//Fundos europeus perdidos. Empresários acusam CCDR de alterarem regras a meio do jogo

Fundos europeus perdidos. Empresários acusam CCDR de alterarem regras a meio do jogo

Beneficiários do Portugal 2020, que perderam financiamento europeu, culpam a alteração de regras a meio das candidaturas recorrem agora ao Parlamento. Em causa está o Programa +CO3SO, financiado pelo Fundo Social Europeu e integrado no Portugal 2020, que a meses de terminar a execução ainda tem quatro mil milhões de euros por gastar. É um apoio a fundo perdido, que comparticipa a 100% a criação de postos de trabalho.

Alguns projetos já foram anulados e outros vão ser decididos pela justiça. Os empresários acusam as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) de alterarem as regras a meio da candidatura.

A maioria nem consegue respostas das CCDR. Sofia, depois de muito insistir, ao fim de dois anos, pode agora recorrer à justiça.

“Já recebi a notificação de que a CCDR de Lisboa e Vale do Tejo considera o meu programa extinto, porque não cumpri com os pedidos deles. Devo aguardar pela decisão sobre o reembolso ou não do valor.” Entretanto, “vou avançar para tribunal”, diz a empresária.

Não está sozinha, garante Sofia. Cerca de três dezenas de candidatos seguem os mesmos passos.

Os relatos repetem-se. Foi já depois de aprovada a candidatura, assinado o contrato e de ter sido enviado o primeiro pagamento que os problemas começaram. Abrangem quem avançou como Empresários em Nome Individual (ENI), porque as CCDR mudaram as regras.

Foram apresentadas diferentes exigências aos beneficiários, mas duas ideias repetiram-se. Uma é “que todos os beneficiários que estivessem como ENI tivessem a taxa máxima da Segurança Social”, explica Sofia. Mas “a Segurança Social é que define a taxa, nós não escolhemos, cheguei a ter seis atendimentos na Segurança Social para conseguir uma declaração em como tinha a taxa correta”, recorda a empresária.

Só depois de informados pelos beneficiários é que os serviços da CCDR corrigiram esta obrigação, para “atividade como empresa”, denuncia Sofia.

Os empresários foram ainda obrigados a apresentar uma faturação mensal mínima, o que em vários setores não é possível no início de atividade. Além disso, “nada disto é exigido às empresas”, lembra Sofia.

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Um “erro” criado pelas CCDR, corrigido com outro erro

De “trapalhada” a “erro”, os empresários acusam as CCDR de criarem o problema e passarem a resolução para cima dos candidatos.

“É um erro criado por eles, é um erro de criação de candidatura que durou mais de um ano”, defende Sofia. “O aviso abre em fevereiro de 2020, há contratos assinados em março de 2021, e só durante o verão de 2021 é que começa a surgir esta questão”.

E a solução? Passa pelos beneficiários. “Somos nós que temos que arranjar uma solução”, lembra esta empresária. Por isso este é também “um erro de interpretação, a forma como eles decidem corrigir o erro é colocando o ónus no beneficiário”, conclui.

Com a alteração das regras acumularam-se atrasos, o que implica perda de financiamento para os candidatos. Alguns pagamentos foram mesmo suspensos.

Por outro lado, há o dinheiro pago, que em alguns casos chegou a quatro mil euros em dois anos, que pode agora vir a ser devolvido. Aguardam ainda por uma decisão.

Os beneficiários lamentam que tenha sido extinto o Provedor do Beneficiário, porque até agora nenhuma das portas a que bateram os conseguiu ajudar.

O que dizem Governo e CCDR?

“Qualquer contabilista percebe que não se pode equiparar um ENI a uma empresa. Tudo isto está mal concebido e o ónus da correção foi imputado ao candidato”, desabafa um beneficiário.

Indignados, estes candidatos não perdem uma oportunidade para reclamar justiça.

Esta terça-feira são ouvidos pelos deputados da Comissão Parlamentar de Economia e Obras Públicas, na Subcomissão para o Acompanhamento dos Fundos Europeus e do PRR. No mínimo, querem abrir caminho até à tutela, explica Sofia, de quem ainda não conseguiram uma resposta.

A Renascença também pediu esclarecimentos ao Ministério da Coesão Territorial, que remete para as CCDR: “as entidades responsáveis pela gestão, acompanhamento e execução de cada Programa são as Autoridades de Gestão (AG)”, que são lideradas pelo “presidente da CCDR respetiva”, que tem a responsabilidade de “adotar as medidas necessárias”.

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O gabinete da ministra Ana Abrunhosa acrescenta ainda que desde março de 2022 existe “um Canal de Comunicação centralizado”, a ‘Linha dos Fundos”, criado para melhorar o atendimento sobre os fundos europeus. “Sempre que necessário, procede ao encaminhamento para especialistas, num compromisso de resposta e resolução efetiva”, garante o Ministério.

Pelas Comissões, a CCDR LVT rejeita dificuldades de acesso ao financiamento e garante ainda que “não houve alteração das condições de acesso dos ENI e não houve erro da CCDR”.

Em resposta à Renascença, admitem apenas que “algumas das pessoas que se candidataram como ENI exibiram comprovativos da Segurança Social como Trabalhadores Independentes” e foram “convidadas a regularizarem a sua situação – que passava por uma alteração da taxa contributiva”. Ainda segundo a CCDR LVT, “algumas pessoas conseguiram e outras não, por razões que só à Segurança Social compete explicar”.

A CCDR do Centro também rejeita as acusações e lembra que, apesar da “elevada carga administrativa”, face à “enorme adesão”, para os Empresários em Nome Individual foi “estabelecido um canal de comunicação direto com os técnicos da equipa das verificações administrativas”.

Garantem ainda que no centro do país estão atualmente em execução 50 candidaturas de ENIs, das 73 aprovadas, o que prova que foi possível avançar com este modelo.

Em todos os casos em que foram identificadas anomalias, houve reuniões (por videoconferência) com os candidatos e foram apresentadas soluções. “A Autoridade de Gestão não alterou as condições de acesso nem obrigou os beneficiários a alterar as condições das candidaturas”, concluem.

A CCDR do Norte foi a única, das três questionadas, que não respondeu.

Provedoria de Justiça poderá ter outra leitura

Há vários meses que esta questão está a ser analisada pela Provedoria de Justiça, que já tem um parecer pronto. Ao que apurámos, deverá ser divulgado dentro de uma semana.

Segundo fonte oficial, desde 2000, foram abertos na Provedoria 15 processos de queixa sobre o Programa +CO3SO: cinco em 2020, dois em 2021 e oito em 2022. Destes 15 processos, “cinco (todos de 2022) abordam o problema das alegadas alterações dos critérios do programa”.

Estas não são as únicas queixas que chegaram à Provedoria de Justiça sobre o Portugal 2020, já existe um parecer sobre os Apoios a Edifícios Mais Sustentáveis (PAE+S). Um caso com queixas semelhantes ao anterior.

A Provedoria recomendou alterações ao programa, depois de analisar mais de uma centena de queixas, desde questões técnicas a anomalias informáticas na plataforma de candidatura, instruções complexas e/ou inacessíveis, linha de apoio incapaz, rejeição de candidaturas “por motivos não imputáveis ao candidato” e morosidade no processo de decisão e no pagamento.

Tendo em conta o cruzamento das reclamações, é de esperar que a Provedoria siga o mesmo raciocínio, o que pode levar à resolução de alguns casos.

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