O défice público de Portugal vai ser o triplo do que prevê o governo. Em vez de 0,2% do produto interno bruto (PIB), o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta 0,6%, revendo assim em alta o valor avançado no final de novembro (de 0,4%, segundo a missão do Fundo que acompanha o país) ou no início de outubro (0,3%, nas perspetivas de outono).
De acordo com o novo Panorama Económico Mundial (edição da primavera), ontem divulgado, o FMI considera que as medidas existentes vão dar um défice de 1354 milhões de euros em 2019, e não de 409 milhões de euros, como reafirmou o governo no reporte dos défices que o Instituto Nacional de Estatística (INE) enviou para Bruxelas no final do mês passado.
É uma diferença substancial, sendo que a missão que acompanha o pós-programa de ajustamento até já tinha explicado algumas das razões que explicam o desvio nas contas.
O défice mais elevado “reflete um crescimento económico mais moderado” e a implementação de medidas como “o descongelamento das progressões nas carreiras” dos funcionários públicos, por exemplo.
Há ainda outras despesas que ajudam a explicar este deslizamento na meta do défice. Por exemplo, o Novo Banco vai precisar de um empréstimo muito maior do que está previsto no Orçamento do Estado deste ano (OE2019). “O montante de recapitalização pode atingir 1149 milhões de euros em 2019, mais 749 milhões de euros do que o previsto no OE2019, confirma o Conselho das Finanças Públicas (CFP). No OE estão reservados apenas 400 milhões de euros para o efeito.
Já o peso da dívida cai, mas menos do que o esperado. Em vez de recuar para 117,9% do PIB (cálculos da missão do FMI) ou para 117,2% (previsão do outono), a instituição dirigida por Christine Lagarde diz agora que o rácio da dívida desce para 119,5% do produto.
Esta quarta-feira, Vítor Gaspar, diretor do departamento de contas públicas do FMI, apresenta o estudo Monitor Orçamental, que irá reiterar estes valores, avançados na véspera no Outlook. Avançará ainda com outros elementos que enquadram a situação portuguesa no contexto internacional.
FMI corta crescimento e sobe taxa de desemprego
De facto, o crescimento interno está a perder força, o que contribuirá para atrasar a redução do défice como quer o primeiro-ministro, António Costa, e o ministro das Finanças, Mário Centeno. Estes têm vindo a ensaiar que é bem possível que o governo termine este ano já muito próximo do equilíbrio orçamental (0%), mas o FMI diz que não. Segundo as contas atualizadas, o país vai ter de esperar até 2021 para que tal aconteça (ano em que deverá registar um excedente de 0,4%).
A recuperação da economia portuguesa vai perder mais alguma força este ano face ao esperado anteriormente. Avançará cerca de 1,7% e a taxa de desemprego descerá menos, ou seja, foi revista em alta de 6,5% (final de novembro) para 6,8% da população ativa, indicou ontem o Fundo. O governo fez o Orçamento de 2019 assumindo que o desemprego fica nos 6,3%.
A instituição sedeada em Washington alinha agora a sua projeção de crescimento pela mesma bitola da Comissão Europeia (que em fevereiro projetou igualmente 1,7% de retoma em 2019) e do Banco de Portugal (previsões de março). O Conselho das Finanças (CFP) está um pouco mais pessimista já que projeta um crescimento de 1,6%. No Outlook do outono, o FMI esperava que Portugal crescesse 1,8% em 2019, valor que a missão que acompanha o País manteve no final de novembro.
Todos os novos cenários que se estão a formar são notoriamente mais adversos que o previsto pelo Governo. A conjuntura internacional está cada vez mais apertada, avisa o FMI.
Acresce que o orçamento atualmente em vigor (OE2019) está construído em cima do pressuposto de que a economia interna vai avançar 2,2%, mas Centeno já disse, em entrevista à SIC, que deve corrigir a sua previsão relativa a este ano para 2%. Já a meta do défice ficará intacta, revelou o INE.
Na semana que vem (dia 15), as Finanças vão atualizar o cenário macroeconómico e as linhas orçamentais até 2023 (abrangendo toda a próxima legislatura).
Europa piora e fora dela quase tudo piora também
No novo Outlook, Portugal sofre um corte de uma décima no crescimento, mas a zona euro foi mais penalizada. A área da moeda única só deve crescer 1,3% este ano, a pior marca desde a última crise (em 2013, a zona euro estava em recessão, a economia sofreu uma contração de 0,2%, segundo o próprio FMI). A região está a ser arrastada pelo abrandamento das suas maiores economias.
A Alemanha, a maior delas, só deve avançar 0,8% em 2019 (corte de cinco décimas face à atualização do Outlook feita em janeiro último), França cresce 1,3% (menos duas décimas) e Itália está virtualmente estagnada com uma expansão de apenas 0,1% (menos 0,5 pontos percentuais).
E nem Espanha escapa. Pelas contas do Fundo, o maior parceiro económico da economia portuguesa cresce 2,1% este ano, menos uma décima face ao esperado em janeiro.
As explicações do FMI
O FMI refere que “após um forte crescimento em 2017 e no início de 2018, a atividade económica global desacelerou notavelmente no segundo semestre do ano passado, refletindo uma confluência de fatores que afetam as principais economias. O crescimento da China reduziu-se após uma combinação de mais regulação para conter o sistema bancário paralelo e um aumento nas tensões comerciais com os Estados Unidos”.
“A economia da zona euro perdeu mais dinamismo que o esperado, uma vez que a confiança dos consumidores e das empresas enfraqueceu e a produção automóvel na Alemanha foi interrompida pela introdução de novas normas para as emissões” de gases poluentes.
Em Itália, “o investimento caiu à medida que as taxas de juro soberanas aumentaram; e a procura externa, especialmente dos países emergentes da Ásia, diminuiu”.
Desastres e condições financeiras menos amigas
Noutros pontos do mundo, o FMI menciona os “desastres naturais que prejudicaram a atividade no Japão”, bem como as referidas tensões comerciais “que penalizaram cada vez mais a confiança das empresas e, assim, o sentimento do mercado financeiro”.
As condições financeiras, isto é, a abundância ou facilidade em obter capital e crédito, acabaram por ficar mais “apertadas” nos mercados emergentes a partir da primavera de 2018 e depois disso “nas economias avançadas no final do ano”, o que também “pesa” na procura global, refere a instituição de Washington.
Nesse aspeto, nem os Estados Unidos escapam ao clima global mais sombrio. A maior economia do mundo deve crescer 2,3% este ano, abrandando para 1,9% no ano que vem. Em 2019, a revisão em baixa ronda as duas décimas, indica o FMI.
Tudo somado, o crescimento mundial refletirá a deterioração das condições. A economia mundial deve avançar apenas 3,2% em 2019, menos 0,2 pontos percentuais do que se pensava em janeiro.
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