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A almofada de liquidez do Estado (a reserva em depósitos do Estado) atingiu os 17 mil milhões de euros no final do ano passado, o maior valor de que há registo.
Assim, os cofres terminaram o ano da crise pandémica com um montante em dinheiro que suplanta até o do tempo da troika (anos de 2012 e 2013, por exemplo), quando Portugal perdeu o acesso aos mercados e foi obrigado a constituir essas reservas por motivos de segurança e precaução.
Com este dinheiro, obtido através de uma verdadeira corrida ao endividamento ultra barato (taxas de juro mínimas em 2020, zero ou até negativas) e depois guardado nos cofres públicos, o governo acredita que ter agora mais capacidade para ir neutralizando os efeitos graduais mas negativos para o défice das subidas das taxas de juro, que já se fazem notar, aliás.
Ou seja, com esta margem de segurança, o governo (o Tesouro) pode gerir com mais cautela as idas aos mercados em 2021 e não depender tanto deles, por exemplo.
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De acordo com dados oficiais da agência que gere a dívida pública portuguesa (IGCP), entidade que é tutelada pelo Ministério das Finanças, o Estado guardou deliberadamente para este ano cerca de 10,2 mil milhões de euros que foi buscar aos mercados, fazendo disparar o valor dos depósitos estatais para os referidos 17 mil milhões de euros no final do ano passado.
O valor dessa liquidez não usada, acomodada como reserva de segurança, é o maior nos registos disponíveis.
O Estado é a parte ‘core’ da administração pública: é nela que cabem governo, órgãos de soberania, ministérios e serviços públicos integrados. Não contempla Segurança Social, regiões, autarquias e empresas públicas.
Não menos importante, como os depósitos contam como dívida pública, o Tesouro terá incentivos em começar a gastar este dinheiro, nem que seja uma parte. Recorde-se que o rácio da dívida pública está atualmente acima dos 130% do PIB (produto interno bruto), um nível que é visto como altamente perigoso por muitos analistas pois expõe o País a choques nos mercados e nas taxas de juro.
Os dados do Tesouro mostram isso mesmo: o plano de João Leão é consumir sete mil milhões de euros em 2021 (dos depósitos) e com isso financiar o défice e cumprir outras responsabilidades da República.
Nos últimos anos, os deveres mais pesados têm sido as amortizações de obrigações do tesouro (OT) e os apoios aos bancos (Novo Banco) através do Fundo de Resolução.
Défice revisto em baixa, mas idas ao mercado, não
De acordo com esses mesmo dados oficiais que constam de uma nova apresentação do IGCP aos investidores, a estratégia foi ir em força aos mercados, mesmo com o défice a sair mais pequeno do que se julgava inicialmente.
Segundo as Finanças, o défice do Estado em 2020 acabou por ser substancialmente mais pequeno do que o previsto no orçamento suplementar (aprovado em julho).
Por causa das medidas de apoio contra os efeitos da pandemia e dos confinamentos, esse défice foi elevado, sim (chegou a 12,2 mil milhões de euros), mas ficou 4 mil milhões abaixo do que se previa no tal suplementar porque a economia aguentou melhor do que se esperava, disse o ministro das Finanças na altura.
As compras de ativos financeiros (onde caem as tais injeções de capital em entidades públicas) também foram inferiores ao previsto em julho: menos 800 milhões de euros.
Mesmo assim o governo decidiu carregar no pedal do endividamento e até se endividou mais no ano passado do que fora planeado. No suplementar, com um défice anual de 16,1 mil milhões de euros para financiar, o plano de idas aos mercados de obrigações (endividamento de médio e longo prazo) ascendia a 29,2 mil milhões de euros.
O défice do Estado foi depois revisto em baixa, mas as Finanças não desarmaram. Foram ao mercado buscar mais 27,3 mil milhões de euros em OT e ainda contraíram três mil milhões de euros em dívida (também superbarata) através do fundo SURE (o instrumento europeu de apoio temporário para atenuar riscos de desemprego na emergência da pandemia, que serviu para ajudar a financiar o lay-off simplificado e outras medidas de apoio).
Ou seja, apesar das exigências financeiras terem sido mais leves do que se projetava no suplementar de julho, as Finanças endividaram-se em 30,2 mil milhões de euros no ano passado. Mais mil milhões do que o estimado em julho.
Consumir poupanças excessivas para reduzir a dívida
Mas a estratégia não termina aqui. Como referido, este ano, o plano é ir às poupanças (aparentemente excessivas), evitando em parte o recurso aos mercados.
O plano oficial é gastar sete mil milhões de euros desses depósitos (valor nunca visto nestes registos oficiais do IGCP). Ao mesmo tempo, o governo prevê precisar de menos 10 mil milhões de euros em OT face a 2020. É cerca de um terço do valor efetivamente levantado nos mercados no ano transato.
Este ano, o défice previsto para o Estado (contas da tutela de João Leão plasmadas no Programa de Estabilidade) rodará os 11 mil milhões de euros.
Em cima disto é preciso gastar mais 4,5 mil milhões de euros em ativos financeiros (pode ser o Novo Banco, a TAP ou outras empresas públicas a precisarem de sustento em capital) e pagar aos credores (OT) cerca de 11,5 mil milhões de euros, diz o programa apresentado aos investidores.
Mesmo assim, com tudo isto, as Finanças ainda consideram possível chegar ao fim deste ano 2021 com 10 mil milhões de euros na almofada de liquidez, valor que está em linha com a prática do pós-troika.
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