//Fuga de negócios da bolsa atinge máximo

Fuga de negócios da bolsa atinge máximo

Cada vez há menos transações que passam pela Euronext Lisbon. A fuga aos negócios agudizou-se desde janeiro – menos de 47% dos negócios passaram pela Euronext. É um mínimo recorde, segundo dados da Fidessa, que agrega dados dos mercados.

E há casos de algumas das principais empresas cotadas da praça portuguesa, como a EDP, em que 75% das transações são feitas fora de bolsa, nos bancos (operações internalizadas) em leilão ou em dark pools – bolsas alternativas.

“O crescimento da percentagem de volumes de transação em mercados de balcão/OTC (over-the counter), assim como em outras bolsas alternativas, é uma tendência global nos mercados acionistas”, reconheceu fonte oficial da EDP. Mas o perigo, ”alerta Pedro Lino, presidente da DIF Broker, é que “não se tem noção do volume total de um título que é negociado, nem quais os preços.

A nova regulação europeia que entrou em vigor em agosto de 2018 – Diretiva dos Mercados Financeiros II – impulsionou esta quebra de negócios da Euronext. O caso da Bolsa de Lisboa não é único. A tendência ocorre pela Europa fora. Mas as bolsas do Sul parecem ser as que estão a ser mais afetadas. No caso de Madrid, mais de 55% dos negócios do Ibex 35 foram realizados fora do mercado oficial, o BME.

Se um fundo ou um investidor de relevo quiser vender um grande lote de ações de uma cotada passando despercebido, sem perturbar o mercado, pode optar por fazer a transação numa dark pool, ou em bolsas privadas de negociação, em vez de a efetuar através de uma bolsa.

Em bolsas como a Euronext, as ordens e os preços são públicos e transparentes. Nas dark pool não são públicos os preços a que os participantes estão dispostos a fechar uma operação. A crescer têm estado as operações internalizadas – em que bancos optam por executar ordens internamente de forma frequente e sistemática.

Desde o início de 2019, menos de 47% dos negócios de cotadas do PSI20 foram feitos na Euronext. No mesmo período de 2018, 58% dos negócios passaram pelo mercado oficial, enquanto 19% das transações foram internalizadas e outros 19% ocorreram fora de bolsa.

Os dados deste ano da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) mostram uma queda homóloga de 23% no volume de transações na Euronext Lisbon, nos primeiros quatro meses do ano.

Em 2018, o volume de transações na Euronext Lisbon situou-se em 24 919 milhões de euros, menos 16% do que no ano anterior. A capitalização da Euronext Lisbon em dezembro era de 193 662 milhões de euros, menos 32% do que um ano antes.

“Alguma coisa está a falhar”, alerta Abel Sequeira Ferreira, diretor executivo da AEM- Associação de Empresas Emitentes de Valores Cotados em Mercado. “O efeito que a legislação tem tido é o de afastar um maior número de transações para fora do mercado regulado para zonas cinzentas, são mais opacas”, adiantou ao Dinheiro Vivo.

“Não se tem noção do volume total de um título que é negociado, nem quais os preços”, alertou Pedro Lino, presidente da DIF Broker e administrador da Optimize. O analista defende que todas as ordens deviam ser centralizadas. “É o único caso em que o monopólio se devia manter. Chegamos a um ponto em que estamos a privar o investidor de informação sobre o preço e quantidade de um título que é negociada”, afirmou. “Não é mercado, é jogo”, lamentou.

A CMVM está atenta. “A negociação na Euronext tem vindo a perder quota de mercado desde o final de 2013 – em ações portuguesas, mas também em mercados em todo o mundo – e a relevância do comércio de pool aumentou, trazendo novos desafios de supervisão – por exemplo, de possíveis casos de manipulação intermercado”, refere no seu relatório Risk Outlook.

Mas o mercado fragmentado em diversas plataformas de negociação também pode trazer vantagens, como custos mais baixos e inovação tecnológica, reconhece.

Bolsa vulnerável

A nova regulação tem levado a um aumento de importância dos Internalizadores Sistemáticos (SI) – internalização de ordens nos bancos. Mas há um conjunto de regras que precisam cumprir.

“O problema é que mesmo o investidor não sabe se as transações estão a ser feitas ao melhor preço”, disse Pedro Lino.

“É evidente que torna mais difícil o controlo” das operações, disse Filipe Garcia, economista da IMF-Informação de Mercados Financeiros. Outra consequência prende-se com as análises técnicas dos títulos, que apontam para tendências de evolução de preço. “Não dá para fazer uma análise com rigor”, frisou Filipe Garcia.

Para Abel Sequeira Ferreira, o problema é sério. “A maior desvantagem que pode existir é a questão da formação de preço dos títulos”, disse. Para o diretor executivo da AEM, “a regulação falhou” e os mais prejudicados são os mercados mais pequenos, como o português. “Não estamos a ter a fotografia completa” dos mercados diariamente. “Desde 2011 que temos alertado que é necessário um plano de ação para o mercado de capitais português e não de medidas avulso”.

“Temos um mercado numa situação muito vulnerável e essa vulnerabilidade vai aumentando com a passagem do tempo. A Euronext Lisbon não respondeu às questões do Dinheiro Vivo até à hora de fecho desta edição.

Ver fonte