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O aumento da despesa com os funcionários públicos, prevista já para o próximo ano, deve render aos cofres do Estado quase 200 milhões de euros por via do IRS, das contribuições para a Segurança Social, da Caixa Geral de Aposentações (CGA) e da ADSE.
Os cálculos foram feitos pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) na análise preliminar ao Orçamento do Estado para 2021 (OE2021), que, à semelhança de outros anos, aponta a falha ao gabinete do Ministério das Finanças.
“Em 2021, o incremento na despesa com pessoal das administrações públicas corresponderá a um encargo bruto de 446 milhões de euros e a uma receita implícita de 192 milhões, lê-se no documento distribuído aos deputados nesta semana para apoio à discussão durante o processo orçamental que decorre até ao final de novembro na Assembleia da República.
Este aumento da receita do Estado por via de mais remunerações e vencimentos mais altos (efeito volume e preço) decorre de cinco medidas de “políticas invariantes”: progressões e promoções, mitigação do congelamento das carreiras especiais, contratações em curso, integração dos trabalhadores do Hospital de Braga e aumento do número de assistentes operacionais.
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Os técnicos da UTAO insistem que as Finanças não podem apenas incluir uma parte da equação – a despesa -, têm também de contabilizar a receita que entra nos cofres públicos. “Não parece coerente contar os efeitos das medidas na despesa e ignorar os efeitos que as mesmas medidas produzem na receita, se o objetivo do exercício for identificar corretamente as pressões das medidas sobre o saldo orçamental no ano da previsão”, referem os especialistas.
“A maior parte deste volume decorre de processo de progressão e promoção”, detalham os peritos do Parlamento, destacando a medida de descongelamento de progressões e promoções nas carreiras especiais”, que pesam mais de metade (51,8%) do total previsto pelas Finanças.
Esquecimento
No relatório preliminar, a UTAO não encontra melhor explicação do que um mero “esquecimento” por parte do Ministério das Finanças.
“Salvo melhor opinião, as Finanças esquecem-se de acrescentar no lado da despesa desta medida os encargos das entidades patronais públicas com contribuições sociais, que a UTAO estima em +125,7 milhões de euros”, sublinha o organismo independente, a funcionar na Assembleia da República.
A Unidade Técnica sugere, por isso, “uma revisão da quantificação do impacto no saldo das cinco medidas incluídas na rubrica despesas com pessoal”. E faz uma proposta sobre a forma como o quadro deveria ser apresentado: “do lado da despesa, acrescenta à medida de descongelamento de progressões e promoções nas carreiras especiais os encargos com as contribuições para os regimes de proteção social dos seus trabalhadores (ADSE e Segurança Social).
Do lado da receita, sugere que se adicionem “os fluxos que as cinco medidas de acréscimo de despesa com pessoal irão provocar na conta de 2021: são 192 milhões de euros, distribuídos por encaixes de IRS, contribuições dos trabalhadores e das entidades patronais para a Segurança Social e a CGA, e ainda, contribuições dos trabalhadores para a ADSE”, recomendam os técnicos.
Uma “guerra” antiga
Não é a primeira vez que a UTAO aponta esta falha ao Ministério das Finanças e, no Orçamento para este ano, a discussão subiu de tom com o então ministro Mário Centeno a acusar a entidade de estar a levantar uma dúvida “totalmente ilegítima”. Na altura, a Unidade Técnica apontava para uma receita adicional de 226 milhões de euros.
“Estas omissões da receita gerada por acréscimos remuneratórios começam a ser regra nos relatórios do Ministério das Finanças, obrigando a UTAO a sinalizar publicamente a sua discordância”, lê-se no documento.
“Não se percebe a insistência na criação deste ruído público. A UTAO não tem possibilidade de avaliar se os efeitos na receita estão ou não devidamente incluídos na projeção de receita das administrações públicas que vem ao Parlamento, pois não pode correr o modelo macro econométrico do Ministério para o confirmar”, acrescentam.
Dão, porém, o benefício da dúvida às Finanças. “Quer, no entanto, acreditar que o modelo está programado para não cometer o mesmo erro que sistematicamente os relatórios da proposta de Orçamento do Estado vêm revelando nos últimos anos”, concluem.
Pesca à linha
Mas as críticas da UTAO ao OE2021 não se ficam por aqui, apontando as várias versões que as Finanças apresentaram logo nos dias que se seguiram à entrega do documento na Assembleia da República. Pelas contas dos técnicos, foram contabilizadas quatro versões. E a informação que consta também não ajuda à leitura do documento, dando o exemplo das medidas discricionárias.
“Não existe uma lista de medidas, mas várias listas de medidas e com valores diferentes ao longo do relatório”, exemplificam, identificando medidas novas e velhas apontadas pelos diferentes ministérios, com repercussão em 2021, mas sem uma sistematização no relatório.
“Fazendo pesca à linha nas intenções manifestadas pelos diversos ministérios ao longo do extenso Capítulo 5, o leitor seria capaz de construir outra lista , esta contendo largas dezenas de medidas discricionárias de política”, apontam os técnicos.
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