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Podem ser uma solução para quando o Estado não tem capacidade de financiamento para construir infraestruturas, mas as parcerias público-privadas (PPP) também se podem transformar numa dor de cabeça que dura anos ou décadas e um sugadouro de recursos públicos, com custo pesado para os contribuintes. E Portugal tem alguns exemplos do que o Fundo Monetário Internacional (FMI) chama de “ilusão orçamental”, ou seja, os encargos são empurrados para o futuro, dando a falsa sensação de equilíbrio das contas públicas no presente.
“As PPP têm características especiais que as tornam propensas à “ilusão fiscal””, escrevem os autores do estudo “Dominar o arriscado negócio das parcerias público-privadas em infraestruturas”, publicado neste mês pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). “O recurso à contratação de PPP vem muitas vezes rodeado por uma nuvem de ilusões orçamentais que impede uma gestão cuidadosa dos riscos orçamentais, permitindo que projetos demasiado dispendiosos ou mal estruturados sejam aprovados”, lê-se no documento de orientação elaborado pelo departamento de assuntos orçamentais do FMI.
Os autores identificam três fontes da “ilusão orçamental”: a orçamentação e financiamento, os critérios para a avaliação dos ativos e a análise dos riscos para as contas públicas por parte do setor público. E o Estado estará mais exposto a esta ilusão, quanto menor for a capacidade da administração pública para fazer uma boa negociação com os privados. O que nem sempre acontece.
A maior fonte da ilusão orçamental é o facto de não haver um impacto imediato nos défices e dívida públicos, mas que chegarão mais tarde com a compensação aos privados, por exemplo, dependendo do desenho da parceria público-privada. Os autores do estudo recomendam que os governos olhem para todo o ciclo do projeto, ou seja, a construção, a operação e a eventual transferência para o Estado.
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Uma segunda fonte da ilusão orçamental prende-se com o reconhecimento dos ativos geridos em PPP como fazendo parte das infraestruturas públicas, classificando-as como pertencendo à esfera privada. “O financiamento privado das infraestruturas públicas não deve ser confundido com a propriedade privada”, avisam os autores, sublinhando que uma das tentações dos governos reside na exclusão destes ativos do perímetro orçamental, como aconteceu em Portugal até à crise financeira de 2008/2009. Na altura, a autoridade estatística europeia – o Eurostat – obrigou ao reconhecimento destas infraestruturas, e a dívida pública inchou para valores acima de 100% do produto interno bruto (PIB) em 2010. As contas foram sendo acertadas já com a presença da troika.
Regressando ao estudo do FMI, os autores identificam uma terceira fonte de ilusão: o risco de bancarrota do parceiro privado, obrigando o Estado a assumir os encargos na totalidade, uma vez que, por compromisso contratual, o governo não pode abandonar o ativo, sendo obrigado, por via legal, a absorver os custos orçamentais. Sendo que ainda é preciso ter em linha de conta os passivos contingentes que as PPP criam.
O caso português
O estudo do Fundo Monetário dá alguns exemplos de riscos com PPP e Portugal surge para ilustrar alguns casos. “As ilusões orçamentais em relação às PPP resultaram na acumulação de demasiadas responsabilidades, pondo em risco a sustentabilidade orçamental e a estabilidade macroeconómica”, começam por referir os autores.
“Portugal exemplifica este cenário, bem como as medidas que os países podem tomar para o impedir”, aponta o estudo.
Para perceber as circunstâncias e o histórico das PPP em Portugal, os autores lembram que nas décadas de 1990 e 2010, o país construiu “uma das melhores redes rodoviárias da Europa, tanto per capita como em área, com toda a rede ao abrigo de regimes de PPP”.
“Os projetos de PPP eram revistos e aprovados no âmbito de um processo de controlo em que o Ministério das Finanças tinha poder de veto, enquanto o Ministério das Obras Públicas definia a política”, começam por lembrar os autores. O problema começou quando “no final dos anos 2000, a Estradas de Portugal – responsável pelos projetos – foi convertida numa empresa pública ficando fora do perímetro orçamental com escassa supervisão.” Quando surgiu a crise financeira em 2010, com novos contratos de PPP, o governo reconheceu que não os podia pagar, cancelando (com compensação) os novos contratos e negociando a conversão de contratos de portagens-fantasma (SCUT) em contratos de disponibilidade para permitir a introdução de portagens em várias estradas recentemente construídas.” Também “o programa ferroviário de alta velocidade e a construção do novo aeroporto de Lisboa tiveram de ser cancelados.”
Demasiado otimista
“As fontes mais comuns de riscos orçamentais são portagens e outras taxas que os utilizadores não podem pagar (ou os governos não podem assumir politicamente) e modelos de negócio irrealistas” e é aqui que Portugal também aparece pois “teve de pagar indemnizações ao concessionário para baixar as portagens nas pontes sobre o Tejo, em Lisboa, devido a uma promessa eleitoral que implicou a renegociação do contrato”, refere o documento.
Mas não é caso único nos exemplos do FMI. “A África do Sul pagou uma indemnização para atrasar a implementação de portagens nas estradas em regime de PPP devido à reação do público”, indica. Ou na Escócia, onde o executivo “teve de comprar a Skye Bridge para eliminar as portagens. Também a Coreia do Sul teve de baixar as portagens e pagar indemnizações relativamente a várias autoestradas em regime de PPP”, devido à contestação da população. Em Espanha, por outro lado, previsões irrealistas de tráfego forçaram o governo espanhol a financiar as autoestradas – radiales – de Madrid.
De resto, o excesso de otimismo é outra marca que deixa o exemplo português e que pode resultar em opções “enviesadas” dos governos, “ignorando cenários alternativos”. “O projeto ferroviário da Fertagus em Portugal exemplifica como o enviesamento do otimismo pode impulsionar a opção por um regime de PPP”, indica o estudo, adiantando que “o primeiro contrato, datado da década de 90 do século passado, baseou-se num cenário de procura em que as receitas cobririam os custos e a remuneração do concessionário, permitindo às autoridades anunciar o projeto “sem custos para o governo”, enquanto o concessionário assinou o contrato” que o protegia através de garantias de remuneração.
Nem tudo correu mal
Apesar de ilustrar os casos do que de pior pode acontecer na contratualização de uma parceria público-privada, Portugal também consegue ser um exemplo de como se podem aliviar alguns riscos orçamentais.
“Alguns países reviram as suas decisões de prosseguir projetos de PPP quando pressionados por situações de crise – como Portugal fez em 2011 durante uma crise orçamental, cancelando o programa ferroviário de alta velocidade”, indicam os autores do estudo. Mas também apontam os instrumentos de controlo que foram sendo criados, como a obrigatoriedade de publicar relatórios trimestrais sobre os encargos com as PPP ou a projeção para horizontes temporais que ultrapassam 2060 e a criação de unidades de avaliação.
“Em Portugal, o processo de controlo exige que as PPP sejam revistas pela Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos (UTAP, que funciona junto do Ministério das Finanças) e aprovadas pelo ministro das Finanças em várias fases”, indicam os autores, acrescentando que “o processo impõe um comité de avaliação com membros da UTAP e só depois de uma exigente análise é que o ministro das Finanças autoriza o ministro responsável pelo projeto a assinar o contrato de PPP.” Etapas que, no entender dos autores deste estudo, impedem desvios e conferem maior transparência e exigência a todo o processo.
Os custos
Os custos das PPP têm vindo a descer de forma considerável e isso é notado pela UTAP, mas também pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) e pelo Tribunal de Contas (TdC).
De acordo com esta última instituição, entre 2011 e 2019 as PPP já custaram aos cofres públicos mais de 13,5 mil milhões de euros (e 1 543 milhões de euros em 2019), sublinhando o valor desproporcional do investimento realizado pelos parceiros privados (3682 milhões de euros, de 2011 a 2019, e 146 milhões de euros em 2019), “incluindo também o investimento realizado no setor aeroportuário desde 2013”, refere o TdC no parecer da Conta Geral do Estado de 2019.
Em 2020, o Estado teve encargos de 1521 milhões de euros e neste ano, de acordo com a previsão que consta do Orçamento do Estado (OE2021), sobe para 1548 milhões de euros. E a culpa é da pandemia que reduz o tráfego e, por arrasto, a receita de portagens, aumentando a fatura para o lado do Estado.
Tomando as previsões de longo prazo dos encargos com as PPP que constam do OE2021, o governo acredita que consegue começar a ter lucro com as parcerias (incluindo saúde) a partir de 2035.
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