//Gestão de risco. Pandemia no topo do “novo normal” das empresas

Gestão de risco. Pandemia no topo do “novo normal” das empresas

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Uma segunda vaga de Covid-19, daqui a alguns meses – possível, ou mesmo provável segundo alguns especialistas – é um dos maiores riscos que as empresas irão enfrentar nos próximos tempos; pelo risco pandémico em si e pelo conjunto de riscos que lhe estão associados.

Até ao dia 11 de março, em que a doença provocada pelo novo coronavírus foi declarada pela Organização Mundial de Saúde uma pandemia à escala global, o risco pandémico de saúde pública ocupava um modesto 60.º lugar no “ranking” dos riscos que os gestores consideravam representar uma ameaça para os seus negócios.

“Foi um risco claramente desvalorizado”, diz Carlos Freire, à Renascença. O diretor executivo da Aon Portugal, multinacional que opera em 120 países e tem no apoio à gestão de risco uma das suas principais áreas de atividade.

Com 25 anos de experiência no setor financeiro, Carlos Freire considera que “muitos gestores em Portugal e noutras partes do mundo demonstraram que as suas empresas estão ainda pouco preparadas na capacidade de resposta aos riscos, apesar de estarem cientes do impacto que estes podem trazer aos seus negócios”.

O que é o risco?

No contexto empresarial, o termo ‘risco’ refere-se a “eventos ou ações passíveis de causar impacto na atividade de uma empresa”, explica Carlos Freire, exemplificando com “ uma crise pandémica, uma greve, catástrofes naturais, interrupção de cadeias de abastecimento e até alterações legislativas” entre muitos outros.

Quando não identificados, avaliados e mitigados através de uma política eficaz de gestão do risco, este tipo de eventos pode representar um impacto muito negativo nas empresas” podendo, em casos mais graves “ significar a perda de valor de mercado e danos irreparáveis à sua reputação”, concretiza.

Novo coronavírus expôs impreparação do tecido empresarial para o risco pandémico

“De uma forma geral, qualquer setor em Portugal estava pouco preparado para o impacto que a Covid-19 trouxe às suas atividades”, considera o diretor executivo da AON, salientando que “as empresas que já apresentavam uma estrutura montada de ‘home office’ conseguiram implementar o regime de teletrabalho com maior facilidade, manter as operações e reduzir o impacto da pandemia”.

Na opinião de Carlos Freire, “os setores de atividades mais expostos e que sentiram em maior medida o impacto desta crise foram o turismo, a aviação, todas as áreas dos bens duradouros, como automóveis e imobiliário, e as petrolíferas, que registaram uma quebra nos preços e na procura”.

Coro de pedidos ao Estado é natural, face à necessidade de dinamizar a retoma económica

Nesta entrevista à Renascença, Carlos Freire faz notar que vivemos num mundo e num enquadramento em que, “provavelmente como nunca, a dimensão dos riscos que podem afetar as empresas são mais determinantes, relevantes, complexos e perfeitamente interdependentes”.

Na opinião deste especialista, o momento atual confirma que “existem lacunas na gestão de risco”, mas “em algumas situações, os apoios dos Estados são relevantes, devendo dinamizar a recuperação económica”.

Carlos Freire observa que “o nível de preparação contra o risco e, sobretudo, o investimento num trabalho de gestão do risco reflete, em parte considerável, a capacidade financeira da empresa” pelo que, no caso das micro, pequenas e médias empresas, esse investimento pode ser “bastante reduzido”, diz.

Assinala, porém, que “o nível de consciencialização da gestão de topo em relação ao risco está a crescer” e que, consequentemente, as empresas irão acabar por procurar “cada vez mais trabalhar ao nível da antecipação e mitigação dos principais riscos inerentes à sua atividade”.

Abrandamento das economias e ataques informáticos são riscos acrescidos para as empresas

“O primeiro risco a destacar neste ‘novo normal’ é claramente o abrandamento das economias”, diz à Renascença o CEO da Aon Portugal.

“Antes desta crise, os especialistas já previam uma desaceleração do crescimento de diversas economias mundiais. Contudo, esta pandemia levou à interrupção de diversos setores essenciais da nossa economia, um cenário que trará um recuo do Produto Interno Bruto e até outras consequências ao nível empresarial, como o aumento da dívida, aumento da taxa de desemprego, reajustes salariais, etc.”, explica.

Além deste, existe um outro risco, que é o cibernético. “Com a transição das empresas para os regimes de teletrabalho, estas acabaram por ficar expostas a um conjunto de vulnerabilidades e veja-se os recentes ataques expressivos em Portugal”, diz.

Às empresas, pede-se agilidade e liderança, na retoma da atividade

Um estudo muito recente da Aon revela, entre outras conclusões, que a Covid-19 trará impactos ao nível das contratações. A maioria dos inquiridos (60%) perspetiva processos de contração mais cautelosos e 20% prevê um decréscimo desta atividade.

No universo de inquiridos, 24% diz manter a média de contratações e apenas 20% diz não esperar qualquer impacto na captação de talento. Números que espelham mais um impacto ao nível das pessoas e que contribuem para desenhar o cenário deste ‘novo normal’ da nossa economia.

Carlos Freire adverte que para ultrapassar uma crise como esta que estamos a viver “é necessário que as empresas estejam munidas de três fatores-chave: agilidade, resiliência e capacidade de liderança”.

“Agilidade, por exemplo, na implementação do teletrabalho, nas tomadas de decisão ou na alteração do processo produtivo. Resiliência financeira e na adaptação a um novo modelo de negócio capaz de prever e responder eficazmente a eventos imprevisíveis. E capacidade de liderança para tranquilizar colaboradores, clientes e parceiros de negócio e para colocar foco estratégico na sustentabilidade da organização a longo prazo”.

É essencial uma maior maturidade na gestão do risco

O regresso de muitas empresas à atividade, num momento caraterizado pela incerteza e insegurança associadas à Covid-19 requer especial atenção aos riscos.

“No caso da crise pandémica, falo especificamente de ações como a criação de processos de auscultação regular dos colaboradores, a garantia de condições de teletrabalho, o desenvolvimento de campanhas de sensibilização para comportamentos de higiene e proteção do contágio, entre muitas outras”, sublinha Carlos Freire.

Paralelamente a outras ações destinadas a capacitar as empresas para o regresso ao trabalho, a empresa que Carlos Freire dirige em Portugal lançou recentemente uma ferramenta de avaliação de “maturidade na gestão de risco”.

O objetivo é que as empresas dos vários setores da economia percebam em que grau de preparação se encontram para retomar a sua atividade e “possam responder de forma efetiva aos desafios colocados pelo atual cenário de alívio das regras de confinamento”.

O especialista adverte para a necessidade e importância de levar por diante “ações de mitigação em diferentes dimensões da empresa, nomeadamente ao nível das pessoas, do risco, das políticas, do escritório e da temas organizacionais em geral”.

Para que tal aconteça, conclui, “é imperativo que as empresas tenham desenhada e implementada uma estratégia de gestão do risco”.

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