter a inflação, Georgieva pede “vigilância” nas consequências sobre a economia e a estabilidade financeira.
“Os bancos centrais devem continuar a utilizar as taxas de juro para combater a inflação, enquanto utilizam políticas financeiras para assegurar a estabilidade financeira. Esta é a linha de ação correta, mas desde que as pressões financeiras continuem a ser limitadas.”
Caso isto se altere, “os decisores políticos enfrentarão uma tarefa ainda mais complicada, com difíceis compensações entre os seus objetivos para a inflação e a estabilidade financeira”. “É por isso que precisam de estar mais vigilantes e mais ágeis do que nunca”, diz Georgieva.
Novo cenário para Portugal na semana que vem
Mesmo com novos dados que apontam para um crescimento menos deprimido, as últimas previsões para Portugal dizem que a atividade económica pode avançar apenas 1% (Comissão Europeia, em fevereiro), 1,8% (Banco de Portugal, em março).
O governo português tem mantido a projeção de base do Orçamento do Estado para este ano (OE2023): diz que a economia pode avançar 1,3% em 2023.
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